A. Pedido de interligação da Radiomóvel, S.A. Posições manifestadas


A Radiomóvel Telecomunicações, S.A., na qualidade de operador do serviço móvel de recursos partilhados (SMRP) solicitou a intervenção do ICP-ANACOM (ANACOM) com o objectivo de «usufruir do seu direito de ''negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público…''», direito que lhe vem sendo recusado pela PT Comunicações, S.A. (PTC), pela Sonaecom - Serviços de Comunicações S.A. (Sonaecom), pela TMN - Telecomunicações Móveis Nacionais, S.A. (TMN) e pela Vodafone Portugal, Comunicações Pessoais, S.A. (Vodafone).

Foi promovida a notificação da PTC, da Sonaecom, da TMN e da Vodafone para que aquelas empresas se pronunciassem sobre os fundamentos de facto e de direito que sustentam a sua oposição à interligação solicitada pela Radiomóvel.

Em síntese referiram aquelas empresas:

  • A PTC

Na resposta que apresenta, a PTC vem invocar (1) a extemporaneidade do pedido deduzido pela Radiomóvel à ANACOM, (2) a inexistência do direito de interligação que o prestador do serviço móvel de recursos partilhados alega possuir, (3) que o direito à interligação não pode desvirtuar o SMRP e (4) que os direitos da Radiomóvel estão actualmente plenamente satisfeitos através de uma ligação existente com o serviço telefónico da PTC.

(1) No que se refere à extemporaneidade do pedido refere a PTC que pelo menos desde 21 de Novembro 2002 a Radiomóvel tem vindo a solicitar a interligação da sua rede móvel com a rede fixa da PTC e que o pedido apresentado em 22 de Dezembro de 2008, que se encontra na origem da (recente) recusa que é invocada no âmbito do diferendo em análise, é apenas e só uma renovação do pedido de interligação efectuado em 2002.

Considerando que a intervenção da ANACOM se enquadra no procedimento previsto no artigo 10.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (LCE), o qual deve ser iniciado no prazo máximo de um ano a contar da data de início do litígio, a PTC defende que se encontra muito ultrapassado o prazo dentro do qual pode ser requerida a resolução administrativa de litígios nos termos do artigo 10.º da LCE.

(2) Relativamente à inexistência do direito à interligação, a PTC, sem recusar que a renovação da licença para prestação do Serviço Móvel de Recursos Partilhados (SMRP) constitui o fundamento e o pretexto do pedido de interligação que a Radiomóvel lhe dirige em 22 de Dezembro de 2008, sustenta que não resulta da lei, nem do título emitido pela ANACOM em 25 de Setembro de 2008, o direito de interligação que aquela empresa alega possuir.

Defende a PTC que o direito à interligação não resulta da lei porque, ao contrário do que sucede com o ''serviço móvel terrestre'', o SMRP não pode ser considerado como um ''serviço de comunicações electrónicas acessível ao público''. Este serviço é dirigido apenas a um grupo restrito de utilizadores e não ao público em geral, não podendo portanto ser aplicável à Radiomóvel enquanto prestadora do SMRP o disposto no artigo 22.º, alínea a) da LCE 1.

Na óptica da PTC também não é aplicável à Radiomóvel, enquanto prestadora do SMRP, o disposto no artigo 64.º, n.º 2 2 da LCE, uma norma que aquela empresa entende ser apenas aplicável no âmbito dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, o que não é o caso do SMRP.

Acrescenta a PTC que o Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM n.º 05/2008 constitui uma mera renovação dos direitos de utilização de frequências atribuídos à Radiomóvel para a oferta do SMRP, não emergindo deste título quaisquer novos direitos. A natureza do SMRP tem-se, na sua essência, mantido desde 1993, quando da atribuição da licença original à Radiomóvel, não tendo havido qualquer alteração ao nível regulamentar que justifique a sua reconfiguração. O título habilitante que actualmente a Radiomóvel detém, aprovado por deliberação de 25 de Setembro de 2008, é uma mera reprodução do que já fora consignado no título outorgado àquela empresa em 16 de Abril de 2008, não apresentando quaisquer alterações ao objecto inicial da licença.

(3) A PTC reconhece que nos termos do anexo 2 do Direito de Utilização ICP-ANACOM n.º 05/2008 se prevê - como sucedia no título que em 16 de Abril de 2008 adapta a licença conferida a esta empresa em 1993 na sequência do concurso público realizado - que «acessoriamente, o SMRP pode permitir o estabelecimento de comunicações entre membros de um grupo fechado de utilizadores e membros de diferentes grupos fechados de utilizadores e com utilizadores finais de outros serviços de comunicações electrónicas», no entanto, tal direito não pode ser interpretado de forma incondicional ou irrestrita sob pena de desvirtuar a natureza do SMRP.

(4) O direito à interligação já se encontra plenamente satisfeito através da ligação existente ao serviço fixo de telefone da PTC, assente numa solução de PPCA. Desta forma conclui a PTC que as frequências atribuídas à Radiomóvel estão exclusivamente afectas ao SMRP não permitindo que lhes seja reconhecida a qualidade de prestadores de SMT.

Do direito de utilização de frequências ICP-ANACOM n.º 05/2008 detido pela Radiomóvel não emerge qualquer direito de obter interligação com a rede fixa e nómada da PTC nos termos solicitados que, por isso, a PTC considera não estar obrigada a satisfazer.

  • A TMN

A resposta enviada pela TMN à ANACOM segue a mesma linha de argumentação que foi deduzida pela PTC. À semelhança da PTC, esta empresa invoca a extemporaneidade do pedido que refere ter na sua origem o pedido de interligação dirigido pela Radiomóvel à TMN em 12 de Dezembro de 2002.

Exactamente com base nos mesmos fundamentos invocados pela PTC, a TMN afirma que do título habilitante detido pela Radiomóvel não emerge qualquer direito de obter interligação com a sua rede móvel, fixa e nómada nos termos solicitados que, por isso, a TMN considera não estar obrigada a satisfazer.

  • A Sonaecom

(1) A argumentação usada pela Sonaecom para sustentar a recusa de celebração do acordo de interligação pretendido pela Radiomóvel assenta nas dúvidas que aquela empresa possui relativamente à existência de um direito à interligação por parte da Radiomóvel enquanto prestadora de SMRP.

Perante esta dúvida, a Sonaecom refere que transmitiu à Radiomóvel que considera inoportuna uma decisão sobre o pedido de interligação antes do desfecho da acção administrativa especial intentada pela OPTIMUS contra o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e a ANACOM (processo n.º 1032/05.8BEPRT), na qual, entre outras questões, se discute o âmbito e alcance do direito de interligação na titularidade dos prestadores do SMRP.

Na óptica da Sonaecom a deliberação da ANACOM, que em 16.04.2008 procede à adaptação da licença da Radiomóvel, não implica qualquer modificação da dúvida manifestada.

(2) Para além de tudo a Sonaecom acrescenta que, no seu entendimento, a deliberação que adapta o direito de utilização de frequências conferido à Radiomóvel é inexistente uma vez que é incompleta em aspectos essenciais, incluindo os termos concretos em que a Radiomóvel tem direito a interligar a sua rede móvel com outras redes, pois considera ser essencial a definição dos termos do limite de «15% do número total de comunicações efectuadas no mesmo grupo, em cada trimestre» e a disponibilização de informação sobre se o mesmo está ou não respeitado, uma vez que este aspecto delimita a sua obrigação de dar interligação.

Entende aquela empresa que, não estando o acima indicado limite de 15% definido, não existe obrigação de dar interligação, estando mesmo a Sonaecom impedida de cumprir tal obrigação.

  • A Vodafone

Em resposta à notificação endereçada pela ANACOM, a Vodafone vem sustentar (1) a extemporaneidade do pedido formulado pela Radiomóvel que qualifica como (2) ilegal e incompatível com a (3) obrigação legal de interligação a que a Vodafone se encontra adstrita.
(1) Extemporaneidade do pedido

Tal como a PTC e a TMN, também a Vodafone alega a extemporaneidade do pedido deduzido pela Radiomóvel o qual tem a sua origem numa carta já enviada em 19 de Agosto de 2003, acrescentando que os motivos de recusa da Vodafone em nada diferem dos que foram comunicados à Radiomóvel naquela data. Assim e porque considera que se mantêm inalterados o pedido, os fundamentos e as partes entre as quais existe conflito, a Vodafone conclui que a ANACOM deve, nos mesmos termos do que já decidiu em 16 de Novembro de 2006 na sequência de anterior pedido de intervenção apresentado pela Radiomóvel para obter interligação, decidir pela extemporaneidade do pedido formulado pela Radiomóvel que, como tal, deve ser indeferido.

(2) A ilegalidade da pretensão da Radiomóvel

Sem conceder e na linha do que então diz ter defendido, a Vodafone vem sustentar também a ilegalidade da pretensão da Radiomóvel.

i. Ilegalidade da pretensão da Radiomóvel - discriminação positiva

Assim, por um lado, contesta que a oposição à interligação seja uma recusa de um direito basilar da Radiomóvel que pode sempre interligar-se com um operador de SFT e acrescenta que a ser ordenada outro tipo de interligação - com os operadores móveis - haverá uma discriminação positiva e ilegal da Radiomóvel que beneficiará de condições muito mais favoráveis para a oferta de serviços móveis idênticos aos que são disponibilizados pela Vodafone.

É neste contexto que a Vodafone tem contestado as deliberações da ANACOM que alteraram a licença da Radiomóvel e que determinam que esta empresa seja admitida a prestar serviços concorrentes aos seus.

ii. Ilegalidade da pretensão da Radiomóvel - utilização imprópria das frequências e recursos de numeração

Entende a Vodafone que a Radiomóvel, através de uma utilização imprópria dos recursos de numeração e dos direitos de utilização de frequências, utiliza o domínio público radioeléctrico para a prestação de serviços de natureza móvel diferentes do SMRP que têm um efeito análogo aos prestados pelos operadores do serviço móvel. Acrescenta aquela empresa que, nesta matéria, tem um entendimento idêntico ao que é sustentado pela ANACOM nos processos instaurados pela Radiomóvel para obter a anulação das deliberações proferida pela Autoridade Reguladora em 20 de Outubro de 2005 e Abril de 2006.

Salienta que a oposição do Regulador à forma como a Radiomóvel utilizava as frequências que lhe foram consignadas e os recursos de numeração que lhe foram conferidos determinou que, em 17 de Janeiro de 2008, fosse instaurado à Radiomóvel um processo de contra-ordenação por incumprimento de condições de utilização das frequências, bem como por utilização ineficiente das mesmas.

Mas considera inexplicável a postura da ANACOM no momento em que esta delibera reconhecer aos operadores SMRP o direito de prestar serviços móveis sem para tal se submeter a qualquer tipo de concurso público (no âmbito da deliberação “SMT450”), decisão esta que foi impugnada pela Vodafone no âmbito do processo 1137/08.1 BELSB.

iii. Alteração do direito de utilização de frequências

A Vodafone manifesta a sua discordância perante a alteração do conteúdo do direito de utilização das frequências da Radiomóvel, decisão que contesta porque:

a) Remove do objecto da licença - SMRP e respectiva definição - do anexo das condições gerais;

b) Inclui a ''condição'' de a Radiomóvel negociar a interligação e obter o acesso e a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público;

c) Refere, no anexo 2, a possibilidade de o SMRP permitir o estabelecimento de comunicações de membros de um grupo fechado de utilizadores com utilizadores finais de outros serviços de comunicações electrónicas;

d) Define o termo ''acessoriamente'' como número máximo de chamadas originadas num determinado grupo da Radiomóvel e terminadas noutras redes (15% por trimestre); e

e) Inclui no título de habilitação daquela empresa a possibilidade de a mesma se interligar com outros operadores quando anteriormente apenas era admitida a possibilidade daquela empresa se interligar com operadores do serviço fixo de telefone (SFT).

Assim, conclui que a licença da Radiomóvel não foi ''readaptada'' mas sim materialmente alterada sem para o efeito se ter observado o procedimento do artigo 20.º da LCE.

A Vodafone considera que a alteração dos direitos de utilização da Radiomóvel, nos termos em que foi promovida, é desnecessária e a sua utilidade discutível para garantir a interligação a ''título acessório'', já que esta sempre existiu através do direito de a Radiomóvel se interligar com o SFT.

A Vodafone manifesta o seu desconhecimento relativamente aos pressupostos que determinaram a fixação de uma percentagem de 15% como limite máximo de chamadas originadas num determinado grupo da Radiomóvel e terminadas noutras redes, apontando ainda que este limite é impossível de controlar pelos operadores e pela ANACOM.

Desde logo porque a interligação apenas é admitida como acessória e o carácter acessório das comunicações é absolutamente impossível de controlar. Ora, sendo impossível de garantir a acessoriedade destas comunicações, nunca pode defender-se que o conteúdo essencial dos direitos da Vodafone enquanto prestadora do serviço móvel fica acautelado.

Com base no acima exposto, a Vodafone conclui que a interligação pretendida pela Radiomóvel não só não é necessária como apenas serve para perpetuar a situação de ilegalidade da oferta daquela empresa e, como tal, conclui que o pedido de interligação apresentado não pode deixar de ser considerado irrazoável, devendo a ANACOM abster-se de decidir sobre o mesmo pelo menos até ao desfecho dos processos em curso.

(3) A obrigação legal de interligação

Refere a Vodafone que de acordo com as decisões tomadas pela ANACOM no termo da análise dos mercados grossistas de terminação de chamadas, a TMN, a Vodafone e a Optimus ficaram obrigadas a dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso, permitindo que outros operadores completem chamadas originadas nas suas redes e terminadas nas redes de operadores de rede móvel acima indicados - decisões de Fevereiro de 2005 e de Julho de 2008.

Evidencia a Vodafone que a obrigação de dar acesso apenas ocorre quando o pedido é razoável, atributo a que, na óptica daquela empresa, o pedido da Radiomóvel não obedece. Com efeito, refere a Vodafone que o pedido de interligação apresentado pela Radiomóvel é tudo menos razoável, na medida em que lhe permitirá oferecer ao público serviços para os quais não se encontra habilitada. Não assistindo à Radiomóvel um direito à interligação nos termos em que este foi requerido, deve a ANACOM abster-se de tomar uma decisão que possa conflituar ou mesmo prejudicar o desfecho das acções judiciais em curso, resultando desta decisão um dano maior para os operadores de SMT enquanto entidades igualmente merecedoras da supervisão por parte do Regulador.

Conclui a Vodafone que não se encontra obrigada a disponibilizar interligação à Radiomóvel, consistindo tal obrigação, a existir, uma flagrante violação dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Notas
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1 De acordo com aquela disposição, «constituem direitos das empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público: a) Negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nas condições e nos termos previstos na presente lei;».
2 Esta disposição estabelece que «os operadores têm direito, e quando solicitados por outros, a obrigação de negociar a interligação entre si com vista à prestação dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público por forma a garantir a oferta e a interoperabilidade dos serviços».