3. Apreciação


3.1. Tal como já foi salientado na decisão desta Autoridade de 7 de abril de 2016, a NOS incorre na errónea convicção de que a situação das interferências provenientes de uma rede privativa de trunking marroquina se enquadra (ou poderia por via interpretativa enquadrar-se) no âmbito das restrições previstas no anexo 1 do Regulamento do Leilão Multifaixa.

Por sua vez, a Vodafone (somente) agora vem informar a ANACOM que constatou a existência de interferências na faixa dos 800 MHz, sendo o setor que aponta para Marrocos o mais afetado. Para tanto, baseia-se em registos espectrais obtidos por uma antena apontada para sul (azimute 160.º), para os quais não apresenta os pressupostos das medições, i.e., os settings do recetor utilizado o que, naturalmente, condiciona a apreciação das medições efetuadas.

De facto, é notória a incongruência entre os níveis de intensidade que são reportados pela Vodafone e os níveis que a NOS indica sofrer. De realçar que a origem das interferências registadas pela Vodafone ainda não foi confirmada pelos serviços de Monitorização e Controlo do Espectro da ANACOM.

Estranha-se ainda os níveis de interferência apresentados pela Vodafone dada a sobreposição muito limitada dos canais utilizados pelo operador marroquino na faixa de frequências atribuída à Vodafone.

Não obstante, tal como esta Autoridade vem sustentando, não existe qualquer relação entre as interferências reportadas pela NOS (e agora pela Vodafone) e as restrições técnicas em causa na decisão relativa à notificação sobre o fim das restrições existentes à operação na faixa de frequências dos 800 MHz.

Com efeito e como é do conhecimento de ambas as empresas, o anexo 1 do citado Regulamento refere-se tão só às condições técnicas/restrições impostas à utilização da faixa dos 800 MHz, em decorrência da aplicação da Decisão da Comissão Europeia n.º 2010/267/UE, de 6 de maio1, bem como do Acordo de Genebra (UIT GE06), relativo ao serviço de radiodifusão terrestre, e outros, nas faixas de frequências 174-230 MHz e 470-862 MHz.

Ou seja, na elaboração do Regulamento do Leilão Multifaixa atendeu-se à necessidade de garantir a proteção das estações (espanholas e marroquinas) identificadas nos termos do citado Acordo de Genebra, embora considerando também que as referidas estações protegidas poderiam causar interferências em estações instaladas em Portugal na faixa dos 800 MHz.

Quaisquer interferências que a utilização daquela faixa pudesse sofrer, em virtude do funcionamento de estações a operar fora do âmbito do Acordo de Genebra, implicariam uma intervenção por parte do regulador, com vista à sua resolução através de contactos bilaterais ou multilaterais com as administrações envolvidas –, não sendo assim passíveis de ser acrescentadas ao leque de restrições relevantes e justificativas de um adiamento do início da contagem dos prazos aplicáveis à entrada em vigor da integralidade das obrigações associadas aos direitos de utilização da faixa dos 800 MHz.

Neste contexto, importa referir que ao nível do direito internacional, o Regulamento das Radiocomunicações2 estabelece os direitos e obrigações3 relativas às utilizações do espectro e o respetivo estatuto4, nomeadamente sujeitos a planos internacionais (como é o caso do UIT GE06). É nestes termos que este Regulamento estabelece, no seu artigo 15.º 5, os procedimentos que devem ser observados caso se verifiquem infrações ao que no mesmo se dispõe (p. ex. a ocorrência de interferências); procedimentos que a ANACOM respeitou e cumpriu tendo em vista a resolução das interferências relatadas pela NOS.

De facto, assim que a situação lhe foi comunicada, a ANACOM verificou a existência de interferências, acompanhou conjuntamente com os serviços da NOS a sua evolução, realizou uma ação de verificação do espectro em conjunto com os serviços da NOS e confirmou que as interferências provinham de uma rede privativa de trunking marroquina e de imediato encetou contactos com a sua congénere marroquina no sentido de as solucionar, tendo sido nesse sentido celebrado um acordo com a ANRT e a NOS.

É de relevar ainda que o processo de interferências em causa não impacta somente em operadores portugueses que operam na faixa dos 800 MHz, pois o operador marroquino que opera nesta faixa também se encontra afetado pelas emissões provenientes de Portugal, situação que é do pleno conhecimento da NOS, na sequência da reunião bilateral realizada entre a ANACOM e congénere marroquina.

A partir dessa data, o acordo alcançado foi implementado por fases, i.e., ambos os operadores (a NOS e operador marroquino) ficaram de implementar sucessivamente determinadas técnicas de mitigação na tentativa de resolver os problemas de interferência.

No e-mail enviado pela NOS à ANACOM, a 4 de dezembro de 2015, aquela empresa indicou ter efetuado as ações que lhe competiam, estando em falta informação sobre se o operador marroquino já havia implementado as soluções preconizadas.

A ANACOM enviou um e-mail à ANRT, a 18 de dezembro de 2015, dando conhecimento dos desenvolvimentos efetuados por parte de NOS e solicitando um ponto de situação quanto às ações a cargo do operador marroquino, ao qual a ANRT respondeu – a 21 de dezembro de 2015 – indicando que o operador marroquino:

  • não tinha conseguido realizar uma das tarefas acordadas que estava a seu cargo (i.e. não conseguiu detetar as estações da NOS que lhe estariam a provocar interferências);
  • tinha diminuído a potência em 10 Watts nas estações instaladas em pontos mais elevados em Casablanca e Rabat;
  • encontrar-se-ia em fase de substituição das antenas omnidirecionais por antenas diretivas.

Desde 23 de outubro de 2015 que os serviços técnicos da ANACOM e da NOS têm mantido contacto contínuo de forma a verificar a existência de casos de interferência, bem como formas de mitigar ou minimizar os mesmos.

A ANACOM insistiu junto da ANRT em 21 de março de 2016, solicitando-lhe informações atualizadas sobre os procedimentos adotados pelo operador marroquino, e em resposta, de 31 de março de 2016 foi informada que, devido a dificuldades na aquisição das antenas diretivas, somente durante o mês de abril de 2016 o operador marroquino poderia proceder à substituição das antenas omnidirecionais por antenas diretivas.

Em 20 de abril de 2016, a ANACOM recebeu um e-mail da ANRT concretizando que durante essa semana o operador marroquino iria finalizar as alterações à sua rede.

A ANACOM tem colaborado com a NOS no sentido de monitorizar se as alterações efetuadas pelo operador marroquino resultaram numa diminuição ou não das interferências registadas, estando a ultimar o respetivo relatório, do qual será dado conhecimento à congénere marroquina bem como à NOS.

Em suma, os casos de interferências referidas na reclamação têm um enquadramento legal diferente do previsto no âmbito do Regulamento do Leilão Multifaixa por se tratar de estações que (i) não estão abrangidas pela Decisão 2010/267/UE, dado que a mesma não se aplica a Marrocos e (ii) não estão abrangidas pelo Acordo de Genebra (UIT GE06), que abrange essencialmente estações de radiodifusão sonora (e não redes privativas), pelo que a situação só poderia ser resolvida através de acordos bilaterais de coordenação, como se diligenciou que fosse.

Neste sentido, não assiste razão à NOS e à Vodafone quando alegam que o anexo 1 do Regulamento do Leilão Multifaixa permite uma interpretação extensiva à luz do pensamento do legislador, dado que as condições técnicas/restrições aplicáveis à utilização da faixa dos 800 MHz ali estabelecidas apenas se referem às condicionantes impostas à utilização do espectro pelos acordos internacionais em vigor na ordem jurídica portuguesa (Acordo de Genebra - UIT GE06), não tendo sido associadas a uma dada tecnologia ou a circunstâncias especificamente conhecidas à data da aprovação do Regulamento do Leilão Multifaixa.

Acresce que, se outras condições/restrições técnicas à operação na faixa dos 800 MHz fossem conhecidas à data de aprovação do citado Regulamento (p. ex. a ocorrência de interferências devido a condições de propagação imprevisíveis), as mesmas sempre seriam analisadas caso-a-caso e objeto de resolução através da coordenação das administrações envolvidas, não sendo - enquanto restrições sofridas de facto e não restrições administrativamente impostas - passíveis de serem incluídas no anexo 1 do Regulamento.

3.2. Quanto à alegação da NOS de que a ANACOM não notificou as empresas do fim das restrições na faixa dos 800 MHz logo que “formalmente possível”, ou seja, imediatamente após o switch off das estações de radiodifusão de Espanha (em março de 2015), por (presume a NOS) subsistirem interferências relevantes nessa faixa, importa recordar o seguinte:

  • Não obstante, em março de 2015, Espanha ter libertado o espectro em causa, as estações de radiodifusão de Marrocos ainda se encontravam a operar nesta faixa, tendo o respetivo switch-off ocorrido em 17 de junho de 2015, conforme previsto no Acordo de Genebra (UIT GE06);
  • Tal como a ANACOM esclareceu no relatório de audiência prévia e consulta pública relativo ao sentido provável de decisão associado à determinação das velocidades de referência associadas às obrigações de cobertura na faixa de frequências dos 800 MHz6, «(…) a entrada em vigor dessas obrigações não está condicionada pelas situações referidas anteriormente [interferências nas zonas transfronteiriças], dependendo, outrossim, nos termos do disposto no n.º 8 do artigo 34.º do Regulamento do Leilão, da notificação aos operadores do fim das restrições existentes à operação da faixa dos 800 MHz, como tal identificadas no anexo 1 do mesmo Regulamento, a qual será efetuada após esta decisão». Ora, como a NOS bem sabe, a ANACOM adotou em 3 de março de 2016 a referida decisão e notificou os operadores, em 10 de março de 2016, do fim das restrições existentes à operação na faixa dos 800 MHz.

Com efeito, a ANACOM não tinha como, formal ou materialmente, notificar o fim das restrições à utilização da faixa dos 800 MHz em data anterior a março de 2016, sob pena de se iniciar o prazo de implementação das referidas obrigações de cobertura sem que as mesmas estivessem devidamente especificadas (nas duas vertentes relevantes, a geográfica7 e a velocidade de referência).

Dito de outro modo, a ANACOM estava legalmente vinculada a notificar o fim das restrições existentes à operação na faixa de frequências dos 800 MHz, tais como identificadas no anexo 1 do Regulamento do Leilão Multifaixa, logo que estivessem concretizadas as duas vertentes das obrigações de cobertura impostas e tivesse cessado a necessidade de respeitar aquelas restrições.

3.3. Por outro lado, tal como se referiu na decisão desta Autoridade de 7 de abril de 2016, importa evidenciar que caso a pretensão da NOS procedesse, ficariam seriamente prejudicados os objetivos de interesse público subjacentes às condições associadas aos direitos de utilização de frequências atribuídos na faixa dos 800 MHz, dado que se suspenderia o cumprimento das obrigações de cobertura e de acesso atualmente em vigor, facto que a Vodafone reconhece e com o qual concorda em absoluto.

O adiamento do cumprimento destas obrigações, que visam beneficiar as populações abrangidas pelas mesma e incentivar a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, seria necessariamente prejudicial para o interesse público.

Com efeito, a NOS bem sabe que os titulares dos direitos de utilização de frequência na faixa dos 800 MHz estão sujeitos a obrigações de cobertura na referida faixa8, as quais devem ser cumpridas no prazo de 6 meses e de um ano, respetivamente para 50% e 100% das freguesias em causa, contados da data da notificação da decisão reclamada9.

Assim como também sabe que as obrigações de acesso à rede a que estão sujeitos na mesma faixa de frequências devem ser cumpridas pelo prazo de 10 e 5 anos, respetivamente para os acordos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 35.º do Regulamento do Leilão Multifaixa e para os acordos previstos na alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo, prazos que em ambos os casos são também contados a partir da data da notificação da decisão reclamada.

3.4. Quanto ao (pretenso) pedido de redução do valor da taxa aplicável à faixa dos 800 MHz, importa sublinhar, como é do pleno conhecimento da NOS e da Vodafone, que, sendo a taxa um tributo, só nos casos legalmente previstos se pode proceder à sua redução (cfr. artigo 8.º e n.º 2 do artigo 30.º da Lei Geral Tributária).

Ora, não só os factos invocados por ambas não estão legalmente previstos como causa da redução desta taxa, como não é possível fazer uma interpretação (extensiva) da norma que a prevê de modo a abranger os referidos factos (cfr. artigo 4.º da Portaria
n.º 291-A/2011, de 4 de novembro).

Efetivamente, a redução da taxa está apenas associada às restrições impostas à utilização da faixa dos 800 MHz nos termos previstos no anexo 1 do Regulamento do Leilão Multifaixa. Cessando as restrições e tendo sido o facto comunicado aos três operadores móveis através da notificação da decisão ora reclamada, cessou também aquela redução.

Pelo exposto, não procedem igualmente os argumentos destas empresas de que, se a ocorrência das interferências provenientes de Marrocos fosse antecipável à data da aprovação do Regulamento do Leilão Multifaixa, as mesmas teriam sido consideradas no âmbito das restrições relevantes para efeitos do cumprimento das obrigações associadas à faixa dos 800 MHz, bem como na redução da taxa aplicável.

3.5. Quanto à alegação de que a manutenção da decisão reclamada consubstancia um tratamento desigual dos titulares de direitos de utilização de frequências nesta faixa, importa evidenciar o seguinte:

  • A ANACOM clarifica que o conceito de espectro “isento de interferências”, ou seja, a inexistência de sinais radioelétricos mensuráveis, é um conceito inadequado. De facto, o estabelecimento de redes de comunicações eletrónicas baseadas em recursos espectrais assenta no princípio de que “emissões não-desejadas” – como tal definido no Regulamento das Radiocomunicações – não são inexistentes, carecendo, no entanto, de ser objeto de delimitação e definição, nomeadamente através de normas e/ou recomendações de direito internacional. Neste contexto, releva-se que num sistema de radiocomunicações existe assim um risco de interferências que não é nulo, implicando um adequado planeamento da rede.
  • As interferências com origem em Marrocos não são permanentes, mas pontuais e de difícil previsão pelo que, face ao exposto no ponto anterior, no planeamento de uma rede o operador deve atender à suscetibilidade da mesma se encontrar exposta a situações de degradação, quer seja por interferências provenientes de outras utilizações (neste caso, devido a emissões de uma rede privativa de trunking de Marrocos) ou por emissões da própria rede ou ainda de redes de operadores que operam em canal adjacente (note-se, a este propósito, que a Decisão 2010/267/UE10 relativa à harmonização das condições técnicas de utilização da faixa dos 800 MHz estabeleceu, para estes casos, “máscaras de extremo de bloco” (BEM), ou seja, máscara de emissão). Para esse efeito, são relevantes os acordos de coordenação tal como os vários acordos celebrados entre Portugal e Espanha, no âmbito das redes de comunicações móveis, dos quais a NOS tem conhecimento.

Assim, ainda que as referidas interferências tenham o impacto que a NOS alega, resultam de factos cujos riscos de uma eventual ocorrência compete às empresas acautelar no âmbito do planeamento das suas redes, quando exploram um recurso desta natureza.

Notas
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1 Relativa à harmonização das condições técnicas de utilização da faixa de frequências de 790-862 MHz por sistemas terrestres capazes de fornecer serviços de comunicações eletrónicas na União Europeia.
2 Disponível em Radio Regulations Link externo.http://www.itu.int/pub/R-REG-RR/en.
3 Vide artigo 8.1The international rights and obligations of administrations in respect of their own and other administrations’ frequency assignments1 shall be derived from the recording of those assignments in the Master International Frequency Register (the Master Register) or from their conformity, where appropriate, with a plan. Such rights shall be conditioned by the provisions of these Regulations and those of any relevant frequency allotment or assignment plan.”.
4 Vide artigo 8.3 “...In addition, frequency assignments in frequency bands subject to coordination or to a plan shall have a status derived from the application of the procedures relating to the coordination or associated with the plan.
5 Em particular a disposição 15.23 estabelece que “In the settlement of these problems, due consideration shall be given to all factors involved, including the relevant technical and operating factors, such as: adjustment of frequencies, characteristics of transmitting and receiving antennas, time sharing, change of channels within multichannel transmissions”. De relevar também as disposições 15.31If a case of harmful interference so justifies, the administration having jurisdiction over the receiving station experiencing the interference shall inform the administration having jurisdiction over the transmitting station whose service is being interfered with, giving all possible information.”, e 15.32If further observations and measurements are necessary to determine the source and characteristics of and to establish the responsibility for the harmful interference, the administration having jurisdiction over the transmitting station whose service is being interfered with may seek the cooperation of other administrations, particularly of the administration having jurisdiction over the receiving station experiencing the interference, or of other organizations”.
6 Disponível em Relatório dos procedimentos de audiência prévia e de consulta pública relativo ao sentido provável de decisão associado à determinação das velocidades de referência associadas às obrigações de cobertura na faixa de frequência dos 800 MHzhttps://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=385192.
7 Definida em 22.8.2013, nos termos que constam em Decisão de concretização da componente geográfica das obrigações de cobertura na faixa de frequências dos 800 MHzhttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1171334.
8 Fixadas pela ANACOM nos termos da deliberação de 22.08.2013, sobre concretização da componente geográfica das obrigações de cobertura na faixa de frequências dos 800MHz, e da deliberação de 03.03.2016, relativa à determinação da velocidade de referência associada às obrigações de cobertura na mesma faixa.
9 Note-se que a NOS nunca mencionou que estas obrigações de cobertura possam ser comprometidas em face desta interferência, objeto da sua reclamação.
10 Disponível em Decisão da Comissão (2010/267/UE), de 06.05.2010https://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1025103.