Questão 10


/ Atualizado em 05.06.2002
10. Que implicações poderá ter a diversificação exponencial de oferta televisiva, propiciada pelo novo contexto tecnológico, na configuração e prestação do serviço público de televisão?

Sem particularizar o serviço público de televisão (SPT), um contributo recebido por parte de uma Associação de Cidadãos com Necessidades Especiais defende que, na futura regulação, deverá figurar a imposição aos operadores do cumprimento de determinados níveis de acessibilidade para os bens e serviços que oferecerem, bem como a adopção de medidas concretas tendentes a aumentar os padrões de acessibilidade.

No que concerne às Associações de Consumidores, quanto mais diversificada a oferta, maior a necessidade de um serviço público que atinja os seus objectivos institucionais.

A prestação do serviço público de televisão deve ser orientada de acordo com os princípios de acessibilidade, igualdade de acesso, transparência no financiamento, pluralidade, qualidade. O fomento do mercado não pode inviabilizar a existência de um serviço público de televisão, sendo necessário encontrar formas de discriminação positiva deste último. O SPT deve orientar-se por uma lógica diferente da dos restantes canais e, portanto, deve estar fora da lógica de mercado e das audiências para se estabelecer como alternativa de qualidade e credível. Os operadores privados deverão igualmente estar sujeitos a obrigações de serviço público e contribuir para o seu financiamento.

Os Cidadãos consideraram que, ao serviço público na era digital competirá um papel importante na criação de novos canais e serviços: possibilidade de reencontrar as missões que lhe estão em particular confiadas no domínio da educação, informação, nos canais com programação específica para as minorias e na formação em diversas vertentes. Entre os diversos factores críticos genéricos ao audiovisual e à decisão e aplicação de políticas que podem fazer perigar o processo da TDT, permanece a necessidade de um maior investimento público, orçamental, nos serviços públicos de radiodifusão e na sociedade das redes, de forma a sustentar a diversidade, acessibilidade e, no que respeita à televisão em particular, a programação de qualidade e a educativa.

A propósito da "especificidade própria da realidade sócio-cultural nacional", outro contributo considerou que seria decisivo ter ficado demonstrado que o cumprimento das obrigações de serviço universal e do serviço público pelos diversos operadores será melhor garantido pelo modelo de regulação que entende estar reflectido no documento de consulta pública.

Foi reconhecida por uma Entidade Institucional a co-existência de um serviço público e de um serviço comercial privado de televisão, bem como o papel e a importância do serviço do serviço público de televisão com regulamentação específica de interesse geral, baseada em valores comuns, tais como a liberdade de expressão, o pluralismo, a protecção dos direitos de autor, a promoção da diversidade cultural e linguística, a protecção dos menores e da dignidade humana. Em conformidade com o direito comunitário, caberá a cada Estado membro decidir se pretende estabelecer um sistema de serviço público, definir a sua missão exacta e decidir sobre as modalidades do seu funcionamento e respectivo financiamento. Considerou-se que a diversificação exponencial da oferta televisiva, propiciada pelo novo contexto tecnológico, poderá conduzir a uma eventual redefinição da missão exacta do serviço público, sem pôr em causa os objectivos de interesse geral aos quais está associado. Este facto irá ter implicações na questão do financiamento do serviço público de televisão, que deverá ser proporcional à missão que lhe for confiada.

Registaram-se quatro tendências relativamente distintas no conjunto das contribuições dos Operadores.

I. Um conjunto de operadores manifestou as suas dúvidas relativamente ao actual modelo de serviço público, preconizando a necessidade de debate alargado sobre a matéria, que deverá incidir sobre a definição do âmbito, objectivos e condições de financiamento. Trata-se de um debate que continua por realizar com a profundidade que o tema merece, justificado pela existência de canais nicho, de inúmeros canais em língua portuguesa e pelas fragilidades demonstradas pela empresa concessionária. A este respeito, um operador considerou urgente redefinir o que entende o Estado por serviço público de televisão, tanto mais que actualmente este se confunde com empresa pública de televisão. Importará garantir o equilíbrio económico do serviço público, por forma a prevenir situações semelhantes à que hoje atravessa a RTP. A cobertura do défice de exploração do serviço público constituirá um encargo do Estado, e deverá efectuar-se em moldes nunca relacionados com o sector das comunicações.

II. Uma segunda tendência aponta para o potencial enriquecimento da configuração e prestação do serviço público num ambiente de convergência. Registaram-se, contudo, divergências quanto ao papel e características que o serviço público deve assumir, bem quanto ao tipo de entidades incumbidas de o assegurar.

Afirmou-se que a diversificação da oferta televisiva, através da abertura do serviço de televisão à iniciativa privada e ao aumento de canais temáticos, veio certamente elevar os padrões de referência do serviço público de televisão e, em certa medida, concorrer com alguns daqueles que são os objectivos desse mesmo serviço. Tal deverá constituir um estímulo à concessionária do serviço público de televisão na sua missão de fornecer uma programação que vá ao encontro das necessidades dos vários segmentos do mercado com a qualidade e o rigor que lhe são exigidos.

Um operador salientou que, em termos de serviço público, a actividade de radiodifusão sonora não consta do documento de consulta pública, sendo o mesmo totalmente omisso quanto à sua prestação pela concessionária. A maior parte dos problemas que se colocam em termos de convergência e regulação respeitam igualmente à actividade de radiodifusão sonora, pública ou privada. Face à diversificação exponencial da oferta propiciada pelo novo contexto tecnológico, a preocupação do prestador do serviço público deve residir na reafirmação e reforço dos seus objectivos: independência, pluralismo, acessibilidade e pluralidade, posição em que é secundado por outro operador, segundo o qual é possível identificar, entre as preocupações do quadro tradicional do SPT a protecção da identidade cultural, a protecção de públicos vulneráveis, o pluralismo, a seriedade da informação e a qualidade e diversidade dos conteúdos, obedecendo à regra tripla educar, informar e divertir. A potencial diversificação da oferta não altera a indispensabilidade do serviço público de comunicação social, intensificando antes a sua necessidade. Mais do que nunca, a postura do radiodifusor de serviço público terá de reflectir a diversidade de correntes de opinião. Por outro lado, o serviço público tem de ser clarificado e a sua independência dos poderes político e económico melhorada; deve ser controlado por uma pluralidade de interesses e tem de ter suficiente autonomia financeira.

III. Uma perspectiva particular defende que o traço verdadeiramente distintivo do serviço público residirá na sua capacidade de chegar a mais públicos, cobrindo todo o território nacional e também as comunidades portuguesas no estrangeiro, com uma oferta de conteúdos de qualidade mínima assegurada, em condições acessíveis. Haverá que garantir uma oferta satisfatória de conteúdos de serviço público, mas não será necessário que ela constitua um exclusivo de determinadas empresas, podendo a mesmo ser assegurada pelas televisões generalistas, mediante contratos de produção com o Estado. Só deverá ser atribuída à estação de serviço público parte das missões de serviço público que as estações comerciais não estiverem dispostas a assumir com custos inferiores aos da primeira. Mais concretamente, defende-se, aqui, o princípio da subsidiaridade: só deverá ser levado a cabo pelo serviço público o que o mercado não oferecer por não se mostrar rentável. O surgimento da oportunidade de oferta de novos canais não deve implicar um acréscimo da oferta de canais de serviço público. Por outro lado, a oferta de serviço público deve ser um projecto alternativo não orientado primariamente para os valores de mercado mas para os valores sociais fundamentais e, por isso, deve ser completamente independente das receitas do mercado publicitário. Um outro operador manifestou igual concordância com a tese da proibição da publicidade nos canais estatais, uma vez que estes beneficiam das indemnizações compensatórias e outras prestações e benefícios do Estado. Prestada pelas operadoras públicas ou privadas, a oferta do serviço público deverá ser sempre sustentada pelo OGE e, portanto, deverá ser sempre efectuada em regime de sinal aberto. A protecção dos interesses dos públicos com necessidades especiais é uma verdadeira missão de serviço público, que importará considerar na previsão de novos canais de televisão ou de novos conteúdos disponíveis por plataformas de distribuição ou nas redes de comunicações electrónicas. O papel do regulador nesta vertente será o de incentivar fortemente, com todos os instrumentos ao seu dispor, nomeadamente fiscais, a oferta desses conteúdos ou o seu tratamento apropriado a esses públicos. Defende-se ainda, em nome da independência face ao poder político, que a tutela da operadora passe directamente para a entidade reguladora do sector ou para a AR.

IV. Um operador pronunciou-se no sentido de que a diversificação exponencial da oferta televisiva conduzirá, a curto ou médio prazo, a um muito provável esvaziamento do conceito de serviço público de televisão e a sua desnecessidade, pelo menos como justificação para a existência de uma empresa pública para o efeito.

Uma Universidade expressou o entendimento de que o SPT possui importância a vários níveis: enquanto elemento de defesa estratégica de diversos interesses próprios (exemplo da cidadania e da cultura); como elemento moderador e alternativo ao quadro do panorama privado e concorrencial de televisão; como elemento regulador e referenciador das actividades económicas ligadas ao espectro televisivo (como seja a actividade publicitária); como gerador de uma ética na actividade televisiva que crie diversos sistemas sustentados de auto-regulação. O contrato de concessão de SPT poderá funcionar como um "amortecedor" das assimetrias resultantes das migrações de conteúdos para os sistemas de "ofertas fechadas" e diversificação de conteúdos, sem forçosamente estar sujeito a uma óptica de concorrência comercial.

As Associações Profissionais e os Fabricantes não se manifestaram directa e objectivamente sobre esta questão.