3. Apreciação


Neste enquadramento deve, então, averiguar-se (i) se a NOS alega e prova factos que demonstrem que a execução da decisão da ANACOM de 10 de março de 2016 lhe causa prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação e (ii) se as provas revelam uma probabilidade séria de veracidade dos factos alegados pela Reclamante.

3.1. Sem querer apreciar o mérito da reclamação, porque não é esta a sede própria, importa corrigir a errónea convicção da Reclamante de que a situação de interferências provenientes de uma rede privativa de trunking marroquina se enquadra no âmbito das restrições do anexo 1 do Regulamento do Leilão Multifaixa. Na verdade, não existe qualquer relação entre as interferências aqui em causa e a decisão relativa à notificação sobre o fim das restrições existentes à operação na faixa de frequências dos 800 MHz.

Como é do conhecimento da NOS, o anexo 1 do citado Regulamento refere-se tão só às condições técnicas/restrições a que esteve sujeita a utilização da faixa dos 800 MHz que decorrem da aplicação da Decisão da Comissão Europeia n.º 2010/267/UE, de 6 de maio1, bem como do Acordo de Genebra (UIT GE06), relativo ao serviço de radiodifusão terrestre, e outros, nas faixas de frequências 174-230 MHz e 470-862 MHz.

Ou seja, na elaboração do Regulamento do Leilão Multifaixa atendeu-se à necessidade de garantir a proteção das estações identificadas ao abrigo do citado Acordo de Genebra, considerando ainda que as referidas estações protegidas poderiam causar interferências em estações instaladas em Portugal na faixa dos 800 MHz.

Quaisquer interferências que a referida utilização pudesse sofrer, em virtude do funcionamento de estações que operem fora do âmbito do Acordo de Genebra, implicariam uma intervenção por parte do regulador, com vista à sua resolução ao nível de contactos bilaterais ou multilaterais com as administrações envolvidas - não seriam acrescentadas às circunstâncias justificativas de um adiamento da imposição da integralidade das obrigações associadas aos direitos de utilização da faixa dos 800 MHz. Ora esta é justamente a situação a que a Reclamante se reporta.

3.2. Não é a execução da decisão da ANACOM de 10 de março de 2016 que impacta na operação da NOS na faixa dos 800 MHz - o que lhe causa os alegados problemas são as interferências que refere sofrer e terem origem na rede privativa de trunking marroquina. A suspensão da decisão não poria termo a tais interferências e são estas que (eventualmente) tornam necessários os alegados investimentos adicionais e dificuldades a que a Reclamante se refere.

Na verdade, ainda que os factos alegados pela NOS tivessem o impacto que a mesma alega, eles não resultariam da decisão cuja suspensão é pedida, mas sim das interferências verificadas, as quais não cessam com a suspensão aquela decisão.

Efetivamente, os prejuízos que a NOS alega ter com a «(…) deteção do problema, alterações dos planos de instalação e mobilização de equipas e equipamentos de terreno com vista às alterações que não estavam planeadas, com custos significativos não contabilizados neste exercício» não decorrem da notificação do fim das restrições existentes à operação na faixa de frequências dos 800 MHz, mas antes, como a própria reconhece, das «(…) interferências provenientes de emissões originadas em Marrocos».

Assim, a NOS não demonstra como a execução da decisão da ANACOM de 10 de março de 2016 lhe causa (ou pode causar) prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação, limitando-se a alegar prejuízos, que como se viu ainda que existissem não teriam uma relação de causalidade com a decisão reclamada, para mais sem apresentar qualquer prova que demonstre inequivocamente os factos que invoca, em concreto no que se refere às alterações efetivamente realizadas ao nível da sua rede, aos respetivos custos e aos custos adicionais em que poderá ainda vir a incorrer caso as interferências persistam.

3.3. Por outro lado, importa evidenciar que caso a pretensão da NOS procedesse, ficariam seriamente prejudicados os objetivos de interesse público subjacentes às condições associadas aos direitos de utilização de frequências atribuídos na faixa dos 800 MHz, dado que se suspenderia o cumprimento das obrigações de cobertura e de acesso atualmente em vigor.

O protelamento do cumprimento destas obrigações, que visam beneficiar as populações abrangidas pelas mesma e incentivar a concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações eletrónicas, seria necessariamente prejudicial para o interesse público.

Note-se que a NOS nada refere sobre a questão de a suspensão da referida decisão não causar prejuízos de maior gravidade para o interesse público do que a não suspensão lhe causaria a ela própria.

Com efeito, a NOS bem sabe que os titulares dos direitos de utilização de frequência na faixa dos 800 MHz estão sujeitos a obrigações de cobertura na referida faixa2, as quais devem ser cumpridas no prazo de 6 meses e de um ano, respetivamente para 50% e 100% das freguesias em causa, contados da data da notificação da decisão reclamada.

Assim como também sabe que as obrigações de acesso à rede a que estão sujeitos na mesma faixa de frequências devem ser cumpridas pelo prazo de 10 e 5 anos, respetivamente para os acordos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 4 do artigo 35.º do Regulamento do Leilão Multifaixa e para os acordos previstos na alínea c) do n.º 4 do mesmo artigo, prazos que em ambos os casos são também contados a partir da data da notificação da decisão reclamada.

3.4. Nota-se ainda que não sendo o cumprimento das acima referidas obrigações de cobertura e de acesso afetado pelas interferências a que a NOS se refere, a única consequência que das mesmas a Reclamante parece pretender extrair é uma atenuação no valor da taxa aplicável à faixa 800 MHz.

Sendo a taxa um tributo, só nos casos legalmente previstos se pode proceder à sua redução (cfr.n.º 2 do artigo 30.º da Lei Geral Tributária). Ora, não só os factos invocados pela NOS não estão legalmente previstos como causa da redução desta taxa, como nem é possível fazer uma interpretação (extensiva) da norma que a prevê de modo a abranger os referidos factos (cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 291-A/2011, de 4 de novembro).

Efetivamente, a redução da taxa está apenas prevista para as restrições geográficas existentes à operação da faixa nos 800 MHz, nos termos do anexo 1 do Regulamento do Leilão Multifaixa, cujo fim foi notificado à Reclamante através da notificação da decisão ora reclamada.

Pelo exposto, não procede igualmente o argumento da NOS de que, se a ocorrência das interferências provenientes de Marrocos fosse antecipável à data do Regulamento do Leilão Multifaixa, a mesma teria sido considerada no âmbito das restrições relevantes para efeitos do cumprimento das obrigações associadas à faixa dos 800 MHz, bem como na redução da taxa aplicável.

Finalmente, ainda que a ora Reclamante viesse a conseguir ver anulada a decisão reclamada - o que se afirma sem conceder, apenas para efeitos de raciocínio - o prejuízo decorrente do pagamento integral da referida taxa, até ao termo do prazo de decisão da reclamação ora em causa, não se afigura irreparável ou de difícil reparação, como é evidente.

Neste contexto, entende-se que não estão preenchidos os requisitos que a lei estabelece para o decretamento da suspensão da execução da decisão de 10 de março de 2016, pelo que deve o pedido da NOS ser indeferido.

Notas
nt_title
 
1 Relativa à harmonização das condições técnicas de utilização da faixa de frequências de 790-862 MHz por sistemas terrestres capazes de fornecer serviços de comunicações eletrónicas na União Europeia.
2 Fixadas pela ANACOM nos termos da deliberação de 22.08.2013, sobre concretização da componente geográfica das obrigações de cobertura na faixa de frequências dos 800 MHz, e da deliberação de 03.03.2016, relativa à determinação da velocidade de referência associada às obrigações de cobertura na mesma faixa.