4. Apreciação dos pedidos de suspensão


A ANACOM tem reiterado, em diversas ocasiões, a importância que as ofertas grossistas reguladas da MEO, designadamente a ORAC e a ORAP, têm assumido no âmbito da regulação de mercados na medida em que constituem instrumentos fundamentais na promoção de uma concorrência sustentada nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas e, em especial, na promoção do investimento em redes de alta velocidade (RAV) por parte dos operadores alternativos.

Em particular, na Decisão a ANACOM reconheceu o papel fundamental destas ofertas grossistas para efeitos da promoção do investimento eficiente em infraestruturas de rede alternativas, nomeadamente em RAV, contribuindo igualmente para um compromisso de longo prazo na oferta de serviços de comunicações eletrónicas por parte dos operadores que beneficiam do acesso a essas ofertas.

Refira-se, a este respeito, que a manutenção da obrigação de acesso às condutas e aos postes da MEO, e o reforço daquelas obrigações através da imposição de EdI, concorreram para a conclusão de que não seria adequado, necessário e proporcional impor uma obrigação de acesso à fibra ótica da MEO nas áreas não competitivas (NC)1. A relevância das referidas ofertas, e da aproximação das mesmas à EdI, no âmbito da regulação dos mercados 3a e 3b, é inquestionável.

A ANACOM realçou, na Decisão, que ao nível dos procedimentos e processos concernentes às ofertas de referência (e.g. ORAC e ORAP) se têm verificado problemas que impedem o adequado funcionamento das mesmas, e que têm determinado intervenções por parte da ANACOM. Neste sentido, a ANACOM determinou, na referida Decisão, um conjunto de melhorias a introduzir, pela MEO, na ORAC e na ORAP.

A este respeito refira-se que no relatório de audiência prévia e da consulta pública ao SPD da ANACOM de 11 de fevereiro de 2016 (relativo à análise dos mercados 3a e 3b), esta autoridade apresentou o seu entendimento preliminar quanto:

  • ao processo de instalação previsto na ORAC (considerando ser adequada a notificação da instalação, por parte da Beneficiária, à MEO, com uma antecedência máxima de três dias úteis);
  • ao processo de instalação de drops de cliente previsto na ORAP, considerando, designadamente, que “no caso muito específico da instalação de drops de cliente que envolvam unicamente um poste da MEO (que ocorre na maior parte das instalações) [… basta] a beneficiária da ORAP enviar uma notificação com um período de antecedência muito curto – e.g., uma hora linear, à semelhança das intervenções em condutas e postes – para que a MEO, querendo (e podendo) acompanhe a referida instalação”.
  • à introdução de penalidades na ORAC e na ORAP, concordando, em geral, com uma maior responsabilização das Beneficiárias associada à maior flexibilização dada à sua atuação (nomeadamente num contexto de EdI), havendo, no entanto, a necessidade de avaliar o montante das penalidades, tendo em conta nomeadamente a gravidade do incumprimento em questão2 e a sua proporcionalidade. Referiu-se ainda que todos os prazos constantes da ORAC e da ORAP deveriam ter associadas compensações por incumprimento, como o prazo de resposta, pela MEO, a pedido de acesso e instalação na ORAP.

Da análise preliminar às alterações efetuadas pela MEO à ORAC e à ORAP, e sem prejuízo da análise em curso, verificou-se que aquela empresa não seguiu as recomendações da ANACOM de forma integral, tendo inclusivamente definido e introduzido nas ofertas um conjunto de penalidades a aplicar às Beneficiárias substancialmente mais alargado do que aquele que havia sido proposto, pela empresa, em sede da referida audiência prévia, conjunto este manifestamente superior ao conjunto de penalidades a que a própria MEO estaria sujeita. Também não foi feita uma avaliação do montante das penalidades no âmbito da qual fosse ponderada, designadamente, a gravidade do incumprimento e o respeito pelo princípio da proporcionalidade. A MEO também não apresentou fundamentação quanto aos valores associados às referidas penalidades.

Considera a ANACOM que, neste caso particular, e atento o facto de a MEO não ter seguido, de forma integral, as recomendações da ANACOM, a empresa deveria, previamente à entrada em vigor das referida alterações, ter informado a ANACOM das penalidades incluídas na ORAC e na ORAP, fornecendo fundamentação e documentação que sustentasse a necessidade e proporcionalidade das penalidades em causa e os valores definidos para as mesmas, designadamente informação sobre o número de incumprimentos incorridos pelas Beneficiárias face ao disposto na ORAC e na ORAP, efetivamente verificados e comprovados pela MEO, e as situações que a MEO pretenderia acautelar com a definição das referidas penalidades.

Assinala-se, uma vez mais, que na Decisão se condicionou a introdução de penalidades na ORAC e na ORAP, por incumprimento pelas Beneficiárias das condições estabelecidas naquelas ofertas, (i) a uma maior flexibilização dada à sua atuação (nomeadamente num contexto de EdI), o que se entende não ter sido o caso, pelo menos de forma integral, e (ii) à avaliação do montante das penalidades, tendo em conta nomeadamente a gravidade do incumprimento e a sua proporcionalidade, avaliação que ainda não ocorreu.

Note-se que a alteração que aparentemente garante uma maior flexibilidade às Beneficiárias relaciona-se unicamente com a redução do prazo para intervenção (na ORAC e na ORAP) e com a eliminação da necessidade de a Beneficiária proceder ao respetivo agendamento. No entanto, tendo em conta os indicadores de qualidade de serviço da ORAC relativos a 2016 remetidos pela MEO, os acompanhamentos associados a pedidos de intervenção apenas representavam cerca de 7% da totalidade dos acompanhamentos (sendo os restantes relativos a instalações). Ou seja, esta alteração da MEO terá, à partida, um impacto relativamente reduzido.

Tendo em conta as dúvidas decorrentes das alterações efetuadas pela MEO às ofertas, a ANACOM solicitou àquela empresa, através de fax de 31 de maio de 2017, que fundamentasse detalhadamente todas as penalidades por incumprimento (e os respetivos valores) às quais as Beneficiárias estariam sujeitas e que haviam sido introduzidas na ORAC e na ORAP, e o envio de cópia dos contratos celebrados entre a MEO e empresas subcontratadas no âmbito de trabalhos referentes ao acesso e utilização das suas condutas e postes (tendo em vista aferir que penalidades e outras condições a MEO impõe às empresas que contrata para instalação dos seus próprios cabos nas suas próprias condutas e postes).

Nesse mesmo fax, além de solicitar outros esclarecimentos sobre as ofertas, a ANACOM questionou a MEO, designadamente, sobre o período temporal internamente praticado entre a data/hora de receção de um pedido e a data/hora de início dos trabalhos de instalação de drop de cliente.

A pedido da MEO, o prazo para resposta ao referido fax, que tinha sido inicialmente definido em 10 dias úteis, foi prorrogado até ao final de junho.

Neste contexto, é notório que previamente ao conhecimento dos comentários das Beneficiárias e dos pedidos de intervenção urgente requerendo a suspensão da entrada em vigor das novas versões da ORAC e da ORAP, já a ANACOM havia suscitado dúvidas sobre as múltiplas alterações introduzidas pela MEO às referidas ofertas, alterações estas que não seguiam, de forma integral, as recomendações da ANACOM.

Assinala-se ainda que, conforme previsto no plano plurianual da ANACOM para 2017-2019, esta Autoridade se encontra presentemente a desenvolver a análise da ORAC e da ORAP, sendo que os comentários e propostas dos operadores, incluindo os remetidos em sede de audiência prévia no âmbito da análise dos mercados 3a e 3b, e as alterações entretanto introduzidas pela MEO, estão a ser devidamente ponderados.

Conforme atrás referido, sem prejuízo da análise em curso, da avaliação preliminar das alterações introduzidas pela MEO às ofertas concluiu-se que aquela empresa não seguiu as recomendações da ANACOM de forma integral, nomeadamente no sentido de aproximar as ofertas ao princípio de EdI. Reitera-se que a projetada melhoria das condições da ORAC e da ORAP, designadamente através da aproximação das mesmas ao regime de EdI, constituiu um contributo relevante para a conclusão de que não seria adequado, necessário e proporcional in casu impor uma obrigação de acesso à rede de fibra ótica da MEO nas áreas NC.

Acresce que o facto de os principais utilizadores das ofertas em causa terem solicitado a suspensão das alterações efetuadas pela MEO é, a par das constatações da ANACOM decorrentes da análise preliminar e expostas no presente documento, demonstrativo de que as mesmas resultam, no seu cômputo geral, na aplicação de condições mais gravosas para as Beneficiárias, situação esta que é contrária ao intuito subjacente à Decisão da ANACOM – a melhoria das condições constantes das referidas ofertas. Essas condições resultam, por exemplo, evidentes no facto de a MEO não ter conferido uma maior flexibilidade às Beneficiárias, conforme recomendação da ANACOM, e ter introduzido, de forma não fundamentada, um conjunto muito alargado de penalidades, com montantes significativos, além de ter alterado a prática que era seguida em relação à instalação de drop de cliente na ORAP.

Atenta a análise em curso da ORAC e da ORAP e o facto de haver fortes indícios de que as alterações introduzidas pela MEO às referidas ofertas, em 16 e 30 de maio de 2017, terão um caráter globalmente desfavorável, contrariando a intenção expressa pela ANACOM na Decisão, e por isso suscetíveis de ser modificadas por decisão da ANACOM, as alterações em causa terão, à partida, um caráter temporário. Neste sentido, a manutenção das versões das ofertas que integram as alterações introduzidas pela MEO criará uma incerteza indesejável e prejudicial ao bom funcionamento do mercado.

As referidas alterações levarão, expectavelmente, a uma degradação das condições de investimento e de concorrência, com prejuízo para os utilizadores finais, que urge resolver, ainda que de forma provisória.

Note-se que a ANACOM pode, à luz do n.º 3 do artigo 68.º da LCE, introduzir alterações às ofertas de referência publicitadas, a qualquer tempo e se necessário com efeito retroativo, por forma a tornar efetivas as obrigações impostas em conformidade com o artigo 66.º da LCE. A suspensão da entrada em vigor das alterações às ofertas, e a manutenção das condições previstas nas versões que estavam em vigor até 15 de junho de 2017 (inclusive) assegurará o respeito pelo princípio da boa administração ao obviar a que entrem em vigor medidas que poderão ser posteriormente alteradas com efeitos retroativos por decisão a adotar pela ANACOM no âmbito das suas competências de revisão das ofertas em causa.

Sobre o carácter temporário que as alterações introduzidas pela MEO previsivelmente terão, é de realçar que os operadores poderão ter de definir processos, nomeadamente no que toca à instalação do drop de cliente no âmbito da ORAP, que também serão, à partida, temporários, o que gera incerteza e ineficiência.

Por fim, a própria MEO referiu que, para operacionalizar algumas das alterações introduzidas nas ofertas, seriam utilizados procedimentos de contingência suportados nos sistemas existentes, tendo mesmo admitido que alguns procedimentos poderiam sofrer ajustes futuros em função da experiência prática operacional adquirida e também das respostas das Beneficiárias às alterações que introduziu. Consequentemente, considera esta Autoridade que uma suspensão das novas versões das ofertas não teria um impacto significativo na própria MEO, face aos status quo, até porque os principais utilizadores destas ofertas estarão a utilizar os processos/formulários “antigos”.

Neste contexto, entende-se que se justifica a suspensão de todas as alterações efetuadas pela MEO na ORAC e na ORAP a 16 e a 30 de maio de 2017, até que a ANACOM finalize a análise àquelas ofertas.

A suspensão da totalidade das alterações efetuadas pela MEO às ofertas justifica-se pela indissociabilidade dos vários aspectos alterados e pelo facto de as versões anteriores da oferta serem conhecidas, de forma aprofundada, por todos os intervenientes, tendo existido procedimentos estabilizados baseados nessas mesmas versões. A suspensão de apenas algumas alterações efetuadas pela MEO obrigaria, no limite, à publicação pela MEO de novas versões das ofertas, com maior complexidade e incerteza para todas as partes envolvidas.

Notas
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1 Referiu a ANACOM, por exemplo, que ''a proposta de impor a obrigação de EdI à oferta de acesso a condutas e postes da MEO, por exemplo, concorre para (e está intimamente relacionada com) a avaliação da falta de proporcionalidade de uma eventual imposição de obrigação de acesso à rede de fibra ótica da MEO, nas áreas NC''.
2 Por exemplo, a ausência, no local, de cartão de credenciação ORAC e ORAP (desde que o técnico em causa tenha essa credenciação) não será tão grave como danos na rede da MEO.