3. Análise


3.1. Ao analisar o pedido da Vodafone importa antes de mais evidenciar que a empresa há muito que estava ciente da obrigação de transmitir/devolver o espectro em questão, bem como do respetivo prazo de efetivação. Senão, veja-se:

  • Por deliberação de 17 de outubro de 2011, a ANACOM aprovou o relatório do procedimento regulamentar a que foi submetido o Projeto de Regulamento do Leilão1, no qual se salientou desde logo que “tendo presente a preocupação manifestada pelas entidades que actualmente não são titulares de direitos de utilização de frequências na referida faixa, e atendendo igualmente às orientações transmitidas pela CE na sua posterior comunicação de 9.9.2011 supra referida ("the Commission services maintain their proposal to introduce 2x20 MHz cumulative caps for the 800MHz and 900MHz combined with appropriate mechanisms that increase flexibility"), é fixado um limite diferido de 2 x 20 MHz na titularidade de espectro, nas faixas dos 800 MHz e 900 MHz, que inclui os direitos de utilização de frequências já detidos nesta última faixa antes do leilão, bem como as medidas a adoptar pelos operadores abrangidos a fim de respeitar esse mesmo limite. Trata-se de limite que só será aplicado seis meses a partir de 30 de Junho de 2015. Pretende-se, assim, evitar que operadores que sejam titulares de direitos de utilização de frequências nas faixas dos 900 MHz, possam em conjunto vir a adquirir a totalidade dos direitos nas faixas dos 800 MHz e dos 900 MHz, garantindo que num prazo razoável parte do espectro seja transmitido a terceiros, ou devolvido à ANACOM, de forma a possibilitar que outras entidades possam entrar no mercado. Este objectivo é alcançado em concordância com a possibilidade dada aos operadores actualmente a operar no mercado, de utilizarem, de forma temporária, esse mesmo espectro radioeléctrico, nomeadamente no domínio da banda larga móvel, enquanto as frequências que venham a adquirir na faixa dos 800 MHz não tenham a sua utilização completa.

Esta Autoridade considerou então fundamental fixar limites à aquisição de espectro (spectrum caps) que prevenissem a possibilidade de açambarcamento, nomeadamente por entidades que já detinham direitos de utilização de frequências abaixo de 1 GHz, e que inviabilizassem a adoção de estratégias de fecho do mercado a novos entrantes. Adicionalmente, e para além das preocupações anteriores, entendeu-se ser essencial que fossem determinados limites à aquisição de espectro com vista a contribuir para que os novos entrantes pudessem ter acesso a faixas de frequências que fossem de importância estratégica para a sua atividade, nomeadamente permitindo-lhes uma adequada combinação de espectro com vista a assegurar soluções de capacidade/cobertura.

Com este limite à titularidade de espectro, a ANACOM pretendeu alcançar vários objetivos:

a) Evitar que os operadores que já detêm direitos de utilização de frequência nas faixas de 900 MHz possam, em conjunto, passar a deter a totalidade dos direitos de utilização nas faixas dos 800 MHz e dos 900 MHz;

b) Contribuir para aumentar a liquidez do mercado secundário de espectro radioelétrico, garantindo que, caso os operadores atuais obtenham espectro radioelétrico em quantidades muito significativas nas faixas dos 800 MHz e dos 900 MHz, em momento subsequente ao leilão haja nova oportunidade de entrada de outros operadores no mercado através deste tipo de espectro radioelétrico;

c) Permitir que os operadores atuais possam obter espectro radioelétrico adicional na faixa dos 900 MHz para fazerem face aos desafios no domínio da banda larga sem fios, em particular durante o período de tempo em que a faixa dos 800 MHz não esteja em condições de plena utilização, nomeadamente por via das restrições definidas no Anexo 1 ao Regulamento do leilão e das limitações tecnológicas inerentes à fase inicial da sua exploração.

As opções consagradas na versão final do Regulamento de Leilão inculcam também alterações significativas ao primeiro projeto de regulamento2, em consequência da celebração do MoU e das posições expressas pela Comissão Europeia quanto às medidas em causa (entre outras, os spectrum caps), transmitidas à ANACOM, no âmbito do acompanhamento da execução do MoU. Facto que foi salientado no preâmbulo do Regulamento do Leilão: “As disposições do regulamento que agora se aprova [onde se inclui a obrigatoriedade de transmissão/devolução de parte do espectro] visam também corresponder aos objetivos preconizados no MoU através do estabelecimento de obrigações razoáveis e proporcionais que constituem um equilíbrio entre a garantia de condições de entrada de novos operadores no mercado móvel e a manutenção da possibilidade de escolha na aquisição de espectro aos operadores incumbentes.

Neste relatório sobre o Projeto de Regulamento do Leilão, a ANACOM deixou também claro que usaria “(…) todos os meios ao seu dispor para que as obrigações que vierem a recair sobre as entidades que venham a adquirir espectro radioelétrico nas faixas dos 800 e 900 MHz sejam efetivamente cumpridas, na medida em que foram condição fundamental para o desenho do leilão e para a configuração das opções de todas as entidades que nele venha a participar.

  • Em 19 de outubro de 2011, foi publicado o Regulamento do Leilão, em cujo artigo 8.º se estabeleceram então limites à atribuição e titularidade de espectro, conforme enunciado no ponto 3.1. supra, incluindo o prazo de transmissão/devolução;
  • Por deliberação de 6 de janeiro de 2012, a ANACOM atribuiu à Vodafone, nas condições e termos fixados no Regulamento do Leilão, os direitos de utilização de frequências relativos aos onze lotes ganhos por esta empresa;
  • Em 9 de março de 2012 e depois das correspondentes audiência prévia e consulta pública, a ANACOM emitiu o título dos direitos de utilização de frequências atribuídos à Vodafone para serviços de comunicações eletrónicas terrestres (ICP-ANACOM n.º 03/2012), em cujo número 4 foi vertida a obrigação fixada no n.º 3 do artigo 8.º do Regulamento do Leilão;
  • Por deliberação 28 de agosto de 2014 e depois de ter submetido o respetivo projeto a audiência prévia, no âmbito da qual a Vodafone se pronunciou, a ANACOM aprovou, em cumprimento do artigo 39.º do Regulamento do Leilão, a decisão final relativa à avaliação do mercado das comunicações eletrónicas móveis com vista a apurar a existência de eventuais distorções de concorrência e a necessidade de adoção de medidas adequadas à sua eliminação3, no âmbito da qual salientou novamente que “a Vodafone terá de proceder à transmissão ou à devolução de espectro, após 30 de junho de 2015 e no prazo máximo de seis meses a contar desta data, atendendo a que, na sequência do Leilão Multifaixa e no conjunto das faixas de frequências dos 800 MHz e dos 900 MHz, se tornou titular de direitos de utilização de frequências sobre um total de 2 x 23 MHz, acima do acima referido limite de 2 x 20 MHz.

Relembre-se que nos termos da mencionada decisão, a ANACOM considerou que «Ainda que a Vodafone tenha vindo a adquirir espectro adicional na faixa dos 900 MHz, não tendo sido essa a opção dos outros operadores móveis, que não licitaram esse espectro, os benefícios que essa faixa possa representar em termos de eficiência produtiva, serão praticamente eliminados ou mesmo inexistentes quando se verifica que todos os operadores têm um pacote de frequências muito semelhante, nomeadamente a nível das restantes faixas de frequências. Acresce que há naturalmente uma racionalidade económica na decisão de não licitação do espectro relativo aos 900 MHz por parte dos outros operadores, que terão ponderado custos e benefícios dessa decisão, e terão concluído que não seria por não adquirirem esse espectro que seriam colocados em situação de desvantagem competitiva. Aliás, o facto de ter sobrado espectro nesta faixa de frequências constitui uma prova de que houve margem para outras decisões, que no entanto não foram adotadas. Adicionalmente, também é relevante neste contexto, o facto de a Vodafone ter de transmitir a outra entidade ou devolver ao ICP-ANACOM 2 x 3 MHz (nos 800/900 MHz) a partir de 30 de junho de 2015 e no prazo de 6 meses após essa data, pelo que qualquer vantagem que se pudesse alegar que a aquisição de espectro adicional nos 900 MHz lhe tivesse trazido seria eliminada a curto/médio prazo».

3.2. Desta resenha histórica resulta claro que a Vodafone:

(i) Conhecia os condicionalismos específicos da aquisição de espectro nas faixas dos 800 MHz e 900 MHz;

(ii) Mesmo tendo conhecimento dos condicionalismos não deixou, por esse motivo, de licitar esse espectro, o que significa que, na sua decisão de licitação, assumiu os custos da transmissão/devolução do espectro ora em causa;

(iii) Pelo menos, desde 6 de janeiro de 2012 (data da atribuição dos direitos de utilização de frequências relativos aos onze lotes que ganhou) que sabia (e não podia de forma alguma desconhecer) que estava obrigada a transmitir ou devolver à ANACOM 3 MHz na faixa dos 800/900 MHz até 30 de dezembro de 2015.

3.3. Adicionalmente, verifica-se, desde logo, que a empresa não refere em que data iniciou o estudo dos cenários de que agora dá conta à ANACOM, nem apresenta fundamentos de facto ou de direito, por só na data do seu requerimento (ou seja, 29 de setembro de 2015, a cerca de 3 meses do prazo final de transmissão/devolução do espectro) se ter deparado com a impossibilidade de reprogramar 4000 repetidores até ao termo do prazo fixado no Regulamento do Leilão e no seu DUF ICP-ANACOM n.º 03/2012 para transmitir/devolver o espectro ora em causa.

Os fundamentos invocados no requerimento em escrutínio também não demonstram que a Vodafone tenha sido surpreendida com um facto superveniente, imprevisível e intransponível que a tenha impedido e continue a impedir de assegurar o cumprimento atempado da obrigação de transmitir/devolver o espectro ora em causa até ao final do presente ano.

3.4. Do ponto de vista técnico e previamente à análise dos argumentos expendidos pela Vodafone, juntam-se duas figuras com as quais se pretende representar a atribuição do espectro dos 900 MHz, bem como o espectro preferencial de Portugal e Espanha, no âmbito do Acordo Bilateral. Assim:

Figura 1. Consignação do Espectro na faixa dos 900 MHz

Figura 1. Consignação do Espectro na faixa dos 900 MHz
(Clique na imagem para ver a figura numa nova janela)

Figura 2. Identificação dos canais preferenciais Espanhóis e Portuguese no espectro utilizado pela Vodafone

Figura 2. Identificação dos canais preferenciais Espanhóis e Portuguese no espectro utilizado pela Vodafone
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Analisando os argumentos apresentados pela Vodafone sobre a devolução dos 2 x 3 MHz de espectro na faixa dos 900 MHz, é de referir o seguinte:

  • Concede-se que a redução do número de canais disponíveis para 2/3 do total atualmente existente, possa levantar questões de resintonia e de auto-interferências, admitindo-se, por isso, a existência de situações pontuais de degradação da qualidade de serviço, que, todavia, poderiam ser solucionadas com um planeamento atempado desta operação.
  • Sobre a utilização de frequências junto à fronteira, não se entende em concreto que constrangimentos reais se depara; a Vodafone detém 16 canais preferenciais de Portugal e 31 canais preferenciais de Espanha. Assumindo-se que os 16 canais preferenciais de Portugal são utilizados nas estações junto à fronteira, e que os mesmos não serão suficientes para manter uma determinada qualidade de serviço naquelas zonas, admite-se que a Vodafone já esteja a usar estações cujos canais são preferenciais de Espanha. Neste contexto, não se percebe porque não referiu este operador os canais extra que detém nos 1800 MHz (37 canais preferenciais de Portugal, quando anteriormente detinha somente 17 canais preferenciais de Portugal), que poderão resolver eventuais constrangimentos junto à fronteira. Neste âmbito, não deixa de ser importante constatar que, de acordo com os registos que a ANACOM detém relativamente à localização das estações de base da VODAFONE na faixa dos 1800 MHz estas se encontram maioritariamente no litoral, de modo a efetuar reforço de capacidade GSM.

3.5. Quanto aos argumentos invocados pela Vodafone com o intuito de demonstrar que o licenciamento temporário de rede não envolverá qualquer distorção competitiva no mercado e terá benefícios de interesse público, importa antes de mais relevar, no âmbito da decisão relativa à “Avaliação do Mercado das Comunicações Eletrónicas Móveis ao abrigo do artigo 39.º do Regulamento do Leilão Multifaixa”, que a imposição do limite de 2 x 20 MHz nas faixas dos 800 MHz e dos 900 MHz constituiu um dos elementos, embora não o único, que contribuíram para a conclusão de que não se verificavam distorções concorrenciais que justificavam a intervenção do regulador ao abrigo dos artigos 20.º e 35.º da LCE.

Sobre os demais argumentos invocados pela Vodafone, releva-se o seguinte.

  • Quanto ao facto de referir que os operadores nunca tiveram a mesma quantidade de espectro (estando a referir-se às diferenças nos 900 MHz), embora efetivamente existam diferenças, estas não têm a representatividade do espectro que a Vodafone tem de devolver.

Nota-se ainda que na decisão referida no parágrafo anterior as eventuais vantagens competitivas associadas ao espectro não foram aferidas apenas pela sua quantidade e distribuição entre os vários operadores, mas naturalmente que o facto de os 3 operadores móveis terem quantidades de espectro muito semelhante foi um elemento determinante para essa conclusão. Em paralelo também foi determinante o facto de as maiores diferenças decorrerem das opções dos operadores pela aquisição de espectro adicional. E, neste contexto (contrariamente ao sugerido pela Vodafone), a transição de uma situação de igualdade em termos de espectro para uma situação em que existem diferenças porque alguns operadores tiveram opções comerciais distintas (situação que foi avaliada e que em relação ao espectro adicional detido pela Vodafone na faixa dos 900 MHz (e nos 2,6 GHz) se concluiu que “dado o contexto que lhe está associado, se entende que não lhe confere uma vantagem relevante face aos outros operadores”), é diferente da situação que a Vodafone criaria com o licenciamento temporário ora solicitado, o qual introduziria uma “desigualdade” na quantidade de espectro dado que a empresa manteria frequências que deviam ser devolvidas ao mercado.

Acresce que contrariamente ao sugerido pela Vodafone, a inexistência de vantagens competitivas “ilícitas” não é apenas garantida pela disponibilização uniforme e não discriminatória de espectro, mas também garantindo que as condições em que foi efetuada a disponibilização são respeitadas e não são distorcidas. E neste caso está precisamente em causa a alteração de uma condição essencial de atribuição do espectro - a sua devolução ou transmissão a terceiros até ao final do corrente ano;

  • Quanto ao facto de referir que está sujeita a obrigações mais exigentes por ter adquirido 2 x 5 MHz nos 900 MHz - obrigações de acesso à rede para MVNO - não se compreende tal afirmação. As condições de disponibilização do espectro no Leilão foram definidas de forma transparente, sendo desde logo do conhecimento da Vodafone (quer a obrigação de devolução do espectro adicional, quer as obrigações de acesso à rede), para além do facto de, após a devolução em causa, a empresa continuar a deter 2 x 10 MHz nos 900 MHz, quantidade mínima que tem associadas obrigações de acesso à rede.

3.6. Finalmente, a ANACOM não pode deixar de evidenciar que o resultado prático da concessão de uma licença temporária nestas circunstâncias é equivalente à prorrogação do prazo de libertação do espectro em causa.

Com efeito, não obstante a Vodafone declarar que irá devolver o espectro e que a licença temporária não envolve a utilização do mesmo, é inegável que, na prática, as frequências não estarão disponíveis para utilização de terceiros, o que contraria a essência da regra de transmissão/devolução do espectro estabelecida no Regulamento do Leilão e a condição a que a Vodafone está vinculada nos termos do seu DUF. E tal efeito - evitar que o espectro fosse usado por (e atribuído a) outras entidades - decorreria apenas e tão-só do facto de a empresa não ter implementado atempadamente as medidas necessárias para evitar interferências decorrentes do funcionamento dos seus repetidores.

Não se pode também deixar de referir que, por definição, a atribuição de uma licença radioelétrica se reconduz à permissão de utilização do espectro, o que significa que, ainda que a Vodafone declare que não pretende utilizar as frequências, ficaria legitimamente habilitada para o fazer.

3.7. Sem prejuízo e tal como se evidencia no Plano Plurianual de Atividades 2016-2018 recentemente publicado4, a que a própria Vodafone alude no seu requerimento por referência à consulta pública que o antecedeu, nota-se, nesta oportunidade, que a ANACOM pretende, para já, elaborar e adotar um plano estratégico nacional para a utilização do espectro radioelétrico que, levando em consideração o contexto internacional, estabeleça as orientações de médio e longo prazo para a utilização do espectro.

Também no âmbito do Plano Plurianual de Atividades 2016-2018 e considerando a análise das perspetivas de evolução da faixa UHF de radiodifusão, a ANACOM tem a intenção de, até ao final do ano de 2016, definir um quadro estratégico para a faixa dos 700 MHz e a sua implementação, bem como a elaboração de cenários quanto à futura utilização da faixa 470-694 MHz e respetiva implementação.

Pretende-se ainda adotar em 2016 um conjunto de decisões em matéria de designação e disponibilização do espectro para serviços de comunicações eletrónicas, estando previstas para o final do ano a adoção de uma decisão sobre a disponibilização do espectro designado para aplicações e acesso fixo via rádio (BWA) e a definição de um quadro de atuação relativamente ao espectro remanescente do Leilão Multifaixa e sua implementação.

Notas
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1 Acessível em: Download de ficheiro Relatório da consulta sobre o novo projecto de Regulamento do Leilão.
2 Projeto de Regulamento do Leilão para atribuição de direitos de utilização de frequências nas faixas dos 450, 800, 900 e 1800 MHz e 2,1 e 2,6 GHz, de 17 de março de 2011 (acessível em: Projecto de Regulamento do Leilão para atribuição de direitos de utilização de frequências nas faixas dos 450, 800, 900 e 1800 MHz e 2,1 e 2,6 GHzhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1076556).
3 Disponível em Leilão multifaixa - decisão relativa à avaliação do mercado das comunicações eletrónicas móveishttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1321752.
4 Disponível em Plano Plurianual de Atividades 2016-2018https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1369466.