II. Análise


a. Legitimidade

A DST é uma sociedade comercial que exerce a atividade de oferta de redes ou serviços de comunicações eletrónicas acessíveis ao público nos termos previstos na LCE - é uma «empresa de comunicações eletrónicas» para efeitos do disposto no DL 123/2009 [artigo 3.º, n.º 1, alínea f) do decreto-lei identificado].

A AMTQT é uma associação de fins específicos, que manteve a natureza de pessoa coletiva de direito público ao abrigo da Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto (Regime jurídico do associativismo municipal1), cujo funcionamento obedece ao disposto na Lei identificada e nos respetivos Estatutos2. Nos termos da Lei n.º 45/2008 [artigo 37.º, n.º 1, d), aplicável ex vi 38.º, n.º 5], as associações de municípios de fins específicos estão sujeitas ao regime jurídico da tutela administrativa, previsto na Lei n.º 27/96, de 1 de agosto3.

Como associação de municípios e pessoa coletiva de direito público sujeita a tutela administrativa, a AMTQT está abrangida pela alínea b) do artigo 2.º do DL 123/2009 e, por isso, na exploração das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas que detenha ou cuja gestão lhe incumba está sujeita às obrigações de acesso consagradas no Capítulo III daquele diploma nos termos do que prevê o n.º 1 do seu artigo 13.º. 

Perante a existência de um diferendo relacionado com o valor da remuneração solicitada pelo acesso e utilização das infraestruturas detidas pela AMTQT, a DST pode solicitar à ANACOM que avalie e decida sobre a adequação do valor da remuneração solicitada nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 19.º do DL 123/2009, decisão que será vinculativa para ambas as partes.

b. Objeto do diferendo

A DST termina o requerimento que apresentou a 16.09.2014, solicitando que a ANACOM determine (…) que o acesso concedido pela Associação à DST seja efetuado nas seguintes condições:

(i) Pagamento do remanescente do preço contratual ([IIC] [FIC] euros) em prestações anuais, que se vencerão no dia 1 de janeiro de cada ano civil;

Ou caso assim não se entenda, sem conceder

(ii) Pagamento do remanescente do preço contratual ([IIC] [FIC] euros) com a conclusão da instalação da fibra ótica por parte da DST, mediante apresentação, nesta data, de garantia bancária on first demand por parte da AMTQT, correspondente a 20 por cento do preço contratual total relativo aos primeiros 10 anos do período contratual.

E, cumulativamente,

(iii) Não prestação de qualquer garantia bancária por parte da DST.

O DL 123/2009 não confere à ANACOM competência para fixar disposições concretas que devem ser incluídas nos contratos que regem o acesso e a utilização das infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas.

De acordo com os poderes que lhe são conferidos para a resolução de litígios no âmbito do capítulo III do DL 123/2009, a ANACOM tem competência para decidir sobre a admissibilidade da recusa de acesso a infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas (artigo 16.º) e sobre a adequação da remuneração solicitada pela utilização das mesmas, avaliando se esta cumpre, ou não, a regra de orientação dos preços para os custos fixada no artigo 19.º.

O n.º 3 do artigo 19.º do DL 123/2009 prevê ainda que, «…a pedido das empresas de comunicações eletrónicas, ou de qualquer das entidades referidas no artigo 2.º, o ICP-ANACOM deve avaliar e decidir, num caso concreto, sobre a adequação do valor da remuneração solicitada face à regra estabelecida no n.º 14…». O n.º 1 do artigo 19.º estabelece que a «…remuneração pelo acesso e utilização das infra-estruturas detidas pelas entidades referidas no artigo 2.º deve ser orientada para os custos, atendendo aos custos decorrentes da construção, manutenção, reparação e melhoramento das infraestruturas em questão».

Nesta sede importa ainda ter presente que o Decreto-Lei n.º 123/2009 contém, na alínea t) do n.º 1 do seu artigo 3.º, uma definição de remuneração do acesso - o valor a pagar pelas empresas de comunicações eletrónicas acessíveis ao público pela utilização das infraestruturas instaladas aptas para o alojamento de redes de comunicações eletrónicas, para efeitos de instalação, alojamento, reparação e remoção de cabos.

O incumprimento de decisões que no exercício das competências acima indicadas a ANACOM venha a proferir constitui contraordenação, conforme decorre das alíneas f) e h) do nº 1 do artigo 89.º do DL 123/2009.

Dado o enquadramento acima exposto importa delimitar a matéria que será objeto de análise e decisão.

Assim, tendo presente que a AMTQT deferiu, prontamente, o pedido de acesso por parte da DST à infraestrutura apta ao alojamento da fibra ótica, a intervenção da ANACOM no âmbito do presente diferendo deverá pois incidir sobre a adequação da remuneração fixada face à regra de orientação dos preços para os custos fixada no n.º 1 do artigo 19.º do DL 123/2009.

c. Apreciação da adequação da remuneração face à regra da orientação dos preços para os custos

A DST considera no requerimento inicial que as condições de pagamento exigidas pela AMTQT são incompatíveis e ilegais à luz do princípio da orientação dos preços para os custos, fundamentando esta afirmação com os seguintes argumentos:

- O contrato a celebrar entre a AMTQT e a DST é um contrato de locação de condutas e outros elementos de rede. A exigência de pagamento da totalidade do preço contratual relativo ao período de 20 anos no primeiro ano do contrato é «…totalmente desequilibrada atendendo à figura do contrato de locação…[que] pressupõe que a contrapartida pelo gozo da coisa (i. é, o preço) vai sendo paga periodicamente pelo locatário à medida que este vai tendo o uso (ou a possibilidade de uso) da coisa locada e que aquela [a renda] só é devida se o locatário puder ter o gozo efetivo do locado».

A exigência do pagamento da totalidade do preço contratual no primeiro ano do contrato representa um custo financeiro antecipado e funciona como um mecanismo de financiamento da associação. O pagamento antecipado do preço contratual representa, só por si, uma violação do princípio da orientação dos preços para os custos.

- A DST propôs-se cumprir as condições de pagamento pretendidas pela AMTQT na condição de aquela Associação, após pagamento da primeira metade do preço prestar uma garantia bancária on first demand correspondente a 20% do preço total nos primeiros 10 anos e a 10% no restante período contratual. Aquela garantia destinar-se-ia a assegurar o cumprimento pela AMTQT da obrigação de disponibilizar o gozo da rede em boas condições de manutenção por todo o período de duração do contrato celebrado entre aquelas duas entidades. Entende a DST que, sem aquela garantia, corre o risco real de ter o gozo da coisa locada por um período inferior ao período pago, do que resultará, para a Associação, uma remuneração superior aos custos de construção e manutenção da rede em violação do princípio da orientação dos preços para os custos.

- A exigência feita pela AMTQT, de que a DST, no momento da assinatura do contrato, preste uma garantia bancária para garantir o pagamento dos remanescentes 50% do preço, para além de absolutamente inútil, constitui um encargo financeiro adicional sobre um encargo financeiro que a DST classifica de ilegal. Também esta exigência é «…desadequada e ilegal, face ao princípio da orientação para os custos».

No entendimento da ANACOM, e sem entrar na discussão sobre o tipo de contrato com base no qual a DST ficará habilitada a aceder e utilizar as condutas da AMTQT5, importa sublinhar que nos termos do que estabelece o n.º 1 do artigo 1039.º do Código Civil, disposição que é parcialmente citada pela DST, «O pagamento da renda ou aluguer deve ser efetuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime». Como resulta do excerto que agora se sublinha naquela norma, podem as partes fixar, por acordo, o momento em que deve ser pago o valor da renda ou do aluguer. O pagamento antecipado da remuneração não obsta à redução do valor devido caso, na execução do contrato, o locatário sofra diminuição ou privação do gozo da coisa locada.

Por outro lado, o artigo 1075.º do Código Civil, cujo n.º 1 é invocado pela DST para sustentar o caráter periódico da renda, vale no contexto sistemático em que se insere. Esta regra está integrada na secção do Código Civil que rege o arrendamento (total ou parcial) de prédios urbanos, não sendo por isso a regra aplicável à generalidade dos contratos de locação.

Para verificação da conformidade da remuneração solicitada com a exigência de orientação dos preços para os custos estabelecida pelo n.º 1 do artigo 19.º do DL 123/2009, solicitou-se à AMTQT, conforme referido, que remetesse toda a informação relativa à infraestrutura (condutas) por si utilizada/gerida, incluindo o detalhe dos custos envolvidos, tanto no que respeita ao conjunto da infraestrutura associada ao pedido da DST, como para outros eventuais acessos concedidos.

A rede e os custos da sua construção

De acordo com a informação facultada pela AMTQT sobre a rede que explora, esta é composta por um anel central que liga todas as sedes de concelho dos associados (backbone) com uma velocidade de 10 Gbps e uma ligação com a rede exterior em banda larga, e cinco redes locais (onde se localizam os cinco PoP) e um Datacenter Intermunicipal com sede na AMTQT, em Mirandela6.

Estas infraestruturas consistem em condutas de tritubo, instaladas entre câmaras de visita permanentes pré-fabricadas, tendo sido passado nessas condutas - entre PoP - um cabo de fibra ótica de 48 fibras (denominado de link). As distâncias óticas medidas para os link estão indicadas nas tabelas seguintes, conforme informação técnica remetida pela AMTQT.

[IIC] [FIC]

Da informação recebida conclui-se que, no total, foram instalados 373,525 Km de fibra ótica.

Relativamente aos custos de construção da infraestrutura de condutas de suporte à RCBLTQT, a AMTQT remeteu a seguinte informação: [IIC] [FIC]

Assim, os custos médios de construção por monotubo - custos não comparticipados por fundos públicos e que incluem empréstimos bancários - são:

  • €3,10/m no backbone (236,241 Km);
  • €3,76/m na rede de acesso (em média, para cerca de 32 Km de condutas).

Condições do fornecimento de acesso a condutas à REFER Telecom

A AMTQT celebrou, no início de 2013, um contrato com a REFER Telecom para o acesso e utilização de infraestruturas da AMTQT, com as seguintes características e condições: [IIC] [FIC]

Remuneração estipulada no contrato entre a AMTQT e a DST

O requerimento reformulado pela DST não põe em causa o princípio da orientação dos preços para os custos, focando-se nas condições de pagamento. Em qualquer caso, esta Autoridade analisou os dados fornecidos pela AMTQT.

Assim, de acordo com os dados disponíveis, entende-se que o custo total de construção de condutas para efeitos da determinação do custo do acesso deve incluir o valor das “Transferências da AMTQT e das Câmaras Municipais”, acrescido dos juros pagos7 e da amortização do capital até à data da assinatura do contrato, bem como do capital em dívida nessa data, na proporção da área efetivamente ocupada (um monotubo).

O entendimento supra baseia-se no facto de ser solicitado um pagamento inicial, podendo, deste modo a quota-parte do capital em dívida ser reembolsada antecipadamente.

Adicionalmente, entende-se que apesar de a AMTQT não ter incluído custos de operação e de manutenção da infraestrutura, numa análise de orientação dos preços para os custos esta componente deveria ser considerada, entendendo-se razoável, à falta de melhor informação e de acordo com o que se adotou, por exemplo, na avaliação dos preços de acesso às condutas da MEO, um custo anual de [IIC] [FIC] por cento do valor do investimento em construção de infraestruturas.

O valor que resulta do somatório das componentes acima detalhadas com valores devidamente atualizados à data do contrato é compatível, numa ótica de orientação dos preços para os custos, com o valor que a AMTQT solicita à DST pelo acesso às suas condutas, nas condições de pagamento constantes do contrato assinado, não existindo, assim, qualquer indício de que o preço proposto não cumpre aquele princípio.

Importa ainda referir que o contrato entre a AMTQT e a DST contém as mesmas condições de preço [IIC] [FIC]

Conclusão

Em face dos factos acima expostos, parece claro que a AMTQT não recusa o acesso à sua infraestrutura, fornecendo-o de forma idêntica aos operadores interessados, com transparência e sem discriminação.

Pode-se concluir também que não há indícios de que o preço de acesso às condutas (por monotubo) não esteja orientado aos custos ou seja discriminatório.

Notas
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1 Acessível em: Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto Link externo.https://dre.pt/application/dir/pdf1s/2008/08/16500/0600506011.pdf.
2 Publicados na IIIª série do Diário da República, n.º 232, de 1 de outubro de 2004, A AMTQT foi constituída em 2 de Julho de 1982, pelos Municípios de Alfândega da Fé, Carrazeda de Ansiães, Mirandela e Vila Flor a que se juntou, mais tarde, o Município de Macedo de Cavaleiros.
De acordo com o n.º 1 do artigo 1.º dos seus estatutos, a AMTQT é uma associação de municípios de fins específicos. Acessíveis em: Diário da República (Série III - Parte A), de 1 de outubro de 2004 Link externo.http://dre.pt/pdfgratis3s/2004/10/2004D232S000.pdf (pág. 27 e seguintes).

3 Acessível em: Lei n.º 27/96, de 1 de agosto Link externo.http://www.dre.pt/pdf1s/1996/08/177A00/22342237.pdf.
4 Por lapso, corrigido com a Lei n.º 47/2013, de 10 de julho, o n.º 3 do artigo 19.º determinava a avaliação da conformidade da remuneração com a regra «estabelecida no número anterior» no qual não era fixada qualquer regra aplicável à fixação da remuneração devida pelo acesso e utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas.
5 A DST considera que se trata de um contrato de locação; a AMTQT entende que se trata de um contrato de cedência de condutas regulado pelo DL 123/2009. Relativamente a este aspeto, cabe referir que o DL 123/2009 não caracteriza nem tipifica o contrato que rege o acesso e utilização de infraestruturas aptas ao alojamento de redes de comunicações eletrónicas, deixando às entidades que detêm aquelas infraestruturas liberdade para, dentro de certos limites, conformarem como considerarem mais adequado os termos a que fica sujeito aquele acesso e utilização, as quais devem ser publicitadas.
6 O anel core em fibra ótica, chamado backbone da RCBLTQT, consiste nas infraestruturas físicas que permitem a interligação dos centros de transmissão, PoP ou Datacenter, que foram construídos ou instalados nos Municípios abrangidos pelo projeto.
7 Como a AMTQT se faz remunerar por um valor que é pago uma única vez não faz sentido considerar a totalidade dos juros a pagar ao longo de todo o período do empréstimo bancário, dado que ao receber o valor correspondente ao capital em dívida poderia amortizar o empréstimo na totalidade, não incorrendo, por isso, em pagamento de juros futuros.