1. Questão prévia: verificação da competência material do ICP-ANACOM ao abrigo do artigo 12.º da LCE


Como supra se descreve nos pontos I – 2.3 a 2.12, a Cabovisão considera que o ICP-ANACOM não é materialmente competente para apreciar este litígio pelo facto de o seu objeto não respeitar a obrigações decorrentes do quadro regulamentar relativo às comunicações eletrónicas, mas antes a uma faculdade dos operadores a exercer com respeito pela legislação de proteção de dados pessoais e de privacidade.

O n.º 1 do artigo 12.º da LCE prevê a aplicabilidade do mecanismo de resolução de litígios transfronteiriços quando esteja em causa um litígio surgido no âmbito das obrigações decorrentes do quadro regulamentar relativo às comunicações eletrónicas, entre empresas a elas sujeitas e estabelecidas em Estados-Membros diferentes.

Esta disposição transpõe o n.º 1 do artigo 21.º da Diretiva-Quadro que prevê a aplicabilidade deste procedimento “em caso de litígio transfronteiriço sobre matéria do âmbito da presente diretiva ou das diretivas específicas, surgido entre partes estabelecidas em Estados-Membros diferentes”.

É igualmente clarificador o constante do considerando (32) da Diretiva 2002/21/CE, de acordo com o qual “Em caso de litígio entre empresas do mesmo Estado-Membro, num domínio abrangido pela presente diretiva ou pelas diretivas específicas, relacionado, por exemplo, com obrigações de acesso e interligação ou com os meios de transferir listas de assinantes, a parte lesada que tiver negociado de boa fé sem ter conseguido chegar a acordo, deve poder recorrer à autoridade reguladora nacional para a resolução do litígio”. O que aqui se explicita é igualmente aplicável aos litígios transfronteiriços, cujo âmbito de aplicação material coincide com o definido para os litígios surgidos entre empresas do mesmo Estado.

Tal significa que o que releva para a aplicação do procedimento de resolução de litígios transfronteiriços é o facto de o diferendo respeitar a matéria regulamentada pelo quadro relativo às comunicações eletrónicas, em particular ao cumprimento de obrigações sectorialmente previstas, pelas empresas a elas sujeitas, e à satisfação dos correspondentes direitos que a lei pode estabelecer a favor de empresas que não oferecem redes ou serviços de comunicações eletrónicas. Ora, o presente litígio respeita ao cumprimento pela Cabovisão da obrigação fixada no n.º 4 do artigo 50.º da LCE, a qual decorre do n.º 2 do artigo 25.º da Diretiva Serviço Universal que é uma das diretivas específicas a que se refere o citado artigo 21.º da Diretiva-Quadro. Esta obrigação recai sobre as empresas que atribuem números de telefone a assinantes e tem como beneficiárias as empresas que oferecem serviços de informações de listas e de listas acessíveis ao público, categoria em que a EDA se insere 1.

Recorde-se que a oferta de listas e serviços de informações de listas se encontra aberta à concorrência 2, pelo que o regime da Diretiva Serviço Universal veio, por um lado, dar aos assinantes o direito de os seus dados pessoais serem incluídos numa lista impressa ou eletrónica e, por outro, garantir que todos os prestadores de serviços que atribuem números de telefone aos seus assinantes sejam obrigados a disponibilizar as informações pertinentes em condições justas, baseadas nos custos e não discriminatórias, conforme explicita o considerando (35) da referida Diretiva.

Não há, pois, qualquer dúvida que o disposto no n.º 4 do artigo 50.º da LCE não está enquadrado no âmbito da prestação do serviço universal. Basta, aliás, atentar no facto de o artigo 89.º da LCE, respeitante à lista e serviço de informações de listas do serviço universal, fixar às empresas que oferecem serviços telefónicos acessíveis ao público obrigações específicas de transmissão das informações sobre os seus assinantes ao prestador de serviço universal (cf. n.ºs 2 e 3 do referido artigo).

Pelo exposto, não procede igualmente o argumento de que este litígio respeita às normas aplicáveis à proteção de dados pessoais e da privacidade e não ao quadro regulamentar das comunicações eletrónicas, sem prejuízo, naturalmente, de ser garantido pela própria LCE o respeito destas (cf. n.º 5 do artigo 50.º).

Conclui-se, assim, que o ICP-ANACOM é competente para a resolução do presente litígio.

Notas
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1 Embora não altere a conclusão exposta, refira-se que, na carta remetida pela EDA à Cabovisão em janeiro de 2011, aquela empresa refere estar também registada como prestador de serviços de comunicações eletrónicas, atividade que não é mencionada no pedido de resolução de litígios apresentado ao ICP-ANACOM.
2 Cf. artigo 5.º da Diretiva 2002/77/CE, da Comissão de 16 de setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e de serviços de comunicações eletrónicas.