3.3. Definição dos mercados grossistas de produto


Para a AdC, a metodologia adotada para a definição dos mercados grossistas de produto (também do ponto de vista geográfico), é adequada e genericamente coerente com a aplicação da metodologia do Direito da Concorrência.

Em particular, face aos elementos apresentados e a análise efetuada pela ANACOM, considera a AdC totalmente apropriada a integração dos circuitos tradicionais e dos circuitos Ethernet nos mesmos mercados do produto, bem como adequado segmentar o mercado de segmentos terminais consoante a sua capacidade (dada a existência de diferentes condições de fornecimento de segmentos terminais em função da capacidade destes segmentos). Entende também a AdC que se encontra fundamentada a decisão de não segmentar o mercado dos segmentos de trânsito em função da sua capacidade. Finalmente, atendendo à ausência de evidência que suporte uma eventual conclusão de que outros serviços de dados são substitutos dos circuitos alugados a nível grossista e que permita identificar limitações dos outros serviços de dados face aos circuitos alugados, considera a AdC adequada a não integração destes serviços nos mesmos mercados do produto.

A NOS (e também a Vodafone), ainda que não enderece diretamente a definição dos mercados grossistas (de produto) de circuitos alugados1, considera que estes constituem infraestruturas únicas, não replicáveis e essenciais, não só para o desenvolvimento da concorrência nos mercados de comunicações eletrónicas como para garantir a coesão económica e social de todo o território, sendo que neste aspecto, os circuitos CAM e as ECS (bem como a infraestrutura que suporta a oferta de circuitos nacionais terrestres) têm uma relevância particular.

A MEO concorda na generalidade com a caracterização dos segmentos de circuitos alugados (parágrafos 2.1 a 2.13 do SPD) - nomeadamente com a conclusão da ANACOM sobre a distinção entre segmentos terminais e segmentos de trânsito e a exclusão da análise dos circuitos analógicos -, mas continua a sustentar que os segmentos terminais próprios dos operadores móveis devem fazer parte do mercado grossista de circuitos alugados, devendo estes operadores ser considerados como fornecedores grossistas de si próprios (auto fornecimento)2. Caso contrário, assistir-se-á a uma situação paradoxal neste mercado, traduzida na redução continuada do mesmo, mantendo-se contudo a MEO sempre como entidade com PMS e, caso os outros dois players do mercado optem por não ter ofertas grossistas (ou identificá-las como tal), poderá a prazo apenas a MEO estar presente neste mercado3.

Adicionalmente, a MEO considera que, ao nível (da evolução) dos mercados grossistas de produto, a análise é incompleta, focando-se o SPD, de forma discriminatória, exclusivamente na ORCA e ORCE, como se o objetivo fosse apenas em manter e reforçar a regulação ao nível destas ofertas. A este respeito, segundo a MEO, em primeiro lugar, o SPD não integrou no mercado os circuitos baseados noutras tecnologias, nomeadamente de feixes hertzianos, que são também utilizados pelos operadores móveis como alternativa aos circuitos suportados em cobre ou fibra e, em segundo lugar, o SPD praticamente não considera a existência de outras ofertas no mercado, não efetuando a sua caracterização (incluindo preços)4.

Concretamente quanto à definição dos mercados do produto, a MEO foca-se fundamentalmente na segmentação entre circuitos tradicionais e circuitos Ethernet, já que quanto à segmentação segundo a capacidade e entre (circuitos e) outros serviços de dados concorda genericamente com, e vê como positivas, as conclusões da ANACOM5, referindo que o princípio da segmentação por capacidade vai ao encontro daquilo que sempre defendeu, desde a consulta que antecedeu a anterior análise de mercados.

Contudo, no que respeita aos circuitos tradicionais e circuitos Ethernet, a MEO mantém a conclusão de que não existe substituibilidade entre os mesmos, e que em cada um destes submercados deveria existir uma segmentação por capacidade, reafirmando todos os argumentos que foram apresentados na referida consulta de 20106, considerando que a ANACOM continua a não fundamentar esta substituibilidade, apesar de dedicar longo texto a este tema no SPD.

Considerando que este tema está em discussão em sede judicial, a MEO dispensa-se de comentar em detalhe este aspeto do SPD, referindo, porém, que esta questão tem um impacto significativo na análise e no desenho final da regulação proposta para o mercado dos circuitos alugados.

Contudo, salienta a MEO dois aspetos tratados no SPD que lhe parecem incorretos:

(a) No parágrafo 2.44, a ANACOM tenta utilizar o teste SSNIP para fundamentar as suas conclusões, mas em vez de o aplicar entre circuitos tradicionais e os circuitos Ethernet, aplica-o de forma descontextualizada (para débitos mais reduzidos), entre circuitos de débito Nx64kbps e os circuitos de 2 Mbps. Para a MEO não existe, assim, qualquer evidência no SPD sobre a aplicação do teste SSNIP entre a oferta de circuitos tradicionais e de circuitos Ethernet (ou seja, na prática, entre circuitos com débitos até 10 Mbps e circuitos com débitos superiores), o que não deixa de ser surpreendente atendendo à importância com que este tema surge no SPD e que, como tal, merecia uma análise mais exaustiva em termos de SSNIP.

(b) Refere a ANACOM no parágrafo 2.62 que várias ARN incluíram explicitamente os circuitos alugados suportados em Ethernet no mesmo mercado dos circuitos tradicionais, mas a referência ao Reino Unido não está correta, tendo o OFCOM concluído que os dois tipos de circuitos não integram o mesmo mercado (cf. parágrafo 3.68)7, atendendo a que a utilização de um teste SSNIP entre estes dois produtos não permitia fundamentar a sua substituibilidade. Seria importante, no entender da MEO, que a abordagem do OFCOM fosse considerada no presente SPD, fundamentando-se igualmente a substituibilidade alegada num verdadeiro teste SSNIP.

Entendimento da ANACOM

A AdC concorda com a metodologia adotada pela ANACOM para a definição do mercado do produto, em particular no caso da integração dos circuitos tradicionais e dos circuitos Ethernet no mesmo mercado do produto.

A MEO também concorda na generalidade com aquela metodologia, exceto no que respeita à inclusão dos circuitos tradicionais e dos circuitos Ethernet no mesmo mercado, mantendo a conclusão de que não existe substituibilidade entre os mesmos.

A ANACOM não aceita o argumento da MEO de que esta substituibilidade não está fundamentada, uma vez que já em 2010 esta questão foi analisada e cabalmente demonstrada (também no retalho), tendo sido as conclusões aceites pela Comissão e, entretanto, também adotadas pela maioria das ARN, como referido no SPD.

A este respeito, a ANACOM reconhece que a referência ao Reino Unido que constava do SPD não estava correta, tendo sido colocada uma referência a uma data anterior, o que será corrigido. Sem prejuízo, relativamente à substância, entende-se que não existe similitude entre a situação no mercado em Portugal e no Reino Unido, sendo que neste “On migration, we observed that the decline in TI volumes has been relatively slow given the observed difference in prices. This was especially true at high bandwidths, where given such large price differentials and clear savings already enjoyed by users of Ethernet circuits; we would have expected a larger proportion of SDH/PDH end-users to have switched”. Ora, em Portugal sucedeu precisamente o contrário, tal como a MEO reconhece nos comentários efetuados ao SPD: o mercado dos circuitos tradicionais tem tido uma quebra assinalável e em especial no segmento de alto débito, pelo que a conclusão da ANACOM só poderia ser também contrária à do OFCOM. De facto, não se pode sugerir que (como referiu o OFCOM) “for the end-users who are still using TI services, other factors like functional differences and switching costs may still be important. All these factors when taken together suggested that, on balance, a SSNIP on SDH/PDH services would be unlikely to accelerate migration to Ethernet to an extent which would make the SSNIP unprofitable. This suggested that AI and TI services continue to be in separate markets”. Pelo contrário, a migração tem ocorrido mesmo sem a ocorrência de qualquer SSNIP e, claro, uma eventual aplicação de um SSNIP resultaria sempre numa aceleração da mesma.

Assim, o caso do Reino Unido acaba por ser uma exceção no que respeita à inclusão dos circuitos Ethernet no mercado dos circuitos alugados, sendo que a maioria dos países inclui os circuitos Ethernet e os circuitos tradicionais no mesmo mercado de produto, aliás, mercado esse que, sem querer antecipar uma decisão, deverá ser expectavelmente ainda mais abrangente com a inclusão dos acessos de elevada qualidade (com contenção e/ou débito assimétrico) no Mercado 4.

Ainda relativamente à proposta da MEO de aplicação do teste SSNIP à oferta de circuitos tradicionais para determinar a substituibilidade face à oferta de circuitos Ethernet com diferentes débitos (baixos e elevados débitos) considera-se que a mesma não faz sentido na prática. Com efeito, os circuitos Ethernet são apenas de alto débito (≥ 10 Mbps)8 e a ANACOM já concluiu pela segmentação em função da capacidade (independentemente da tecnologia subjacente) - o que foi reconhecido pela MEO nos comentários ao presente SPD como francamente positivo. Por outro lado, atualmente não são, na prática, fornecidos circuitos tradicionais de alto débito.

Em qualquer caso, e também por esta razão (ausência na prática de circuitos tradicionais de alto débito), uma eventual segmentação por tecnologia não traria, neste momento, qualquer alteração às conclusões relativas aos mercados de segmentos terminais de alto débito (sendo que não há circuitos Ethernet de baixo débito).

Existe assim uma substituibilidade assimétrica - o que é reconhecido pela MEO na sua pronúncia -, i.e., de circuitos tradicionais para circuitos Ethernet e sendo, no caso em apreço, o produto focal constituído pelos circuitos tradicionais, isso implica necessariamente que os circuitos tradicionais e os circuitos Ethernet estejam no mesmo mercado relevante.

Finalmente, a própria MEO salienta na sua pronúncia que os OPS que são seus clientes nos circuitos CAM podem prestar serviços grossistas (de circuitos alugados Ethernet) através da revenda da capacidade alugada à MEO, assim em concorrência no mesmo mercado de circuitos alugados.

Não obstante, conforme referido, prevê-se que no novo SPD seja definido um “novo” mercado de produto de acesso de elevada qualidade, incluindo os circuitos alugados e outros acessos, o que não prejudica a adoção de medidas provisórias e urgentes em relação à abrangência e aos preços dos circuitos Ethernet CAM e inter-ilhas suportados em cabos submarinos da propriedade da MEO.

Notas
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1 Com exceção do reconhecimento do alargamento do débito na ORCE.
2 Pelas razões invocadas em 2010 e que retoma, em síntese:
(a) A infraestrutura em causa é usada para a mesma finalidade e conectividade de pontos fixos;
(b) As redes usadas pelos operadores móveis são tecnologicamente equivalentes e baseadas em SDH/PDH, xWDM e Ethernet; e
(c) Os operadores móveis já disponibilizaram ofertas de linhas alugadas destinadas aos operadores fixos, o que reforça a substituibilidade entre os dois tipos de infraestruturas.

3 §2.211 do SPD relativamente à Vodafone e entrevista ao CEO da NOS.
4 A MEO refere, por exemplo, a oferta da NOS, que recorre a diferentes tecnologias para suportar circuitos. Ver NOS Link externo.http://www.nos.pt/empresas/corporate/solucoes-empresariais/locais/Pages/redes-ip.aspx.
5 Isto é, de que os outros serviços de dados mencionados não constituem alternativas viáveis aos circuitos alugados grossistas e da segmentação do produto segmentos terminais de circuitos alugados entre aqueles segmentos que tenham capacidade inferior ou igual a 2 Mbps e aqueles que tenham uma capacidade superior a 2 Mbps, concordando que existem condições de prestação do serviço diferentes consoante a capacidade dos segmentos terminais, sendo que o comportamento dos operadores também varia em função da capacidade.
6 Recorda, em termos muito sumários, que alicerçou a sua posição nas seguintes razões:
i. O princípio da neutralidade tecnológica não prossegue uma finalidade própria - só pode ser invocado quando a concorrência pode ser distorcida ou afetada por uma determinada decisão, o que não é o caso (o mercado continuará o movimento de substituição tecnológica), sendo inadmissível a sua invocação;
ii. Acresce que este princípio não pode ser invocado quando tecnologias distintas se refletem em diferentes funcionalidades (serviços) oferecidas aos utilizadores finais, o que sucede com os circuitos tradicionais e a Ethernet (mantendo-se esta conclusão no atual SPD); e
iii. Não existe uma substituibilidade recíproca entre os serviços de circuitos tradicionais e os circuitos Ethernet, só num sentido, justificando plenamente a autonomização do mercado de produto dos serviços de circuitos Ethernet, como de resto, tem sido defendido pela ANACOM noutras sedes (e.g. acessos em banda estreita e acessos em banda larga).

7 De facto, o OFCOM apresentou na decisão Business Connectivity Market Review, de 28.03.2013, um entendimento contrário ao manifestado pela ANACOM: ''However, when taken as a whole, we considered that while there has been significant growth in the AI [Alternative Interface] market, the pricing and migration trend data did not support placing Ethernet and SDH/PDH circuits in the same market. On pricing we noted that there was no evidence that the price differentials between the two services were closing, which we would expect to see if they were close demand-side substitutes and both were competitively supplied. On migration, we observed that the decline in TI volumes has been relatively slow given the observed difference in prices. This was especially true at high bandwidths, where given such large price differentials and clear savings already enjoyed by users of Ethernet circuits; we would have expected a larger proportion of SDH/PDH end-users to have switched. This suggested that for the end-users who are still using TI services, other factors like functional differences and switching costs may still be important. All these factors when taken together suggested that, on balance, a SSNIP on SDH/PDH services would be unlikely to accelerate migration to Ethernet to an extent which would make the SSNIP unprofitable. This suggested that AI and TI services continue to be in separate markets''.
8 Sendo que na prática já só existem circuitos tradicionais de baixo débito, como a MEO também reconhece.