Revogação do direito de utilização de frequências da WTS para a exploração de sistemas de acesso fixo via rádio (FWA)


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Decisão de revogação do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006 de que é titular a WTS - Redes e Serviços de Telecomunicações, S. A.


1. O pedido

Por carta recebida no ICP-ANACOM em 16 de dezembro de 2011, a WTS - Redes e Serviços de Telecomunicações, S. A. (WTS) expõe e comunica, em síntese, o seguinte:

  • a WTS é titular do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006, correspondente às frequências 28,0945 GHZ-28,2696 GHz e 29,1025 GHz e 29,2775 GHz, para as zonas geográficas 1 e 2;
     
  • o espectro atribuído foi suporte de um projeto de grande alcance, que implicou o desenvolvimento de um operador em Portugal, mas mais do que isso implicou o desenvolvimento de um projeto de I&D e um projeto industrial, que alicerçam o desenvolvimento de uma tecnologia única no mundo e seguramente muito relevante no panorama empresarial português;
     
  • a empresa sempre soube que iria encontrar dificuldades ao nível da falta de tecnologias que trabalhassem estas frequências de forma eficiente, competitiva  e replicável, bem como ao nível do mercado, no caso altamente hegemónico e profundamente dependente de um operador;
     
  • o primeiro desafio foi superado com recurso a uma equipa empenhada e a avultados investimentos. O segundo já não.

Concluindo, a WTS solicita a revogação do direito de utilização de que é titular com efeitos a 31 de dezembro de 2011, bem como da licença de rede pública de radiocomunicações - serviço fixo - ligações PMP n.º 504400 associada àquele direito de utilização.

2. Enquadramento  

2.1. O direito de utilização de frequências de que é titular a WTS

Por despacho do Ministro do Equipamento Social (MEPAT), de 19 de novembro de 1999, proferido nos termos do n.º 2 do artigo 17.º do Regulamento anexo à Portaria n.º 465-B/99, de 25 de junho, e na sequência do concurso público para atribuição de licenças, de âmbito nacional, para a utilização de frequências para o Acesso Fixo Via Rádio (FWA), aberto pelo Despacho MEPAT de 28 de junho de 1999, foi atribuída à WTS - Redes e Serviços de Telecomunicações, S. A. a Licença n.º ICP - 10/99-FWA.

Posteriormente, a Portaria n.º 1062/2004, de 25 de agosto, aprovou a alteração do modelo de exploração dos sistemas FWA, introduzindo um modelo de cobertura por zonas, a permissão de utilização das frequências na rede de transmissão e a reformulação do sistema de taxas radioelétricas.

Nos termos da citada portaria, competia ao ICP-ANACOM a definição do modelo de utilização por zonas das faixas de frequências FWA atribuídas, bem como a adaptação dos respetivos títulos habilitantes.

A Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (Lei das Comunicações Eletrónicas - LCE), previa também, no seu artigo 121.º, que as empresas conservavam os direitos de utilização das frequências, atribuídos antes da sua publicação, até ao termo do prazo fixado no respetivo título de atribuição, mantendo-se aplicáveis todas as obrigações assumidas pelas empresas licenciadas em concursos realizados antes da sua publicação, bem como, na parte relevante, os respetivos instrumentos de concurso.

Cabia, no entanto, ao ICP-ANACOM promover as alterações e adaptações necessárias às licenças emitidas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 381-A/97, de 30 de dezembro, pelo que, em 23 de novembro de 2006, o ICP-ANACOM emitiu o título reconfigurado do direito de utilização de frequências para a exploração de sistemas de acesso fixo via rádio (FWA) que havia sido atribuído à WTS.

Assim, ao abrigo do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006 – FWA, a WTS manteve o direito à utilização de um bloco de 2 x 175 MHz, correspondente às frequências 28,0945 GHz - 28,2695 GHz e 29,1025 GHz - 29,2775 GHz para as zonas geográficas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, nas condições explicitadas no mesmo e até 1 de janeiro de 2015.

Em 21 de agosto de 2007, mediante averbamento, foi alterado o referido direito de utilização de frequências passando a WTS deter o direito à utilização de um bloco de 2 x 175 MHz, correspondente às frequências 28,0945GHz - 28,2695 GHz e 29,1025 GHz - 29,2775 GHz para exploração do sistema FWA nas zonas geográficas 1,2,3, e 7.

Foi ainda alterada a cláusula relativa à obrigação de manter instalado um mínimo de estações Centrais.

Por deliberação de 14 de abril de 2008, tomada na sequência de pedido de alteração da WTS de 28 de dezembro de 2007, foi novamente alterado o citado direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006, reduzindo-se a exploração do sistema FWA às zonas geográficas 1 e 2.

A WTS é ainda titular da licença radioelétrica n.º 504400 para utilização de uma rede pública de radiocomunicações do serviço fixo – ligações ponto-multiponto, válida até 20 de agosto de 2016. 

A comunicação da WTS de 16 de Dezembro de 2011, configura, assim, um pedido de revogação do ato de atribuição do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006, bem como do ato de atribuição da licença radioelétrica n.º 504400, ou seja, a revogação de atos administrativos válidos.

2.2. Revogação de atos administrativos válidos - competência do ICP-ANACOM para a revogação e interessados

É, assim, à luz do regime da revogação dos atos administrativos válidos, previsto no Código do Procedimento Administrativo (CPA), que o presente pedido deve ser analisado. Esta figura consiste numa «decisão administrativa dirigida à cessação dos efeitos de outra decisão administrativa prévia, por se entender que os efeitos desta não são convenientes, não representam uma maneira adequada de prosseguir o interesse público em causa (…)» 1.

Ora, o CPA dispõe no seu artigo 140.º que os atos administrativos são livremente revogáveis, exceto i) quando a sua irrevogabilidade resultar de vinculação legal, ii) forem constitutivos de direitos ou iii) deles resultem para a administração obrigações legais ou direitos irrenunciáveis. No caso de os atos serem constitutivos de direitos, como no presente caso, estes só podem ser revogados na parte em que forem desfavoráveis aos interesses dos destinatários ou quando todos os interessados derem a sua concordância à revogação e não se trate de bens indisponíveis.

Assim, importa verificar em primeiro lugar qual é a entidade competente para proceder à revogação do ato.

Nos termos do n.º 1 do artigo 142.º do CPA, na ausência de disposição especial que atribua a entidade diversa competência para o efeito, é competente para a revogação de um ato administrativo o seu autor.

No atual regime legal 2, a atribuição de direitos de utilização de frequências compete ao ICP-ANACOM (vd. Artigo 19.º, n.º 3 da LCE), bem como a sua renovação (cfr. artigo 33.º da LCE).

Nestes termos, cabe ao ICP-ANACOM o poder de renovar os direitos de utilização de frequências, mesmo nos casos em que essa atribuição é precedida de procedimento de seleção, nomeadamente concurso, em que as regras de atribuição são da competência do membro do Governo responsável na área das comunicações. E, assim sendo, cabe também ao ICP-ANACOM o poder de revogar o ato atributivo desse direito.

No âmbito do regime aplicável ao licenciamento de redes e estações de radiocomunicações, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 264/2009, de 28 de setembro, compete igualmente ao ICP-ANACOM a atribuição (artigo 5.º), a alteração (artigo 16.º) e a revogação (artigo 17.º) das correspondentes licenças radioelétricas, sendo que neste último caso, o processo pode ser desencadeado por iniciativa do titular das licenças.

A razão pela qual a lei reconheceu o poder revogatório ao autor do ato administrativo reside na ideia de que a competência revogatória é um mero desenvolvimento da competência dispositiva ou primária. Conclui-se, portanto, que a competência para revogar o ato pertence ao ICP-ANACOM.

No caso vertente verifica-se também que o pedido de revogação é da iniciativa da WTS, única interessada no sentido implícito do artigo 140.º do CPA, ou seja, enquanto titular dos direitos ou interesses legalmente protegidos cuja concordância é necessária para a revogação do ato.

Neste enquadramento, importa ter ainda em conta que os atos de cuja revogação ora se trata (os de atribuição de direitos de utilização de frequências e de licenças radioelétricas) se inserem na designada categoria de atos favoráveis. Com efeito, está em causa, em primeira linha, a atribuição de uma vantagem, que se traduz na atribuição de um direito de exploração de um determinado recurso, que o particular pretende obter no seu interesse e para desenvolvimento de uma atividade económica.

Assim, quando confrontado com um pedido de revogação de um ato que atribui uma vantagem a um particular – pedido esse que é obviamente fundado no interesse e nas motivações do respetivo titular – compete ao ICP-ANACOM avaliar se o interesse público, cuja realização estava também associada ao ato favorável, ficará ou não prejudicado pelo deferimento da pretensão do particular.

3. Análise do pedido

No sector das comunicações eletrónicas, a LCE, em transposição do enquadramento definido no plano comunitário, estabelece que «é garantida a liberdade de oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas» (artigo 19.º, n.º 1).

Não resulta, contudo, deste regime legal a obrigação de permanência na atividade (na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas), por quem nela não quer permanecer, sem prejuízo, naturalmente, do cumprimento de obrigações de salvaguarda, designadamente dos interesses dos consumidores ou de outros agentes económicos, que, a este respeito, a Lei ou o Regulador possam determinar.

Dito de outro modo - e sem prejuízo das disposições normativas que, por força da escassez de recursos envolvidos ou da natureza do serviço, nomeadamente de serviço universal, possam impor condições de acesso e utilização –, não resulta do ordenamento jurídico vigente uma obrigação de permanência que, a existir em termos absolutos, poderia eventualmente constituir a negação do conceito de liberdade de iniciativa privada.

No caso vertente, não pode deixar de se considerar que assiste à WTS a liberdade de não querer desenvolver a atividade para a qual lhe foi atribuído o direito de utilização de frequências, tendo presente, como já acima explicitado, que o ato em causa – de atribuição de direitos de utilização de frequências - se insere na designada categoria de atos administrativos favoráveis. Naturalmente que importará, caso a caso, aferir das condições que sejam aplicáveis, em cada situação concreta, perante a intenção de abandono de atividade que estiver em causa.

Tendo presente estes dados e analisado o pedido da WTS, o ICP-ANACOM considera que, do ponto de vista da gestão de espectro, em especial atento o princípio de utilização efetiva e eficiente do espectro, nada obsta à revogação do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006 detido pela empresa.

Apesar de no seu pedido a WTS não referir a data em que efetivamente cessou a sua atividade, nem se de tal facto deu conhecimento prévio aos utilizadores dos seus serviços (tal como se estabelece no artigo 39.º, n.º 1 alínea c) da LCE), releva nesta sede o facto de a WTS não possuir clientes retalhistas e de que, integrando o Grupo SGC, a mesma explorava apenas a infraestrutura wireless de acesso local que suportava a oferta triple play da Ar Telecom (empresa igualmente detida a 100% por aquele Grupo), a qual entretanto também deixou de ser oferecida por esta empresa.

Assim, tendo em conta a análise que precede e considerando que os pressupostos justificativos da revogação do ato de atribuição à WTS do direito de utilização de frequências já se verificavam à data do seu pedido, entende-se que os efeitos da decisão de revogação do direito de utilização de frequências n.º ICP-ANACOM 10/2006 podem ser reportados a 31 de Dezembro de 2011, tal como solicitado pela WTS.

No plano do licenciamento radioeléctrico, o ICP-ANACOM entende que, igualmente por respeito ao  princípio de utilização efetiva e eficiente do espectro, nada há a obstar ao pedido de revogação da licença radielétrica n.º 504400 de que a WTS é titular, sendo o mesmo enquadrado pelo disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho.

As revogações do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 10/2006 e da licença radioelétrica n.º 504400 serão tidas em conta no processo de apuramento e liquidação das taxas devidas ao ICP-ANACOM, nos termos previstos na Portaria n.º 1473-B/2008, de 17 de dezembro, alterada e republicada pela Portaria n.º 291-A/2011, de 4 de novembro.

Relevando ainda o que se estabelece no n.º 7 do artigo 21.º da LCE, de acordo com o qual as empresas que cessem a oferta de redes e ou serviços de comunicações eletrónicas devem comunicar esse facto à Autoridade Reguladora Nacional com uma antecedência mínima de 15 dias, o ICP-ANACOM promoverá, nos termos do artigo 21.º-A, o cancelamento da inscrição da WTS no registo das empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas, registo que esta Autoridade mantém e publicita no seu site, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 120.º da LCE.

Por fim, atendendo a que, de acordo com as informações disponíveis no ICP-ANACOM, a WTS não possuía clientes retalhistas, consistindo a sua atividade no aluguer da rede TMAX e de fibra ótica à AR Telecom, que usava esta rede como suporte aos serviços prestados, nomeadamente, ao seu segmento residencial ao qual entretanto deixou de oferecer os serviços de triple play, entende o ICP-ANACOM que esta revogação do direito de utilização de frequências não tem um impacto relevante no mercado que, como tal, imponha a promoção do procedimento geral de consulta, tal como fixado nos termos do artigo 8.º da LCE.

Considerando ainda que os elementos constantes do procedimento conduzem a uma decisão que é favorável à WTS e que vai no sentido do requerido pela mesma, igualmente se entende que pode ser dispensada a audiência prévia da mesma, nos termos previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo.

4. Deliberação

Face ao exposto, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM, no âmbito das atribuições previstas no artigo 6.º, n.º 1, al. c) dos seus Estatutos, publicados em anexo ao Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro, na prossecução dos objetivos de regulação fixados no artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea d), ao abrigo do disposto nos artigos 15.º, 19.º, n.º 3 e 33.º todos da LCE 3, e no exercício das competências que lhe são cometidas pelo artigo 26.º, alínea l) dos seus Estatutos, bem como pelo artigo 140.º, n.º 2, alínea b) do CPA, delibera:

1. Revogar o ato de atribuição do direito de utilização de frequências para a exploração de sistemas de acesso fixo via rádio (FWA) detido pela WTS - Redes e Serviços de Telecomunicações, S. A. e, consequentemente, o título que consubstancia o direito de utilização que lhe foi atribuído (o ICP-ANACOM n.º 10/2006 – FWA), com efeitos a 31 de dezembro de 2011.

2. Revogar a licença radioeléctrica n.º 504400 de que é titular a WTS - Redes e Serviços de Telecomunicações, S. A., ao abrigo e nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 151-A/2000, de 20 de julho.

3. Dispensar a audiência prévia da WTS - Redes e Serviços de Telecomunicações, S. A., nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo.
 

Notas
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1 In Código do Procedimento Administrativo comentado, 2ª Ed., Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Secção IV, II., pág. 667).
2 Note-se que a Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereiro (LCE) foi recentemente alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro.
3 Na redação conferida pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro.