3. Análise quanto ao procedimento



3.1. Pedido de resolução administrativa de litígios

3.1.1. Artigo 10.º da LCE

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 10.º da LCE, a ANACOM tem competência para a pedido de qualquer das partes, resolver, através de decisão vinculativa “(…) quaisquer litígios relacionados com as obrigações decorrentes da presente lei, entre empresas a elas sujeitas, no território nacional (…)”.

O litígio em presença respeita ao diferente entendimento/interpretação das partes (MEO e Vodafone) quanto a condições fixadas numa Oferta de Referência regulada - neste caso a ORAP -, envolvendo procedimentos de instalação de drops de cliente. Atualmente, a obrigação de publicação da ORAP decorre da imposição de obrigações à MEO, enquanto empresa com poder de mercado significativo (PMS) no já referido Mercado 3a, ao abrigo dos artigos 66.º e 68.º da LCE, constituindo uma condição específica nos termos do artigo 28.º, alínea a) da mesma lei.

Por sua vez, estabelece o n.º 2 do artigo 10.º da LCE, que a intervenção da ANACOM “deve ser solicitada no prazo máximo de um ano a contar da data do início do litígio.”.

Junto ao pedido da Requerente, encontra-se o primeiro e-mail pelo qual a MEO alertou a Vodafone para o facto de não estarem a ser efetuados pedidos de drops de clientes, e que data de 07.08.2017. É com a comunicação da Vodafone de 16.11.2017 (carta, também junta ao pedido da MEO), que se confirma a existência do litígio sobre os procedimentos de instalação de drops de cliente no âmbito da ORAP.

Tendo o pedido de intervenção da MEO sido apresentado em 15.02.2018, considera-se que o mesmo se encontra dentro do prazo previsto na lei, uma vez que ainda não decorreu um ano desde que a Requerente, na sequência de várias comunicações que endereçou à Vodafone, tomou conhecimento da posição desta última em relação aos procedimentos associados à instalação de drops de clientes, e que estão na origem do presente litígio.

Nestes termos, com base nos elementos apresentados pela MEO, constata-se que a ANACOM é competente para a resolução do litígio em presença, não se verificando razões que justifiquem a recusa do presente pedido ao abrigo da norma do artigo 11.º da LCE.

3.1.2. Artigo 19.º, n.º 7 do DL 123/2009

Nos termos do n.º 7 do artigo 19.º (Remuneração do acesso às infraestruturas aptas) do DL 123/2009, em “(…) caso de litígio sobre as condições específicas aplicáveis, incluindo o preço e respetivas condições de pagamento, as partes podem recorrer à ANACOM, decorridos 30 dias sobre a data da receção do pedido de acesso, aplicando-se, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes, o regime de resolução de litígios previsto na Lei das Comunicações Eletrónicas (…)”.

Quanto à integração do pedido no regime previsto neste normativo, não se identificam indícios que legitimem a sua subsunção na disposição em referência. Com efeito, quer o pedido da MEO, incluindo a correspondência trocada com a Vodafone que lhe serve de suporte, quer as comunicações enviadas diretamente pela Vodafone à ANACOM, colocam o presente litígio no âmbito dos procedimentos e condições definidos pela Requerente na ORAP - Oferta de Referência regulada no contexto da LCE e da análise do Mercado 3a (regulação de operador com poder de mercado significativo ou regulação assimétrica).

Conforme referido, por um lado, a MEO alega que a Vodafone tem vindo a incumprir de forma grave e reiterada a ORAP por ter instalado diversos drops de cliente sem observar os procedimentos previstos para o efeito, sem efetuar o pagamento do preço mensal correspondente e sem proceder ao envio posterior do cadastro. Por outro lado, a Vodafone contesta a especificação do procedimento de comunicação para os pedidos de intervenção relativos a drops de clientes, estabelecido pela MEO em outubro de 2015, ainda que a Requerida o tenha cumprido - entre o final de 20151/início de 20162 e o início de agosto de 2017 - como, de resto, expressamente o reconhece na carta que enviou à MEO e que se encontra anexa ao pedido de intervenção remetido à ANACOM.

Trata-se, de um conflito que deve ser analisado no contexto da ORAP, Oferta Regulada pela ANACOM ao abrigo dos seus poderes de análise de mercados e de imposição de obrigações nos termos da LCE, sendo assim plenamente enquadrado nesta lei.

Acresce que, para sustentar a resolução do diferendo que a opõe à Vodafone ao abrigo dos poderes da ANACOM previstos no artigo 19.º, n.º 7 do DL 123/2009, a MEO apresenta os factos reconduzindo-os a um litígio sobre condições específicas de pagamento. Assim, o que se verifica no caso vertente não é tanto uma divergência das condições específicas aplicáveis à remuneração - incluindo o preço -, mas antes uma alegada falta de cumprimento das condições estabelecidas numa Oferta de Referência regulada e em vigor decorrente de uma diferente interpretação quanto à aplicabilidade das condições da ORAP.

Trata-se, portanto, mais uma vez, de uma análise que deve ser feita à luz do que estipula a ORAP e, consequentemente, no quadro do artigo 10.º da LCE, diploma cuja prevalência, face ao regime fixado no DL 123/2009, de resto, este último determina (vide n.º 2 do artigo 1.º).

E também não resulta dos elementos carreados para o processo que a Vodafone tenha remetido à MEO qualquer pedido de acesso (neste caso, aos postes desta entidade), nos termos requisitados pelo n.º 7 do artigo 19.º do DL 123/2009. Antes pelo contrário, no pedido de intervenção que dirige à ANACOM, a MEO refere expressamente que está “(…) impedida de controlar a utilização da sua infraestrutura e de faturar a Vodafone pelas fixações instaladas nos postes de suporte aos drops, desconhecendo a MEO a real dimensão das ocupações indevidas efetuadas pela Vodafone até à presente data, pois apenas esta saberá quando e onde procedeu a essas ocupações em incumprimento da ORAP.”3.

Logo, o litígio que opõe a MEO à Vodafone não se integra no regime de regulação simétrica definido pelo DL 123/2009, uma vez que decorre de um conflito quanto à aplicação de condições específicas inseridas numa Oferta de Referência imposta e regulada pela ANACOM ao abrigo e em cumprimento da LCE.

Neste contexto, importa concluir que em causa não está um diferendo passível de ser analisado no quadro do n.º 7 do artigo 19.º do DL 123/2009, mas sim um diferendo relacionado com a alegada falta de cumprimento de condições fixadas numa Oferta de Referência regulada, que deve ser objeto de apreciação - conforme exposto supra - nos termos do artigo 10.º da LCE. Entendimento este, de resto, em linha com a exposição da MEO, que começa por integrar o pedido de intervenção no âmbito da ORAP e do artigo 10.º da LCE.

3.2. Pedido de determinação (com efeitos imediatos)

A par do pedido de resolução do litígio, a MEO requer igualmente junto da ANACOM:

a- uma intervenção urgente, nos termos dos artigos 63.º e 64.º da LCE, tendo em conta a violação manifesta da ORAP (e do DL 123/2009); e

b- um pedido de «determinação», imediata, de forma a acautelar o período temporal até que o litígio em apreço venha a ser dirimido de forma definitiva, neste caso não integrando especificamente o pedido em qualquer disposição legal.

A respeito do disposto nos artigos 63.º e 64.º da LCE invocados pela MEO para efeitos de uma intervenção urgente a adotar pela ANACOM em matéria de acesso4 (e interligação), assinala-se que a alínea b) do n.º 2 do artigo 63.º remete para o artigo 10.º, também da LCE, referente à resolução administrativa de litígios, da competência da ANACOM, quando haja falta de acordo entre as empresas, a pedido de qualquer das partes envolvidas, a fim de garantir os objetos de regulação previstos no artigo 5.º da mesma Lei.

Neste sentido, a ANACOM é do entendimento que o pedido de determinação com efeitos imediatos apresentado, deve ser analisado no quadro das possibilidades de intervenção urgente em sentido estrito, nos termos da legislação sectorial e geral, o que se faz nos termos que se seguem.

Medidas urgentes (artigo 9.º da LCE)

A adoção de uma medida de caráter imediato, proporcionado e provisório por parte da ANACOM, contemplada no artigo 9.º da LCE, é admissível, em circunstâncias excecionais, se estiver em causa a necessidade de uma atuação urgente para salvaguarda da concorrência e dos interesses dos utilizadores, tendo esta que ser devidamente fundamentada. Entende-se não serem estes, em primeira linha, os interesses em presença, considerando, aliás, que a MEO invoca expressamente motivos de integridade e segurança dos serviços prestados na infraestrutura apta em causa.

Medidas provisórias (artigo 111.º da LCE)

A aplicação do artigo 111.º da LCE - que contempla (também) a possibilidade de serem determinadas medidas provisórias por parte da ANACOM - implica a existência de provas de incumprimento, no que ora importa, das condições específicas referidas na alínea a) do artigo 28.º da mesma lei, em matéria de acesso e interligação, impostas a empresas com PMS, no caso a MEO, o que, como resultará mais à frente das conclusões da análise do presente litígio, não se afigura ser o caso.

Medidas provisórias (artigo 89.º do CPA)

O disposto no artigo 89.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), prevê um regime, geral, de «medidas provisórias», através da adoção do respetivo ato administrativo, o qual não carece de audiência prévia do interessado (novo n.º 2 do artigo 89.º), e que se justificará apenas em face da urgência subjacente à sua adoção.

Os pressupostos substanciais para a adoção de uma medida desta natureza são os seguintes:

i. Desde logo, a respetiva «necessidade», pois que só são admissíveis as medidas que se mostrem necessárias de acordo com o n.º 1 do referido preceito legal, e que implica a adequação objetiva da medida ao fim proposto que é o da salvaguardada da plenitude dos efeitos do ato a praticar a final;

ii. A «existência de justo receio» de, sem as mesmas, se constituir uma «situação de facto consumado ou prejuízos de difícil reparação para os interesses públicos ou privados» em presença, envolvidos no procedimento (e não outros): o denominado periculum in mora; e,

iii. A «ponderação» entre os referidos interesses públicos e privados em presença, em termos tais que os danos resultantes da medida não sejam superiores aos que se pretendam evitar com a respetiva adoção, de acordo também com o n.º 1 do artigo 89.º do CPA (a denominada proporcionalidade stricto sensu).

Tudo ponderado, não se afigura também ser este o caso. Vejamos.

Admite-se a existência do pressuposto da necessidade no sentido de que a medida proposta se mostra idónea a alcançar o fim previsto pela MEO.

Acresce que, feito um juízo de probabilidade sobre da evolução da situação fáctica (i.e., “juízo de prognose acerca das perspetivas futuras da evolução da situação concreta5), atenta a exposição da MEO, pode observar-se que existem prejuízos (económicos) contabilizados e demonstrados para esta operadora. No entanto, esta Autoridade tem dúvidas que, sem a adoção da medida provisória ora requerida, possa vir a existir uma situação de facto consumado ou de difícil reparação caso a Vodafone, efetivamente, não cesse de imediato a sua prática atual. Com efeito, parece plausível que a situação é suscetível de reparação mediante pagamento ou acerto de contas e a adequada atualização do cadastro por parte da aqui Requerida.

A respeito da salvaguarda da segurança e integridade dos serviços suportados pela infraestrutura apta (postes) da MEO, decorrentes da instalação de drops de cliente pela Vodafone, entende-se que a instalação do drop de cliente não envolve um cabo de fibra ou coaxial equiparável ao utilizado na construção da rede de acesso. Nestas situações, é utilizado um cabo com um diâmetro e calibre muito inferior ao que é utilizado na construção da rede, por exemplo, comparável com um simples cabo Ethernet. Em consequência, a tensão que o poste sofre pela existência deste cabo é menosprezável não se colocando, à partida, questões de ordem da estabilidade física do poste.

Assim, em termos técnicos, entende-se que os drops de cliente, pelas suas características específicas, não constituem risco significativo na estabilidade física dos postes pelo tipo de ligação e cabos utilizados nesta operação. Acresce que, desde a entrada em vigor da ORAP (em dezembro de 2010), se desconhece qualquer situação relacionada com a queda de algum poste da MEO resultante da instalação de um drop de cliente por parte das Beneficiárias da Oferta.

Ademais, conforme previsto no número 4.2 da ORAP (versão 3.1), “A instalação de cabos de cliente (“drop” de cliente) estabelecidos entre o edifício de cliente e um PL do tipo TAP, PDO ou CD/PD, instalado num poste da MEO, não carece de análise de viabilidade prévia (…)”. Com este serviço de análise de viabilidade, a MEO avalia a existência de condições para o acesso e instalação de cabos e equipamentos da Beneficiária em postes e infraestrutura associada. Não havendo necessidade de análise de viabilidade prévia no caso da instalação de drops de cliente, admite-se que, nestes casos haverá, à partida condições, incluindo de segurança, para o acesso e instalação de drop de cliente pelas Beneficiárias da Oferta, sem prejuízo de uma eventual análise no terreno por parte dos técnicos da MEO que, querendo, acompanham a instalação do drop em causa.

Por último, quanto à proporcionalidade stricto sensu, feito um juízo de ponderação que comporta elementos de prognose das consequências futuras em termos semelhantes ao que se deve fazer perante um pedido de natureza cautelar, considera-se que este pressuposto não se encontra preenchido.

Ou seja, feita a ponderação entre os danos que podem ocorrer agora com a adoção da medida provisória, tanto para os interesses públicos, como para os concretos interesses de privados normativamente protegidos - aqui para a Vodafone - e os danos que podem verificar-se para outros concretos interesses públicos e/ou privados normativamente protegidos se não for adotada a medida neste momento - a MEO alega que está em causa a integridade e segurança dos serviços suportados na infraestrutura apta (postes) - não é possível concluir necessariamente que os danos resultantes da adoção de uma medida provisória sejam de intensidade igual ou inferior aos danos que se verificarão se esta não for adotada (nomeadamente a defesa de posições jurídicas dos diferentes intervenientes que possam ser abrangidos pela medida, relativamente aos quais, aliás, a MEO nada refere).

Poderia ser diferente se dos acessos e das instalações (indevidos) dos postes - dos quais a MEO não tem conhecimento - resultasse uma sobrecarga dos mesmos (com perigosidade para as próprias populações), mas, conforme explanado acima, do ponto de vista técnico, tal não se verifica.

De notar ainda, neste contexto, que, segundo o disposto no artigo 89.º do CPA, a expressão “pode o órgão (…) ordenar as medidas provisórias”, refere-se a uma prerrogativa, indicando a presença de discricionariedade da ação, pelo que a Administração mesmo que se verificassem todos os acima referidos pressupostos de facto da previsão da norma - que como se explanou, não se verificam - tem a liberdade de adotar, ou não, uma certa medida provisória.

Notas
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1 Segundo a MEO.
2 Segundo a Vodafone.
3 Da comunicação da Vodafone datada de 16.11.2017 e anexa ao pedido de intervenção da MEO, decorre que a Vodafone terá dirigido à MEO pedidos de instalação de travessas que esta recusou invocando que a Vodafone não apresentou um pedido para a instalação dos drops de cliente.
4 De notar que ao abrigo do disposto no artigo 3.º da LCE, “Acesso”, abrange o “acesso a infra-estruturas físicas, incluindo edifícios, condutas e postes;”.
5 Conforme Sandra Lopes Luís, in “Comentários ao novo Código do Procedimento Administrativo”, AAFDL Editora, Vol. I, 2016, 3.º edição (página 745).