2. A resposta da Cabovisão


2.1. Por ofício de 16 de março de 2011 1, o ICP-ANACOM notificou a Cabovisão do pedido de resolução de litígio apresentado pela EDA para que se pudesse pronunciar sobre o mesmo, tendo, na mesma data, dado conhecimento deste ofício à requerente 2.

2.2. A Cabovisão apresentou a sua resposta em 1 de abril de 2011 3.

2.3. Entende este operador que o ICP-ANACOM não tem competência para apreciar o pedido apresentado pela EDA, pois este não respeita a um litígio surgido no âmbito das obrigações decorrentes do quadro regulamentar relativo às comunicações eletrónicas.

2.4. Defende a Cabovisão que, como resulta expressamente da LCE, a “obrigação” contida no n.º 4 do artigo 50.º, invocada pela requerente, está sujeita às normas aplicáveis à proteção de dados pessoais e da privacidade, pelo que, em caso de conflito entre estas e a pretensa obrigação de satisfazer pedidos razoáveis, imperam as primeiras.

2.5. No mesmo sentido, a Cabovisão invoca também o n.º 5 do artigo 25.º da Diretiva Serviço Universal e o artigo 12.º da Diretiva 2002/58/CE, concluindo que a matéria objeto do litígio deve ser esclarecida e resolvida perante as autoridades de proteção de dados pessoais, às quais cabe decidir sobre a legitimidade da transmissão dos dados, e sujeita a uma eventual e posterior negociação entre as partes.

2.6. Adita a respondente que a EDA pretende obter do ICP-ANACOM determinadas ações que este não pode exercer, ou seja, este não pode obrigar a Cabovisão a celebrar um contrato de transmissão de dados pessoais, definir o âmbito e extensão dos dados a transmitir ou fixar o preço exigível por esta transmissão.

2.7. Quanto à ilação que a EDA retira da base legal invocada para sustentar o seu pedido (n.º 4 do artigo 50.º da LCE), afirma a Cabovisão que da mesma não decorre para si uma obrigação de facultar à requerente o acesso às suas bases de dados, questionando se o objetivo do legislador não foi o de enquadrar tal obrigação na problemática do serviço universal.

2.8. Neste contexto, refere a Cabovisão que a LCE é clara quando prevê nos n.ºs 1 e 2 do artigo 50.º que o direito dos assinantes de figurar nas listas telefónicas e de aceder aos serviços de informações de listas se refere aos serviços abrangidos no âmbito do serviço universal, previstos no n.º 4 do artigo 89.º.

2.9. Diz a respondente que poderia argumentar-se que o dever previsto no n.º 4 do artigo 50.º surge apenas e na medida em que o pedido for feito para a prestação dos referidos serviços no âmbito do serviço universal, não sendo líquido que, fora desse âmbito, um operador seja obrigado a dar a outro, seu potencial concorrente, o acesso integral à sua base de dados de assinantes.

2.10. Para a Cabovisão, uma tal obrigação constituiria uma interferência injustificada na esfera económica privada de cada operador, não admitida pela legislação da defesa da concorrência por não se estar perante um operador com posição dominante.

2.11. A título de mera curiosidade, refere ainda que nada impede que os utilizadores belgas se socorram dos serviços de informações de listas portuguesas, não sendo posto em causa o disposto no n.º 3 do artigo 50.º da LCE.

2.12. Conclui, então, que está aqui em causa uma faculdade, e não uma obrigação, dos operadores a exercer com respeito pela legislação de proteção de dados pessoais e de privacidade.

2.13. Sem prejuízo do referido, a Cabovisão salienta que o pedido da EDA não é razoável e não garante qualquer segurança no tratamento dos dados, pelo que, ainda que existisse uma obrigação da sua parte, não teria que o satisfazer.

2.14. Tal deve-se ao facto de o pedido não estar minimamente concretizado, não ser transparente e desconsiderar o problema da segurança dos dados e da potencial acessibilidade universal aos mesmos.

2.15. Acresce que, pelo acesso às bases de dados, a EDA exige que lhe sejam cobrados apenas os custos relativos à colocação efetiva desses dados ao dispor de terceiros, o que no entender da Cabovisão contribui para a sua falta de razoabilidade, uma vez que este operador teria custos não despiciendos com a necessária informação que teria que prestar a todos os seus clientes e a autorização que teria que solicitar-lhes para a inclusão dos seus dados nas listas da EDA.

2.16. A este propósito, refere a Cabovisão que o Acórdão C-109/03 do Tribunal de Justiça invocado pela EDA não é aplicável à presente situação, pois foi proferido num caso que opunha um prestador de serviço universal e editor de listas nesse âmbito a duas empresas que pretendiam aceder à sua base de assinantes para prestarem serviços de edição de listas concorrentes, quando recaía sobre o prestador uma inequívoca obrigação de fornecer essas informações.

2.17. Por fim, a respondente alega que não está sequer autorizada a transmitir os dados dos seus assinantes, por carecer do necessário consentimento inequívoco e expresso da sua parte, imposto pelos contratos de prestação de serviços de comunicações eletrónicas celebrados em cumprimento do disposto no artigo 48.º da LCE.

2.18. Esclarece a Cabovisão que a autorização dada por alguns assinantes respeita apenas à inclusão dos seus dados em listas nacionais.

2.19. Com base em todo o acima exposto, a Cabovisão solicita ao ICP-ANACOM que não aceite o pedido de resolução de litígio apresentado pela EDA.

Perante os factos acima descritos, e face aos pedidos formulados pela EDA, em 28 de julho de 2011 o Conselho de Administração do ICP-ANACOM aprovou um projeto de decisão no qual deliberou o seguinte, no âmbito do processo de resolução administrativa de litígios previsto no artigo 10.º da LCE:

1. Determinar à Cabovisão que, em resposta ao pedido que a EDA lhe dirigiu em janeiro de 2010 e em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 50.º da LCE, apresente à EDA as condições em que fornece as informações pertinentes sobre os seus assinantes para efeitos de oferta de serviços de informações de listas e de listas acessíveis ao público;

2. Para efeitos do disposto no número anterior, a proposta a apresentar deve ser razoável, visar a transmissão das informações pertinentes sobre os assinantes da Cabovisão, conter o formato e as condições a que deve obedecer o fornecimento dos dados, as quais devem ser justas, objetivas, orientadas para os custos e não discriminatórias;

3. Submeter à audiência prévia dos interessados, nos termos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código de Procedimento Administrativo, os pontos 1 e 2 da presente deliberação, fixando o prazo de 10 dias úteis para que a EDA e a Cabovisão, querendo, se pronunciem por escrito;

4. Remeter, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LCE, a presente decisão ao BIPT, fixando o prazo de 10 dias úteis para que, querendo, se pronuncie por escrito;

5. Remeter, no âmbito do dever de cooperação previsto no artigo 7.º da LCE e no artigo 8.º dos Estatutos do ICP-ANACOM, a presente decisão à Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) fixando o prazo de 10 dias úteis para que, querendo, se pronuncie por escrito.

As respostas recebidas no âmbito das consultas realizadas sobre o projeto de decisão, bem como o entendimento do ICP-ANACOM sobre as mesmas e a fundamentação das opções do regulador constam do Relatório da audiência prévia e outras consultas, anexo à presente deliberação e que dela faz parte integrante.

Notas
nt_title
 
1 ANACOM-S026210/2011.
2 ANACOM-S026213/2011.
3 Documento 2011047040.