Numeração


A Posição Comum do ERG considera que os planos de numeração (relevantes para os serviços VoIP de categorias 3 e 4) devem ser tecnologicamente neutros e que o nomadismo é uma funcionalidade essencial aos serviços VoIP não devendo por isso ser restringida. Assim, ao mesmo tempo que reconhece a possibilidade de coexistência entre a manutenção do ''significado geográfico'' 1 dos números geográficos com o nomadismo, a Posição Comum sustenta deverem ser os prestadores de serviço telefónico em local fixo autorizados a permitir o nomadismo aos seus assinantes com números geográficos.

A classificação dos serviços VoIP efectuada pelo ICP-ANACOM no seu relatório da consulta pública sobre a abordagem regulatória a estes serviços, e que se descreveu no ponto anterior, serviu de base ao estabelecimento dos critérios de atribuição de direitos de utilização de números para os respectivos serviços. Assim, a mesma deliberação que aprova o relatório da consulta, decide, ao abrigo do artigo 17.º n.º 2, alínea b) da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), a abertura da gama “30” para acomodar serviços VoIP de uso nómada.

Actualmente, em Portugal, os serviços VoIP tanto podem utilizar as gamas de numeração geográfica como as gamas de números não geográficos nómadas (gama “30”), consoante o serviço prestado seja em local fixo ou nómada.

Com a atribuição e utilização de números geográficos de forma indistinta para serviço telefónico em local fixo no formato tradicional ou em VoIP, estava assegurada a neutralidade tecnológica. Com a atribuição e utilização de números nómadas na base de critérios e condições diferentes, acrescentava-se transparência ao Plano Nacional de Numeração (PNN) - um novo serviço, um novo indicativo -, mas impedia-se o nomadismo nos números geográficos.

Os conceitos constantes da LCE acabam por reflectir a realidade/era tecnológica que lhe subjaz e que está em transformação, sendo disso exemplo a definição de número 2, ao ser este associado a um ponto específico de terminação de rede 3. Adicionalmente, se o número for geográfico 4, esse ponto de terminação de rede está por sua vez associado a um local fixo situado na área geográfica sugerida pelos primeiros dígitos desse número (segundo dígito nas áreas de Lisboa e Porto ou segundo e terceiro nas outras áreas geográficas). Neste caso está subjacente, tipicamente, uma correspondência unívoca entre dois endereços: o endereço da rede representado pelo número geográfico e o endereço postal representado pela morada do assinante onde a linha telefónica é instalada.

É dentro deste quadro que se pretende analisar o nomadismo dos números geográficos.

Já para o número móvel a LCE não apura nenhuma característica específica, para além de integrar estes números nos números não geográficos, reconduzindo-se a sua definição à sua função: ''série de dígitos usados para encaminhamento''.

A noção de número como vista atrás tem raízes históricas na tecnologia de comutação de circuitos das redes telefónicas, por sua vez expressas na Recomendação E.164 5 da União Internacional de Telecomunicações – Sector de Normalização (UIT-T) 6. O PNN baseia-se na Recomendação E.164 no que toca ao plano nacional de telecomunicações. O ICP-ANACOM nos seus critérios e práticas sobre este assunto tem respeitado, e feito respeitar, a orientação presente nestas definições, impondo-as nas respectivas condições de utilização, com mais expressão quanto aos números geográficos, embora a alínea a) do número 1 do artigo 34.º da LCE permita, também quanto aos números móveis, designar o serviço para o qual o número será utilizado, incluindo eventuais requisitos ligados à oferta dos serviços. Se aos números geográficos está associada a condição de utilização dos mesmos para o serviço telefónico acessível ao público no local geográfico indiciado pelos 2.º e 3.º dígito, é natural associar aos números móveis uma condição de utilização que reflicta essa característica móvel do serviço, o que na prática equivaleria à presença de um cartão Subscriber Identity Module (SIM) correspondente ao número móvel.

Quando o ICP-ANACOM deliberou a abertura da gama ''30'' para acomodar serviços VoIP de uso nómada, permitindo, assim, além de assegurar a transparência do PNN como atrás referido, defender os números geográficos de uma utilização alheia ao seu conceito original, não manifestou orientação quanto à utilização de números móveis para serviços nómadas.

Já em 25.02.2005, a deliberação do ICP-ANACOM sobre a oferta da Novis Telecom com o designado serviço ''Optimus Home'' 7, espelha a preocupação do regulador de que o carácter geográfico dos números na gama de numeração ''2'' do PNN seja respeitado, ao reconhecer ao operador o direito à utilização dos números naquela gama, todavia condicionado a um acesso ao serviço apenas disponível através de uma única BTS predeterminada ou, em casos excepcionais, duas ou três 8 BTS. Mas entretanto surgiram ofertas comerciais dos operadores móveis para o segmento empresarial e conhecidas genericamente por Wireless Office, bem como outros serviços (tipo web phone) oferecidos via números móveis e propiciando por opção do cliente um acesso móvel ou fixo, que justificam ser também observado o uso que é feito dos números móveis.

Com a introdução das tecnologias IP em substituição dos actuais sistemas de comutação de circuitos, a função do número E.164 é sobretudo assegurar a interligação entre redes distintas e proporcionar a comunicação entre utilizadores dessas redes. Aqui, o número E.164 viabiliza o encaminhamento da comunicação, mas já não tem necessariamente uma função de garantir a oferta de um serviço num determinado ponto de terminação. Para uma aplicação de voz sobre IP (VoIP), os endereços são por natureza IP e não E.164 e estão configurados num servidor da rede do ISP de acesso que suporta a comunicação no local onde o utilizador se encontra.

Esta característica, que ''descola'' o número E.164 de um ponto de terminação de rede, tem dado azo à utilização dos números geográficos como ''números virtuais'', que indicam uma área geográfica não necessariamente coincidente com aquela onde efectivamente o serviço é prestado, e por isso, possibilitam uma utilização não conforme com a definição de número geográfico e logo à margem das obrigações a que estão sujeitos os prestadores a quem foram atribuídos os direitos de utilização destes números.

Por outro lado, a importância que a generalidade dos utilizadores (em particular no caso do serviço telefónico em local fixo) dá ao seu número de telefone - e que está reflectida na assinalável adesão 9 da portabilidade de operador introduzida em Junho de 2001 - requer que dentro do quadro regulamentar vigente sejam encontradas formas que contemplem, de algum modo, este interesse dos consumidores.

Aliás, o facto de terem sido já recebidos pelo ICP-ANACOM pedidos de informação de utilizadores sobre a possibilidade de manterem o número geográfico em situações de substituição do serviço telefónico em local fixo pelo serviço VoIP nómada e o interesse patente nas respostas dos consumidores à consulta pública sobre oferta grossista de linha exclusiva para serviços de banda larga (''Naked DSL''), lançada a 09.04.2007 10, sobre a oferta desses serviços, constituem elementos que o ICP-ANACOM teve em conta no seu propósito de flexibilizar a utilização dos números geográficos.

De salientar que a prática europeia é muito diversa, tendo alguns reguladores tomado já medidas menos restritivas do que o ICP-ANACOM, permitindo a prestação de serviços VoIP com numeração geográfica fora da morada/localização fixa, embora em alguns casos ainda com restrições. Refere-se a título exemplificativo os casos de Espanha, França, Itália e Irlanda em que é assegurada a possibilidade de utilização do número geográfico em qualquer ponto da área geográfica respectiva.

O ICP-ANACOM entende, assim, que está na altura de se revisitar os conceitos associados aos números geográficos e aos números móveis, interpretando, por um lado, as definições da LCE à luz das novas tendências tecnológicas e explorando todo o potencial que o conceito de número geográfico ainda representa para o utilizador, e assegurando, por outro lado, uma equilibrada simetria regulatória nas condições de utilização dos números móveis em contraponto com aquelas que são aplicadas aos números geográficos, reforçando assim abordagens de neutralidade tecnológica.

Porém, o ICP-ANACOM reconhece que um contexto, por um lado, de flexibilização do conceito de número geográfico de forma a permitir o nomadismo do utilizador conforme decorre da Posição Comum do ERG e, por outro lado, de equiparação na utilização do número geográfico versus o número móvel, pode trazer impactos importantes de natureza diversa que devem ser analisados.

Reconhece-se em qualquer caso que, subjacente à utilização de números geográficos e números móveis está a existência de um serviço telefónico acessível ao público, o qual, de acordo com o definido na alínea ee) do artigo 3.º da LCE, compreende a capacidade de originar e receber chamadas. Em cada uma dessas duas vertentes, a missão do número é diferente, convindo tratar em separado as chamadas de entrada e as chamadas de saída nos números geográficos e nos números móveis.

Notas
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1 Referido na definição da alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º da Directiva 2002/22/CE.
2 ''Número'' série de dígitos que indica um ponto de terminação de uma rede de comunicações electrónicas e que contém a informação necessária para encaminhar a chamada até esse ponto de terminação (LCE, artigo 3.º o).
3 ''PTR'' ponto físico em que é fornecido ao assinante acesso à rede pública de comunicações; no caso das redes que envolvem comutação ou encaminhamento, o ponto de terminação de rede é identificado através de um endereço de rede específico, que pode estar associado ao número ou nome de um assinante (LCE, artigo 3.º u).
4 ''Número geográfico'' número do plano nacional de numeração que contém alguns dígitos com significado geográfico, cuja função é encaminhar as chamadas para o local físico do ponto de terminação de rede (PTR) (LCE, artigo 3.º p).
5 The international public telecommunication numbering plan.
6 International Telecommunication Union - Telecommunication Standardization Sector.
7 Outros operadores submeteram posteriormente ao ICP-ANACOM o mesmo tipo de ofertas, que foram autorizadas nos mesmos termos.
8 Serviço de comunicações electrónicas notificado pela NOVIS em 7.12.2004https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=258277
9 1.239.463 números portados do serviço público telefónico em local fixo no final de Junho de 2010.
10 Oferta grossista de linha exclusiva para serviços de banda larga (''Naked DSL'') - consulta lançada a 9.4.2007https://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=239062.