1.2. A Recomendação da CE e o processo de análise de mercados


Em 9 de outubro de 2014, a CE publicou a revisão da Recomendação sobre mercados relevantes - Recomendação 2014/710/UE1, a qual substitui a Recomendação da Comissão 2007/879/CE2 que, por sua vez, substituiu a Recomendação 2003/311/CE, relativa aos mercados relevantes de produtos e serviços no sector das comunicações eletrónicas suscetíveis de regulamentação ex-ante em conformidade com a Diretiva 2002/21/CE3 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (doravante “nova Recomendação”).

Ao contrário da anterior versão da Recomendação que previa sete mercados relevantes4, um a nível retalhista5 e os restantes seis a nível grossista6, a nova Recomendação passa a incluir apenas os seguintes quatro mercados:

  • Mercado 1: Terminação grossista de chamadas em redes telefónicas públicas individuais num local fixo
  • Mercado 2: Terminação grossista de chamadas de voz em redes móveis individuais
  • Mercado 3: a) Acesso local grossista num local fixo

 b) Acesso central grossista num local fixo para produtos de grande difusão

  • Mercado 4: Acesso de elevada qualidade grossista num local fixo

Os mercados presentemente em análise correspondem aos atuais mercados 1, que por sua vez correspondiam ao mercado 3 da Recomendação 2007/879/CE e ao mercado 9 da 2003/311/CE.

De forma equivalente às anteriores versões da Recomendação, a atual é acompanhada de uma “Exposição de Motivos”7 onde a CE justifica a definição dos novos mercados.

A Lei n.º 5/20048, de 10 de fevereiro (doravante Lei das Comunicações Eletrónicas (LCE))9, aprovou o regime jurídico aplicável às redes e serviços de comunicações eletrónicas e aos recursos e serviços conexos, definindo as competências da Autoridade Reguladora Nacional (ARN) neste domínio.

Compete à ARN, a ANACOM, definir e analisar os mercados relevantes, declarar as empresas com PMS e determinar as medidas adequadas às empresas que oferecem redes e serviços de comunicações eletrónicas (art.º 18.º da LCE).

Este processo desenvolve-se de acordo com as seguintes fases (art.os 55.º a 61.º da LCE)10:

  • Definição dos mercados relevantes (art.º 58.º da LCE)

Compete à ARN definir os mercados relevantes de produtos e serviços do sector das comunicações eletrónicas, incluindo os mercados geográficos relevantes, em conformidade com os princípios do direito da concorrência.

Na definição de mercados relevantes deve a ARN, em função das circunstâncias nacionais, ter em conta a Recomendação e as Linhas de Orientação da CE11 relativas à análise e avaliação do PMS no âmbito do quadro regulamentar comunitário para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (daqui em diante designadas por “Linhas de Orientação”).

  • Análise dos mercados relevantes (art.º 59.º da LCE)

Compete à ARN analisar os mercados relevantes definidos nos termos do ponto anterior, tendo em conta as Linhas de Orientação.

O procedimento de análise de mercado tem como objetivo investigar a existência de concorrência efetiva. Não existe concorrência efetiva caso seja possível identificar empresas com PMS12.

Considera-se que uma empresa tem PMS se, individualmente13 ou em conjunto com outras, gozar de uma posição equivalente a uma posição dominante, ou seja, de uma posição de força económica que lhe permita agir, em larga medida, independentemente dos concorrentes, dos clientes e dos consumidores.

  • Imposição, manutenção, alteração ou supressão de obrigações regulamentares (art.o 66.º da LCE)

Caso a ANACOM conclua que um mercado é efetivamente concorrencial, deve abster-se de impor qualquer obrigação regulamentar específica e, se estas existirem, deve suprimi-las.

Caso a ANACOM determine que o mercado relevante não é efetivamente concorrencial, compete-lhe impor às empresas com PMS nesse mercado as obrigações regulamentares específicas adequadas, ou manter ou alterar essas obrigações, caso já existam (art.º 59.º).

As obrigações impostas (cfr. n.º 3 do art.º 55.º):

  • devem ser adequadas ao problema identificado, proporcionais e justificadas à luz dos objetivos de regulação consagrados no art.º 5.º da LCE;
  • devem ser objetivamente justificáveis em relação às redes, serviços ou infraestruturas a que se referem;
  • não podem originar uma discriminação indevida relativamente a qualquer entidade;
  • devem ser transparentes em relação aos fins a que se destinam.
Notas
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1 Foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE), de 16 de outubro de 2014: Recomendação da Comissão 2014/710/UE, de 9 de outubro de 2014 Link externo.http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32014H0710&from=EN (versão portuguesa retificada em 14 de maio de 2015 disponível em Jornal Oficial da União Europeia de 14 de maio de 2015 Link externo.http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=OJ:L:2015:121:FULL&from=PT#bookmark_nopage_009).
2 Disponível em Recomendação da Comissão 2007/879/CE, de 17 de Dezembro de 2007 Link externo.http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2007:344:0065:0069:pt:PDF.
3 Disponível em Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 07.03.2002https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=963124.
4 Em bom rigor, o número de mercados relevantes para efeitos de definição e análise identificado pela CE era superior a sete, pois os mercados de terminação de chamadas em redes telefónicas públicas individuais, móveis ou em local fixo, eram definidos ao nível de cada rede telefónica, pelo que podiam existir pelo menos tantos mercados relevantes quantas as redes telefónicas públicas individuais.
5 Mercado 1: Acesso à rede telefónica pública num local fixo para clientes residenciais e não residenciais.
6 Que são os seguintes:
- Mercado 2: Originação de chamadas na rede telefónica pública num local fixo;
- Mercado 3: Terminação de chamadas em redes telefónicas públicas individuais num local fixo;
- Mercado 4: Fornecimento grossista de acesso à infraestrutura de rede num local fixo;
- Mercado 5: Fornecimento grossista de acesso em banda larga;
- Mercado 6: Fornecimento grossista de segmentos terminais de linhas alugadas; e
- Mercado 7: Terminação de chamadas vocais em redes móveis individuais.

7 “Exposição de Motivos” disponível em Explanatory Note accompanying the Commission Recommendation on relevant product and service markets within the electronic communications sector Link externo.https://ec.europa.eu/digital-agenda/en/news/explanatory-note-accompanying-commission-recommendation-relevant-product-and-service-markets (apenas versão em inglês).
8 Alterada e republicada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro e posteriormente alterada pela Lei n.º 10/2013, de 28 de janeiro (artigos 39.º, 52.º, 94.º e 113.º e aditamento do artigo 52.º-A); pela Lei n.º 42/2013, de 3 de julho (artigos 45.º e 113.º); pelo Decreto-Lei n.º 35/2014, de 7 de março (revogação do artigo 124.º); pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro (artigo 106.º) e pela Lei n.º 127/2015, de 3 de setembro (artigo 106.º). Disponível em Lei n.º 5/2004, de 10 de fevereirohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=930940.
9 Este diploma transpõe para a ordem jurídica interna as Diretivas n.ºs 2002/19/CE (Diretiva “Acesso”), 2002/20/CE (Diretiva “Autorização”) e 2002/21/CE (Diretiva Quadro), todas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março, alteradas pela Diretiva n.º 2009/140/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro, a Diretiva n.º 2002/22/CE (Diretiva “Serviço Universal”), do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março, alterada pela Diretiva n.º 2009/136/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro, e a Diretiva n.º 2002/77/CE (relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas), da Comissão Europeia, de 16 de setembro.
10 Cf. Diretiva-Quadro, art.os 7.º e 14.º a 16.º.
11 Disponível em Orientações da Comissão 2002/C 165/03, de 11.07.2002https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=965114.
12 Também conforme as Linhas de Orientação (§24), ''No âmbito do quadro regulamentar, os mercados serão definidos e o PMS avaliado com metodologias idênticas às do direito da concorrência. (...) e a avaliação da concorrência efetiva pelas ARN devem ser coerentes com a jurisprudência e a prática em matéria de concorrência. Com vista a garantir essa coerência, as presentes orientações baseiam-se em: 1. Jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância e do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias no que diz respeito à definição de mercado e à noção de posição dominante na aceção do artigo 82.º do Tratado CE e do artigo 2.º do regulamento relativo ao controlo das concentrações''.
13 Note-se que, de acordo com o Acórdão TJCE, de 12 de julho de 1984, Hydrotherm, a noção de empresa ''deve ser entendida como designando uma unidade económica do ponto de vista do objeto do acordo em causa, mesmo que, do ponto de vista jurídico, esta unidade económica seja constituída por várias pessoas físicas ou morais''.
De acordo com o art.º 3.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 19/2012, de 8 de maio (que aprova o regime jurídico da concorrência), ''1 - Considera-se empresa, para efeitos da presente lei, qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de funcionamento. 2 - Considera-se como uma única empresa o conjunto de empresas que, embora juridicamente distintas, constituem uma unidade económica ou mantêm entre si laços de interdependência decorrentes, nomeadamente: a) De uma participação maioritária no capital; b) Da detenção de mais de metade dos votos atribuídos pela detenção de participações sociais; c) Da possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou de fiscalização; d) Do poder de gerir os respetivos negócios.''