2.8. Origem do problema de concorrência nas Áreas NC


De acordo com o que é referido na Recomendação1, a ANACOM argumenta que a regulação da rede de fibra nas Áreas NC seria desproporcionada devido, nomeadamente:

(a) ao facto de o problema de concorrência identificado ter origem na quota detida pela MEO no mercado de assinantes de banda larga com base na rede de cobre;

(b) ao facto de a implantação da fibra da MEO nas Áreas NC ser muito limitada, e significativamente inferior, à dos operadores alternativos;

(c) à falta de saturação do mercado nas Áreas NC e à facilidade de os clientes mudarem de fornecedor; e

(d) à inexistência de falhas do mercado retalhista (no que diz respeito às ofertas suportadas em RNG, tanto nas Áreas C como nas Áreas NC).

A Comissão salienta2 que tanto a fibra, como o cobre, fazem parte do mercado relevante, e que a MEO detém uma quota de mercado muito elevada nas Áreas NC (84% - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico) ao nível retalhista, tendo já instalado, nessas áreas, algumas dezenas de milhares de acessos de fibra.

A Comissão entende também que, com base nos dados disponíveis, a imposição de uma medida corretiva relacionada com o acesso a uma infraestrutura existente se afigura justificada em, pelo menos, uma parte do mercado do acesso local grossista correspondente às freguesias predominantemente rurais Áreas NC (identificadas a nível retalhista), tendo em conta a necessidade de salvaguardar a concorrência, em particular nas áreas em que a MEO tenciona proceder a uma implantação em maior escala e substituir a atual infraestrutura de cobre.

A ANACOM não concorda com esse entendimento, pelos motivos já explicitados, e desenvolvidos no ponto 2.3, que radicam na falta de proporcionalidade da imposição da medida em causa, e que se sumarizam de seguida.

Em primeiro lugar, apenas uma percentagem muito residual dos acessos de fibra ótica da MEO se encontram localizados nas Áreas NC. Deste modo, apesar de tanto a fibra, como o cobre, fazerem parte do mercado relevante, a imposição de uma medida corretiva de acesso à rede de fibra da MEO, nestas áreas, equivaleria a impor acesso a uma infraestrutura que é, atualmente, praticamente inexistente3. Ao contrário do que refere a Comissão, nas Áreas NC a MEO não detém, praticamente, rede de fibra. A Comissão refere que a MEO “já” instalou um determinado número de acessos de fibra nestas áreas, mais tais acessos consubstanciam “apenas” 3% do total de acessos de fibra instalados pela MEO a nível nacional. Refira-se ainda que a NOS tinha, no final de 2015, uma cobertura de RNG quatro vezes superior à da MEO nas Áreas NC. A imposição de obrigações de acesso à fibra num número de acessos tão reduzido, com as consequentes obrigações de EdI e de replicabilidade económica, pode ter um impacto significativo a nível dos preços praticados pela MEO nas Áreas C, distorcendo, por essa via, a concorrência naquelas áreas, como melhor se detalha infra na secção relativa ao teste de replicabilidade económica (cfr. ponto 2.9).

Ainda do ponto de vista da irrelevância atual da rede de fibra da MEO, a imposição do acesso à rede de fibra, mesmo nas freguesias predominantemente rurais das Áreas NC, não parece justificada. Não é evidente, nem foi devidamente explicitado pela Comissão Europeia, como é que se compatibilizam as obrigações de replicabilidade económica, e os termos de uma eventual obrigação de acesso à fibra que tenha em conta as especificidades das áreas em causa (e.g. uma menor densidade populacional e custos unitários mais elevados, rendimentos mais baixos, taxa de literacia digital ou penetração da banda larga).

Em segundo lugar, é a NOS, e não a MEO, o operador que tem o maior número de alojamentos cablados com RNG nas Áreas NC (quer urbanas, quer predominantemente rurais) e, consequentemente, o operador que mais clientes de banda larga tem suportados nestas redes, pelo que a medida sugerida pela Comissão Europeia (acesso à fibra) seria imposta ao “challenger” neste tipo de redes, introduzindo distorções no mercado. Com efeito, com base nos dados do 3.º trimestre de 2016, estima-se que a quota de mercado da MEO, excluindo os clientes suportados na rede de cobre, seja de apenas 31% nas Áreas NC (sem considerar o LTE em local fixo4) - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico.

Em terceiro lugar, os operadores alternativos têm ganho quota de mercado nas Áreas NC, quer implantando RNG fixa própria, quer recorrendo a outras opções - tal como o LTE em local fixo - nas zonas onde não têm ainda cobertura de RNG fixas. Assim, têm conseguido construir uma base de clientes - apesar daquela que a MEO tem na rede de cobre - suscetível de mitigar o impacto do eventual investimento, por parte da MEO, em RNG, nas Áreas NC e da eventual migração de clientes suportados na rede de cobre para a rede de fibra da MEO (o que é expectável apenas a longo prazo). No entanto, mesmo que a MEO venha a fazer o switch-off da rede de cobre (o que não ocorrerá no período até à próxima análise de mercado, dado que tem de comunicar aos operadores coinstalados, com uma antecedência mínima de, nalguns casos, 5 anos, a sua intenção de desativar uma central local5, sendo que a própria MEO já desmentiu essa possibilidade nesse horizonte temporal6), tal não significa que venha, necessariamente, a instalar fibra na totalidade do território nacional, podendo até, nomeadamente se confrontada com obrigações de acesso à fibra, servir determinadas áreas com tecnologias sem fios (como o LTE em local fixo - o que aliás começou a fazer no início deste ano), em conjunto com o DTH de que já dispõe, podendo assim endereçar as áreas não cobertas com redes fixas através de ofertas triple play (baseadas no LTE em local fixo e DTH). Assim, o objetivo de conetividade com fibra poderia vir a ser, a prazo, de algum modo comprometido com a imposição de uma obrigação de acesso à rede de fibra da MEO.

Em quarto lugar, é mais provável que a MEO venha a proceder, no período que decorrerá até à próxima análise de mercado, a uma implantação em maior escala de rede de fibra ótica, nas zonas predominantemente e mediamente urbanas das Áreas NC, zonas em que a cobertura por parte dos operadores alternativos é já, respetivamente, superior a 50% e a 30%7 e onde a MEO tem ainda um número importante de freguesias por cobrir.

A dinâmica do mercado retalhista já levou, nas Áreas NC predominantemente urbanas8, a uma redução da quota de mercado da MEO em 4 pontos percentuais num período de nove meses (entre o final de 2015 e o 3.º trimestre de 2016), passando o referido operador a ter uma quota de mercado de cerca de 66% no final deste período9. É provável que, mantendo-se esta evolução, as obrigações já impostas, e as que se prevê reforçar, criem, mesmo a curto prazo, uma concorrência efetiva nos mercados a jusante nestas áreas. Neste sentido, nas áreas mediamente urbanas, é possível que, a médio prazo, esta situação venha também a verificar-se.

Nas áreas predominantemente rurais, onde a MEO teve uma redução de mais de 10 pontos percentuais na quota de mercado em 2 anos, a imposição de uma medida de acesso à fibra (rede ainda inexistente, salvo algumas exceções) não é adequada, podendo inclusivamente ser negativa para o incentivo ao investimento, prejudicando em última análise os utilizadores finais que se poderão ver privados de acesso a qualquer RNG.

Este risco parece ser, nestas áreas, superior ao risco de uma eventual remonopolização por parte da MEO, na transição para as RNG e no curto prazo da análise de mercado. Aliás em muitas destas áreas deve-se considerar a possibilidade de não haver investimento por parte de qualquer operador e de apenas com financiamento público se poder assegurar a instalação de RNG. Assim, nestes casos, a intervenção mais adequada não passará pela imposição de uma obrigação de acesso à fibra mas sim eventualmente por financiamento público associado a uma rede aberta.

A Comissão refere que a imposição de uma medida corretiva relacionada com o acesso a uma infraestrutura existente se afigura justificada em, pelo menos, uma parte do mercado do acesso local grossista correspondente às Áreas NC predominantemente rurais (identificadas a nível retalhista), tendo em conta a necessidade de salvaguardar a concorrência, em particular nas áreas em que a MEO tenciona proceder a uma implantação em maior escala e acabar por substituir a atual infraestrutura de cobre; mas sendo praticamente inexistente (nomeadamente quando comparada com a dos operadores alternativos) a infraestrutura em fibra da MEO - situação que tendencialmente se manterá no curto e médio prazos -, em particular nessas áreas predominantemente rurais, pode concluir-se que a medida proposta não é adequada.

Notas
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1 Vide §69.
2 Vide §70 da Recomendação.
3 Principalmente nas freguesias predominantemente rurais áreas NC.
4 Considerando os acessos suportados nesta tecnologia, a quota de mercado da MEO nas Áreas NC seria apenas de 19% - ver Tabela A1 do Apêndice Estatístico.
5 Vide n.º 5.232 da análise de mercado e respetiva nota de rodapé que refere que se mantém o entendimento constante da deliberação sobre as alterações à ORALL de 17.02.2010 segundo a qual ''No caso de deslocalização de lacetes por motivos imputáveis à PTC, e para PA onde existam operadores co-instalados, deve a PTC efectuar um pré-aviso com um prazo mínimo de:
- 12 meses, para um número de lacetes activos a deslocalizar inferior a 1/3 do total de lacetes activos nesse PA;
- 36 meses, para um número de lacetes activos a deslocalizar superior a 1/3 e inferior a 2/3 do total de lacetes activos nesse PA;
- 60 meses, para um número de lacetes activos a deslocalizar superior a 2/3 do total de lacetes activos nesse PA (incluindo a desactivação do próprio PA), reduzindo-se esse prazo para 36 meses se for garantido um acesso activo equivalente''. PA é equivalente, neste contexto, a um MDF/central local
''.

6 Em recente comunicação à ANACOM, a MEO salienta que ''o phase-out da rede de cobre irá ocorrer no longo prazo (com início, seguramente, após 2022)''.
7 Ver Tabela A5 do Apêndice Estatístico.
8 Excetuando-se destas as freguesias com RNG abertas.
9 Caso se incluísse os acessos LTE em local fixo, a redução da quota de mercado da MEO seria de 6 pontos percentuais, passando a quota de mercado da MEO a ser de 56% nas áreas NC predominantemente urbanas.