10.3. Eventuais distorções concorrenciais com impacto noutras entidades


Não obstante se possa considerar que, no contexto da presente análise, os indicadores que melhor contribuem para aferir da existência de distorções concorrenciais são os analisados nos pontos anteriores, por determinarem de forma inequívoca a margem que os operadores têm para operar, com impacto direto na eficiência produtiva, e sem prejuízo de se ter concluído que o mercado não apresenta distorções decorrentes das atribuições de espectro ocorridas nos últimos anos, também é importante aferir da existência de eventuais distorções que afetem as entidades que já operavam no mesmo mercado mas sem direitos de utilização de espectro atribuídos.

Em relação às entidades que também estavam presentes no mercado, mas sem direitos de utilização de frequências - os MVNO CTT e ZON –, não há qualquer evidência que a atribuição de espectro adicional aos operadores de rede móvel, ou antes disso a introdução da possibilidade do refarming, tenha impactado a prestação dos seus serviços de forma negativa. Pelo contrário, pelo facto de os operadores de rede em que se suportam passarem a deter espectro adicional, tal poderá constituir uma vantagem para os MVNO e respetivos clientes, na medida em que o acréscimo de soluções mais diversificadas que suportam a rede permitirá também o seu crescimento, nomeadamente em termos de acesso de banda larga móvel à Internet.

Trata-se no entanto de um indicador que também é afetado por outros fatores relativos a opções comerciais e estratégicas dos próprios MVNO e eventuais características do mercado em questão, e que não depende exclusivamente dos operadores hospedeiros terem adquirido espectro adicional. Em todo o caso, não há qualquer evidência de que essa atribuição de espectro tenha prejudicado os MVNO.

Importa ainda referir, no contexto da aferição de distorções decorrentes da atribuição de espectro, que não há qualquer registo de que os clientes dos MVNO diferenciem o serviço por eles prestado, designadamente em termos de qualidade de serviço, face aos serviços equivalentes prestados pelos operadores de rede móvel. Tal decorre de normalmente existir a nível contratual uma garantia de tratamento igual do tráfego do MVNO e do operador de rede em que se suporta.

Para além do referido a respeito das entidades presentes no mercado, o Leilão Multifaixa também criou oportunidades para que outras entidades pudessem entrar no mercado, adquirindo direitos de utilização de frequências acima e abaixo de 1 GHz. A este respeito importa realçar que o Leilão Multifaixa foi concebido de forma a possibilitar a participação de todos os potenciais interessados, ao ter sido disponibilizado um conjunto de lotes em diversas faixas de frequências, dimensionados de forma a que cada empresa pudesse definir o pacote mais adequado aos seus interesses, atento o respetivo modelo de negócio.

Algumas das medidas introduzidas - entre as quais se destacam os limites impostos à aquisição de espectro (com um set aside específico para novos operadores na faixa dos 2,6 GHz), bem como o limite diferido aplicável em conjunto ao espectro nos 800 MHz e nos 900 MHz -, foram explicitamente adotadas1 com vista, nomeadamente a evitar que os operadores já presentes no mercado passassem a deter a totalidade dos direitos de utilização nessas faixas, evitando-se assim açambarcamentos incompatíveis com a necessidade de garantir a gestão eficiente do espectro, bem como estratégias conducentes ao fecho do mercado. Também foi objetivo do ICP-ANACOM contribuir para que numa fase posterior pudesse aumentar a liquidez do mercado secundário de espectro radioelétrico, para que em momento subsequente ao leilão houvesse nova oportunidade de entrada no mercado de novos operadores.

Ainda neste contexto, releva-se que também foi prevista a atribuição de um desconto na obtenção de direitos na faixa dos 900 MHz, com vista a nivelar as condições de concorrência entre eventuais novos operadores e os que já se encontravam no mercado, dado se ter reconhecido que estes últimos em princípio teriam uma valorização do espectro marginal acima do valor que os restantes operadores lhe atribuiriam, e por se ter considerado que a faixa em causa se apresentava como a que tinha maiores potencialidades para a implementação, a curto prazo, de ofertas de voz e dados com cobertura alargada, concorrentes das ofertas dos operadores de rede móvel que se encontravam em atividade.

Não obstante, só participaram no Leilão Multifaixa os operadores de rede móvel em atividade, e a ZON III - Comunicações Electrónicas, S.A. (ZON III), tendo a empresa voluntariamente executado uma submissão sem selecionar qualquer dos lotes em leilão, o que a impediu de participar nas rondas subsequentes.

Acresce que não foi atribuída a totalidade do espectro que foi disponibilizado no Leilão Multifaixa, conforme se pode verificar pela informação constante da Tabela 8, e que haverá ainda lugar à libertação de espectro (por transmissão ou devolução) por parte da Vodafone (no mínimo de 2 x 3 MHz na faixa dos 800 MHz ou dos 900 MHz) a partir de 30 de junho de 2015 e no prazo máximo de seis meses a contar desta data.

Tabela 8 - Espectro não atribuído no Leilão Multifaixa

Denominação da Faixa

Quantidade de espectro não atribuído

450 MHz

1 bloco de 2 x 1,25 MHz

900 MHz

1 bloco de 2 x 5 MHz

1800 MHz

3 blocos de 2 x 5 MHz

2,1 GHz

2 blocos de 5 MHz

2,6 GHz FDD

2 blocos de 2 x 5 MHz

2,6 GHz TDD

1 bloco de 25 MHz

Recorde-se também que ainda existe espectro remanescente do Leilão BWA, na faixa dos 3,4 - 3,8 GHz.

Neste contexto, é relevante relembrar que no período anterior ao Leilão Multifaixa, e ao longo de mais de 10 anos, os operadores móveis detiveram 2 x 8 MHz na faixa de frequências dos 900 MHz2 e 2 x 6 MHz zMHZna faixa de frequências dos 1800 MHz, em ambos os casos numa altura em que esse espectro só podia ser usado para o GSM, e 2 x 20 MHz na faixa de frequências dos 2,1 GHz (espectro emparelhado) e 5 MHz na faixa de frequências dos 2,1 GHz (espectro não emparelhado), que entretanto devolveram.

Assim, em face do exposto, entende-se que foram criadas as condições para permitir uma ampla participação no Leilão Multifaixa, mesmo por parte de entidades que até à data da sua realização não detinham direitos de utilização de frequências, ou apenas detinham em algumas faixas, podendo-se inferir que a quantidade de espectro disponibilizada no âmbito do leilão, não representou uma barreira à entrada no mercado de comunicações eletrónicas móveis para operadores que pretendiam desenvolver uma rede de acesso rádio própria, atentas as condições atrás referidas.

Adicionalmente, a quantidade de espectro continua a não constituir uma limitação importante, já que há espectro livre, pelo menos para nova operação comercial, ainda que eventualmente de menor dimensão das que já estão presentes no mercado.

Neste contexto, importa ainda referir que mesmo que o espectro tivesse sido todo atribuído, também foram criadas as condições para que quem não participasse pudesse vir a explorar uma operação comercial, embora suportada em modelos de negócio alternativos que não envolvem diretamente a necessidade de espectro, facilitando assim a entrada no mercado de novas entidades.

Assim, foram incluídas no Regulamento do Leilão Multifaixa disposições no sentido de introduzir obrigações de acesso à rede, para benefício de MVNO e de operadores apenas com espectro acima de 1 GHz.

As obrigações referidas foram impostas aos três operadores de rede móvel que participaram no Leilão Multifaixa, pela aquisição de direitos de utilização de frequências nos 800 MHz e 900 MHz.

Note-se que já anteriormente ao Leilão Multifaixa, no âmbito de outros procedimentos, tais como os relativos ao BWA (3,4 - 3,8 GHz) e aos 450 MHz, foram definidas condições que impediram os operadores de rede móvel então em atividade de participar nos referidos procedimentos de seleção; em resultado desses procedimentos a Zappwimax - Unipessoal, Lda. e a F300 - Fiber Communications, S.A. obtiveram espectro BWA.

Embora não tenham ainda surgido novas operações ao abrigo das obrigações impostas no Leilão Multifaixa, já que os MVNO (Lycamobile e Mundio) que surgiram mais recentemente negociaram esse acesso num momento anterior ao da conclusão do referido leilão, é ainda assim de realçar a imposição das referidas obrigações de acesso com vista a facilitar a entrada no mercado de novas entidades no quadro do referido procedimento de atribuição de frequências, atendendo a que o mercado retalhista móvel não é um mercado sujeito a regulação ex-ante.

Nota-se que qualquer intervenção no mercado móvel teria de ser justificada, proporcional, não discriminatória e transparente, e sobre esta questão já se concluiu não existir razões para essa intervenção. Como tal, teria de se ponderar se as vantagens das medidas a adotar superariam os seus custos. A medida mais imediata que, num contexto de eventuais distorções concorrenciais decorrentes da atribuição do espectro, se afiguraria adequada, seria a devolução de uma parte do espectro por alguns ou por todos os operadores que têm direitos de utilização de frequências. Contudo, tal opção teria necessariamente custos elevados para esses operadores, nomeadamente a nível do planeamento da rede, com potenciais impactos sobre os utilizadores finais, para além de ser uma medida que poderia criar uma situação de discriminação, sobretudo se fosse imposta apenas sobre um ou uma parte dos operadores.

Acresce que a libertação do espectro não teria necessariamente impacto no surgimento no mercado de novas entidades a prestar serviços com recurso a esse espectro. A este respeito recorda-se o já referido quanto ao espectro que sobrou no Leilão Multifaixa, para além da constatação do facto de a participação no leilão por entidades sem direitos de utilização de frequências ter sido praticamente inexistente. Adicionalmente, a juntar ao espectro que não foi atribuído no Leilão Multifaixa, a Vodafone deverá libertar 2 x 3 MHz nas faixas de frequências dos 800 MHz ou dos 900 MHz, pelo que potencialmente ficará disponível no mercado espectro adicional, sem que haja necessidade de obrigar à devolução, à transmissão ou à locação de espectro.

Assim, face ao exposto considera-se que a imposição de uma obrigação de libertação de espectro não só não é necessária nesta fase, como seria desproporcional e potencialmente discriminatória. Também não seria transparente, por não serem claros os objetivos subjacentes a essa decisão.

Face quanto precede, o ICP-ANACOM considera que o processo de refarming, bem como a atribuição de frequências no âmbito do Leilão Multifaixa, não contribuíram para criar ou potenciar eventuais distorções em relação a entidades já presentes no mercado das comunicações eletrónicas móveis, tendo ainda contribuído, através da fixação de obrigações de acesso à rede, para criar um quadro facilitador da entrada no mercado de novas entidades com modelos de negócio que não envolvem a necessidade de espectro.

 

Notas
nt_title
 
1 Vide artigo 8.º do Regulamento do Leilão Multifaixa.
2 A Optimus detém 2 x 7,8 MHz na faixa de frequências dos 900 MHz.