Entendimento do ICP-ANACOM


No contexto da definição das obrigações de acesso à rede estabelecidas no regulamento do leilão, bem como de outras medidas fixadas, como o desconto no preço final dos lotes adquiridos nos 900 MHz, e os limites à aquisição do espectro (spectrum caps), que tiveram subjacentes preocupações de concorrência, importa relevar um conjunto de aspectos que seguidamente se explicitam.

1. Enquadramento nacional e comunitário das medidas adoptadas no projecto de Regulamento


a) Obrigações de acesso

O ICP-ANACOM refuta a alegação de ilegalidade do projecto de Regulamento tal como suscitada pelo GRUPO PT, pela OPTIMUS e pela VODAFONE com base num enquadramento das obrigações de acesso impostas ao abrigo do artigo 34.º do referido projecto de Regulamento, como obrigações específicas de cariz regulamentar ex ante, apenas aplicáveis no âmbito do procedimento específico de análise de mercado e declaração de poder de mercado significativo (PMS).

O ICP-ANACOM entende que a abordagem desta matéria deve ser devidamente enquadrada pelos objectivos de regulação das comunicações electrónicas a prosseguir pelo ICP-ANACOM, enquanto autoridade reguladora nacional (ARN), bem como pelos princípios que presidem à gestão do espectro, um dos principais vectores de regulação previstos na LCE, em conformidade com o enquadramento regulamentar comunitário.

Com efeito, sendo o espectro radioeléctrico um recurso intrinsecamente ligado ao domínio público do Estado, o regime da sua gestão e, em particular, da atribuição de direitos de utilização de frequências, está conformado por objectivos de interesse público que assumem um peso que não tem paralelo em outras disposições da LCE.

Nesse sentido, nos termos do artigo 15.º da LCE, compete ao regulador assegurar uma gestão eficiente do espectro, tendo em conta o importante valor social, cultural e económico das frequências, bem como planificar as frequências em conformidade, entre outros, com o critério da garantia de condições de concorrência efectiva nos mercados relevantes.

Este critério corresponde, no plano do espectro, à concretização do objectivo de regulação de promoção da concorrência na oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas (cfr. al. a) do n.º 1 do art.º 5.º da LCE), no âmbito do qual incumbe ao regulador, designadamente, assegurar a inexistência de distorções ou entraves à concorrência no sector das comunicações electrónicas (al. b) do n.º 2 do art.º 5.º da LCE) e assegurar, como objectivo último, porque a concorrência não é um fim em si mesmo, que os utilizadores obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade (al. a) do n.º 2 do art.º 5.º da LCE).

Acresce que estes objectivos de regulação estão ainda enquadrados num regime legal aberto de utilização de espectro, no sentido que a utilização de frequências está sujeita ao regime de autorização geral e a atribuição de direitos de utilização de frequências constitui uma excepção, (cfr. artigo 19.º da LCE).

Neste contexto, a necessidade de intervenção dos reguladores no sentido dede garantir condições de concorrência efectiva, sempre em cumprimento do princípio da não discriminação, não fica, nem podia ficar, restringida à aplicação dos designados remédios com fundamento nas posições de dominância dos operadores em mercados definidos, aspecto que é particularmente relevante na atribuição de direitos de utilização.

Pelo contrário, a LCE permite a especificação por parte do ICP-ANACOM das condições a que os direitos de utilização de frequências estão sujeitos, o que no caso de procedimentos de selecção concorrenciais ou por comparação é concretizado no respectivo regulamento (cfr. n.º 8 do artigo 30.º da LCE), devendo as mesmas ser objectivamente justificadas, não discriminatórias, proporcionadas e transparentes.

Ora, o artigo 32.º da LCE prevê as condições a que podem estar sujeitos os direitos de utilização de frequências, não prejudicando a possibilidade de serem fixadas as condições constantes do n.º 1 do art.º 27º da mesma lei.

Assim sendo, é entendimento do ICP-ANACOM que a previsão constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 27.º da LCE, nos termos da qual é especificamente estabelecida a possibilidade de imposição de obrigações de acesso que não incluam as condições específicas previstas no artigo 28º significa que, de acordo com o quadro nacional e comunitário e no contexto da atribuição de direitos de utilização (como de resto no de autorização geral), as ARN podem impor às empresas obrigações de acesso tendo em vista a prossecução dos objectivos de regulação a que estão vinculadas, sem que esta imposição decorra do procedimento específico das análises de mercado (art.º 55.º e seguintes da LCE) e do poder de mercado significativo (PMS) da empresa à qual são impostas as obrigações (art.º 66.º, n.º 3 da LCE). Dito de outro modo, as condições de acesso impostas ao abrigo do artigo 27.º da LCE, encontram o seu fundamento no caso em apreço nos princípios de gestão do espectro, mas simultaneamente não precludem, como estabelece o artigo 28º, a imposição, em qualquer momento, de obrigações específicas às mesmas empresas, no decurso do procedimento de análise de mercados e avaliação de PMS dessas empresas.

Este enquadramento resulta, além do mais, claro da última revisão do quadro regulamentar comunitário (Revisão 2006) 1, já transposta para a ordem nacional mediante as alterações introduzidas na LCE pela Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro. Com efeito, o artigo 35.º da LCE expressamente prevê, entre outras medidas, a possibilidade de imposição pelo ICP-ANACOM de condições associadas aos direitos de utilização de frequências, nos termos do artigo 32.º, como uma medida adequada para assegurar que a flexibilidade no uso de frequências não provoque distorções de concorrência.

Estas preocupações de não distorção da concorrência estão também presentes na actual proposta de decisão da Comissão relativa ao Programa de Política de Espectro 2, ainda em discussão, onde se prevê, nomeadamente, a possibilidade de imposição de condições associadas aos direitos de utilização de frequências, bem como de proibição ou imposição de transmissão desses direitos.

Aliás, no âmbito do presente leilão multi-faixa mais se evidencia que não poderia ser outra a interpretação destas normas. Assim, estando em causa a disponibilização de uma tão grande quantidade de espectro de elevado valor económico, designadamente no caso das faixas dos 800MHz e 900 MHz, medida com impacte estruturante e decisivo para o futuro do mercado móvel, é legal, proporcional e plenamente justificado, como se explicita no ponto 2. infra referente à Fundamentação das medidas adoptadas no projecto de Regulamento, que na atribuição dos correspondentes direitos de utilização de frequências, cumprindo com o princípio da não discriminação, possam ser impostas este tipo de obrigações de acesso (acordos de itinerância nacional e MVNOs) com vista à prossecução dos objectivos de promoção da concorrência.

Esta mesma conclusão é reconhecida na última versão do MoU celebrado entre o Governo português e a CE, o BCE e o FMI, constando dele que In designing the spectrum auction rules, it will be ensured that they adhere to the legal principles of the EU framework and that potential new entrants are not placed at a competitive disadvantage. In particular, the auction tender will: (…)

iii. as a contribution to the enhancement of market competition, conditions for potential new operators to have access to national roaming will strike an effective balance between safeguarding the interests of current operators and those of potential new entrants. The regulator will adopt the necessary measures in order to enable potential new entrants to benefit from a level playing field as to the provision of high quality mobile broadband services.
This will be achieved namely by ensuring operators' obligation to negotiate fair and reasonable national roaming access, unless otherwise justified and proportionate.

 


Ou seja, a plena conformação do presente procedimento com os princípios regulamentares do quadro comunitário só se alcança mediante imposição de condições que promovam a concorrência (ex: itinerância nacional), devendo o regulador adoptar as medidas necessárias para permitir este level playing field.

E assim o considerou a CE nos termos dos comentários dirigidos ao ICP-ANACOM no contexto do acompanhamento das medidas previstas no MoU para o leilão de espectro e supra mencionados em 1.1..

Com efeito, e não entrando agora no detalhe das observações específicas elaboradas quanto ao recorte das obrigações, em 29 de Julho a CE transmitiu que access to national roaming for new entrants for a given period of time – that enables them to build out their nationwide network in the meantime – would strike an effective balance between safeguarding the interest of current licence holders and new entrants.

Adicionalmente, em 9 de Setembro a CE referiu as already mentioned the EC considers that adequate access to national roaming and MNVO access are crucial for potential new entrants.

Sem prejuízo, a CE suscitou ainda nos seus comentários de 29 de Julho a questão da necessidade da análise de potenciais distorções da concorrência no mercado móvel decorrente, nomeadamente, da designada Directiva GSM 3.

Neste contexto referiu a CE que  4. Given that there would therefore exist a possibility of ex-post measures to redress any anticompetitive situation resulting from refarming and the present auction, it would be important to signal in the tender that there will be such an ex-post assessment and that remedies to redress a resulting situation considered anti-competitive could possibly be taken.

while the obligation to carry out such an assessment arose already when the refarming of the 900 MHz band took place in Portugal in 2010, an effective assessment of potential distortions will be even more necessary in light of the present auction. While it is up to the national regulator to decide if the assessment is carried out before or after the auction, an ex-post assessment may be the appropriate choice in the present situation and in light of the adjustments that may be required in relation both to the application of spectrum caps and the implementation of access obligations (…)

In this way, in light of the results of the competitive assessment and where justified and proportionate the regulator should address any competitive distortions in accordance with Article 14 of the Authorisation Directive

Também esta abordagem é assumida na última versão do MoU celebrado entre o Governo português e a CE, o BCE e o FMI. Assim, prevê o ponto (i) da medida 5.17 que In particular, the auction tender will:

i.  announce the commitment to an ex-post assessment, to be carried out by the regulator, of possible competitive distortions, covering the electronic communications mobile markets for which the spectrum is to be used as well as the commitment to, where justified and proportionate, the implementation of remedies to redress any resulting situation considered anti-competitive.

A previsão da realização desta avaliação do mercado móvel será, assim, incluída no regulamento do leilão de acordo com o quadro regulamentar comunitário e nacional aplicável, ou seja, ao abrigo da Directiva GSM e das competências do ICP-ANACOM no âmbito da gestão do espectro e da atribuição de direitos de utilização de frequências, nomeadamente dos artigos 20.º e 35.º da LCE. Esta avaliação será desenvolvida dois anos após a conclusão do leilão.

Retomando, como bem afirma o GRUPO PT, também o regulador italiano, vinculado ao mesmo enquadramento regulamentar comunitário, decidiu estabelecer medidas assimétricas (obrigações de itinerância) no regulamento do respectivo leilão em curso em Itália, referindo, na deliberação 5 relativa à consignação e utilização das frequências a disponibilizar, que estas medidas assimétricas específicas são justificadas e proporcionadas ao objectivo de favorecer a possibilidade de novos entrantes no mercado.

Assinala-se, aliás, que a imposição de spectrum caps -, medida adoptada pelo ICP-ANACOM nomeadamente no sentido da facilitação de entrada no mercado móvel -, tem exactamente o mesmo tipo de fundamentação das obrigações de acesso e, tal como estas, constitui uma medida adequada, proporcionada e justificada à luz do objectivo que se pretende atingir.

E também o regulador francês teve as mesmas preocupações de potenciar a abertura do mercado a novos entrantes, embora adoptando uma abordagem Diversa quanto ao procedimento de selecção.

Já não se vislumbra de todo é o interesse da chamada à colação, pelo GRUPO PT, do concurso UMTS, realizado em 2000, ao abrigo do quadro legal anterior à LCE, nos termos do qual 6, embora estivesse previsto que no caso de extrema escassez de espectro a atribuição pudesse ser decidida de acordo com o critério do respectivo valor económico, a atribuição de frequências era necessariamente feita por concurso.

Concretamente quanto à alegação, feita pelo GRUPO PT, de que o ICP-ANACOM pretenderia onerar de forma "retroactiva" a actividade dos actuais operadores móveis (nomeadamente na faixa já detida dos 900 MHz), entende o ICP-ANACOM que os direitos de utilização de frequências adquiridos no âmbito do presente leilão (designadamente na faixa dos 900 MHz) não podem ser vistos como independentes relativamente aos direitos já detidos pelos operadores especialmente na mesma faixa.

Desde logo, tendo em conta o precedente da unificação de títulos operada no passado 7, entende o regulador que se verificará uma unidade indissociável entre os direitos já detidos em cada faixa e os direitos a adquirir no leilão na mesma faixa e, como tal, as obrigações de acesso a impor não devem distingui-los.

Para além disso, cumpre relevar que os operadores incumbentes que porventura venham a adquirir apenas espectro na faixa dos 900 MHz não têm quaisquer obrigações adicionais de cobertura, uma vez que estas obrigações, no projecto de regulamento do leilão, incidem unicamente sobre a faixa dos 800 MHz.

Assim, entende o ICP-ANACOM que, verificando-se o reforço de um título pré-existente com a aquisição de espectro adicional, é adequado e proporcionado, nos termos do n.º 3 do art.º 27.º, que as obrigações de acesso aplicáveis a esta faixa tenham em consideração o espectro já detido por esses operadores cabendo sublinhar neste contexto que, de acordo com a lei, os direitos podem ser alterados em casos objectivamente justificados e de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art. 20.º da LCE).Quanto ao comentário da VODAFONE de que o presente processo de leilão não pode obliterar os direitos ou ignorar os interesses legalmente expressos de promover o desenvolvimento das actuais redes, enquanto direitos que se mantêm plenamente válidos e que não podem ser revogados ou prejudicados pela disponibilização de mais espectro no mercado, entende o ICP-ANACOM que:

- As regras do leilão respeitam o princípio da igualdade e não foram fixadas tendo em vista os interesses particulares de nenhum dos potenciais adquirentes de espectro, incumbentes ou novos entrantes;

- O respeito pelo princípio da igualdade não preclude a existência de medidas assimétricas, tratando de forma diferente o que é objectivamente diferente, com o fundamento da promoção da concorrência;

- Nenhum operador incumbente é obrigado a abrir a sua rede a terceiros, uma vez que essa obrigação só é imposta quando a quantidade de espectro que, por vontade própria, passa a deter o justifica, o que não colide com qualquer direito pré-existente.


Sendo a conclusão do que se tem vindo a expor que as obrigações de acesso têm total cabimento no quadro legal sectorial, a alegação de inconstitucionalidade feita pelo GRUPO PT é, desde logo, esvaziada por esse motivo.


Além do mais, e sem prescindir, é entendimento do ICP-ANACOM que estando em causa especificamente direitos de utilização de frequências, não pode falar-se de direito de propriedade, nos termos em que este direito é definido no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

O espectro radioeléctrico, entendido como o conjunto das frequências associadas às ondas radioeléctricas é, como já se referiu, um recurso intrinsecamente ligado ao domínio público do Estado, susceptível de utilização exclusiva, a qual deve ser eficiente e promover o desenvolvimento da concorrência e benefícios para os utilizadores.

A utilização das frequências apenas depende da atribuição de direitos de utilização quando tal é expressamente previsto pelo ICP-ANACOM, entidade responsável pela gestão do espectro. Nestes casos, a atribuição do direito de utilização de frequências é um acto administrativo permissivo que possibilita ao respectivo titular o exercício de uma determinada actividade que, no caso concreto, sem ele lhe seria vedada.

"Utilização" ou "uso exclusivo" não tem, porém, o mesmo significado que apropriação individual. E a susceptibilidade de apropriação individual é o pressuposto fundamental da noção de "coisa" e consequentemente do direito de propriedade, uma vez que apenas as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto daquele direito (cfr. art.º 202º e 1302º do Código Civil).

Desde logo, deve referir-se que aos direitos de utilização de frequências estão associadas determinadas condições que resultam da LCE e da lei geral e cujo incumprimento pode determinar, no limite, a revogação total ou parcial desses direitos (para além de outros mecanismos sancionatórios aplicáveis) - cfr. art.º 110.º da LCE, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de Setembro.

b) Desconto atribuído nos 900 MHz


Os auxílios de Estado

No entendimento do ICP-ANACOM o desconto consagrado no Regulamento para a faixa dos 900 MHz, aplicável a um novo entrante, não pode de modo nenhum ser enquadrado como auxílio de Estado, pelo que o invocado pelo GRUPO PT, relativamente à suposta violação do disposto no artigo 107.º do TFUE, não tem sustentação.

Na verdade, ao estabelecer as regras aplicáveis ao leilão, o ICP-ANACOM ponderou, em primeira linha, o enquadramento sectorial a que está vinculado.

E, neste contexto, não pôde deixar de ter presentes os objectivos de regulação que lhe compete prosseguir nos termos do artigo 5.º da LCE, os quais, guiando-se sempre pelo princípio da não discriminação, não correspondem porém a uma regulação neutra. Como é amplamente reconhecido, entre os referidos objectivos de regulação avulta o da promoção da concorrência (reflectido no artigo 5.º da LCE e no artigo 8.º da Directiva 2002/21/CE (Directiva-Quadro).

O princípio subjacente a este objectivo determina que, de forma permanente, a regulação possa conduzir à aplicação de medidas assimétricas. É precisamente nesse sentido que a regulação não é neutra. Dito de outra forma, a regulação deve ser não discriminatória, mas tal não significa que trate igualmente o que é diferente, como resulta, e bem está demonstrado, em todo o quadro regulatório.

Promoção da concorrência e não discriminação são aliás, conforme referido supra, princípios bem presentes e estruturantes em matéria de gestão de espectro, já que esta competência do ICP-ANACOM constitui instrumento fundamental da regulação e dela é indissociável. É neste sentido que o artigo 15.º, n.º 2, alínea b) da LCE determina que a planificação das frequências deve ter em conta a garantia de condições de concorrência efectiva nos mercados relevantes e que a atribuição de espectro bem como a consignação de frequências devem obedecer a, entre outros, critérios não discriminatórios (n.º 5 do artigo 15.º da LCE).

Nos termos do artigo 107º do Tratado, para que haja um auxílio de Estado é necessário que se preencham vários pressupostos cumulativos, desde logo que se esteja perante uma vantagem concedida ao beneficiário. E, conforme resulta da jurisprudência do TJUE, apenas se pode considerar que existe uma vantagem se estiver em causa o tratamento discriminatório de uma entidade face a outra – ou seja, se se aplicar regras diferentes a situações análogas ou se se aplicar a mesma regra a situações diferentes.

Ora, é exactamente neste contexto que se deve reconhecer que a entidade gestora do espectro quando fixa o montante devido pelos direitos de utilização de frequências tem simultaneamente um papel de regulador das telecomunicações e de gestor do património público, conforme reconheceu o TJUE no acórdão Bouygues (n.º 104) 8. Ou seja, embora as frequências tenham um valor económico, o que conduziria a que a entidade gestora deste bem escasso procurasse retirar o melhor preço para valorizar economicamente a gestão do domínio público, a mesma entidade gestora está vinculada aos objectivos de regulação previstos no quadro especificamente aplicável às comunicações electrónicas (nºs. 98 e 104 do referido acórdão). Nesta mesma linha se inserem aliás as observações da Comissão Europeia, no contexto do acompanhamento das medidas previstas no MoU para o leilão de espectro, tendo explicitamente referido que o encaixe financeiro não deveria sobrepor-se ao objectivo de promoção da concorrência, tendo inclusivamente incentivado o ICP-ANACOM a aprofundar o mecanismo de desconto aplicável aos 900 MHz.

Nestes termos, e de acordo com a jurisprudência do TJUE, é necessário ter em conta todas as especificidades do direito comunitário das telecomunicações face ao direito comum dos auxílios de Estado (n.º 111 do acórdão citado).

E, centrando-se exactamente no sistema próprio do direito comunitário aplicável às comunicações electrónicas, o TJUE reconheceu que para a ponderação dos montantes aplicáveis aos direitos de utilização de frequências, isto é, para a fixação do respectivo valor económico, é necessário que a respectiva entidade gestora tenha em conta nomeadamente a importância dos diferentes feixes de frequências atribuídos, o momento do acesso ao mercado de cada um dos operadores em causa e a importância da possibilidade de apresentar uma oferta completa de sistemas de telecomunicações móveis (n.º 109 do acórdão Bouygues e n.º 93 do acórdão Connect Austria 9, não sublinhado no original).

Neste contexto, e conforme se desenvolve infra no ponto 2 relativo à Fundamentação das medidas adoptadas no projecto de Regulamento, um novo entrante enfrenta dificuldades acrescidas, o que justifica poder beneficiar de determinadas medidas assimétricas, como é o desconto aqui em causa nos 900MHz de modo a ser criado um level playing field. Ou seja, o desconto consiste exactamente na consideração do critério do momento do acesso ao mercado, referido pelo TJUE.

É igualmente relevante fazer notar que outras medidas poderiam ser equacionadas no sentido de incentivar a entrada de novos operadores, como seja a de impedir que certas empresas, já titulares de determinados direitos de utilização de frequências, pudessem aceder ao leilão em todos os lotes disponíveis. Esta mesma possibilidade, que o ICP-ANACOM entendeu não adoptar no presente leilão, está perfeitamente enquadrada no quadro comunitário sectorial, conforme resulta de forma expressiva nomeadamente do considerando 23 da Directiva Autorização (Directiva 2002/20/CE) nos termos do qual (…) não seria, portanto, contrário ao disposto nesta directiva que a aplicação de critérios de selecção objectivos, não discriminatórios e proporcionais para promover o desenvolvimento da concorrência tivesse por efeito a exclusão de determinadas empresas de um processo de selecção concorrencial ou comparativo para uma certa radiofrequência.

A perspectiva adoptada pelo ICP-ANACOM no Projecto de Regulamento colocado em consulta pública em Julho, relativa ao desconto, veio aliás a ser reconhecida na última versão do MoU celebrado entre o Governo português e a troika, constando dele que “(…) auction pricing rules such as reserve prices and potential new entrant price discounts will take full account of the objective of facilitating market entry by creating a level playing field. “ (negrito do ICP-ANACOM).

Aliás, é conveniente recordar que já foram adoptadas no passado diversas medidas em matéria de gestão de espectro que, enquadrando-se no objectivo de promoção da concorrência e salvaguardando o princípio da não discriminação, se traduzem neste conceito de assimetria. São, a título de exemplo, as medidas que determinaram:

(i) A proibição que recaiu sobre os operadores que já dispusessem de direitos de utilização de frequências, quer para a prestação do Serviço Móvel Terrestre (SMT), quer na faixa de frequências dos 3400-3800 MHz, de se habilitarem, numa primeira fase, às frequências disponibilizadas no âmbito do leilão realizado para a atribuição de direitos de utilização de frequências para o acesso de banda larga via rádio (BWA) nas faixas de frequências dos 3400-3600 e 3600-3800 MHz; e

(ii) O impedimento dos prestadores do SMT e do Serviço Móvel com Recursos Partilhados (SMRP) de se apresentarem ao concurso para a atribuição de espectro na faixa dos 450 MHz;

(iii) O impedimento de as entidades com quota de mercado superior a 50% no mercado de televisão por subscrição de se apresentarem ao concurso relativo à atribuição de direitos de utilização de frequências para os Multiplexers B a F.

Assim, os objectivos de regulação estão presentes na conformação de todas as decisões que envolvam a matéria de espectro, em especial quando está em causa a atribuição de direitos de utilização de frequências.

A livre circulação de capitais

O artigo 63.º, n.º 1 TFUE (correspondente ao anterior artigo 58.º do TCE) proíbe, em termos gerais, restrições aos movimentos de capitais entre os Estados-Membros.

Não havendo, quer no TCE, quer no TFUE, uma definição do conceito de «movimentos de capitais», o Tribunal de Justiça reconheceu valor indicativo à nomenclatura dos movimentos de capitais constantes do anexo I da Directiva 88/361/CEE, do Conselho, de 24 de Junho de 1988.

Assim, o TJUE decidiu que constituem movimentos de capitais, nomeadamente:

(i) Os investimentos «directos», ou seja, os investimentos sob a forma de participação numa empresa pela detenção de acções que confere a possibilidade de participar efectivamente na sua gestão e no seu controlo; e,

(ii) Os investimentos «de carteira», isto é, os investimentos sob a forma de aquisição de títulos no mercado de capitais com o único objectivo de realizar uma aplicação financeira sem intenção de influir na gestão e no controlo da empresa.

No que se refere a estes dois tipos de investimento, o TJUE esclareceu que devem ser qualificadas como «restrições», as medidas nacionais susceptíveis de impedir ou de limitar a aquisição de acções nas empresas em causa ou que são susceptíveis de dissuadir os investidores dos outros Estados-Membros de investir no capital destas.

O referido Tribunal considera que as restrições em causa podem ser indistintamente aplicáveis tanto aos residentes em território nacional, como aos não residentes. Importante é que tais restrições sejam susceptíveis de afectar a situação de um adquirente de uma participação em si mesmo e, como tal, de dissuadir os investidores de outros Estados-Membros de efectuar esses investimentos e, portanto, de condicionar o acesso ao mercado.

Segundo a jurisprudência dominante, a livre circulação de capitais pode, contudo, ser limitada por medidas nacionais justificadas:

(i) Pelas razões mencionadas no artigo 65.° do TFUE 10; ou

(ii) Por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas para: garantir a realização do objectivo que prosseguem e não ultrapassem o necessário para atingir esse objectivo.

No que concretamente se refere às justificações fundadas em razões imperiosas de interesse geral, o TJUE já decidiu que o interesse de salvaguardar condições de concorrência num determinado mercado não constitui uma justificação válida de restrições à livre circulação de capitais.

As alegações da PT neste domínio e, concomitantemente, a jurisprudência invocada, incidem sobre Acórdãos do TJ que se debruçaram sobre questões específicas e que só muito indirectamente aproveitam para o caso de que cuidamos - o desconto de 20% para novos operadores que venham a ganhar lotes na faixa dos 900 MHz.

É, assim, patente que, para além de o Tribunal nunca se ter pronunciado sobre questões de natureza análoga no contexto dos movimentos de capitais, o GRUPO PT recorreu a determinadas “passagens” constantes da ampla jurisprudência citada para sustentar a sua posição, sem cuidar do contexto próprio em que as mesmas foram proferidas.

Assim, apenas a título exemplificativo, os Acórdãos proferidos nos processos C-171/08 e C-543/08 - ambos opondo a Comissão Europeia ao Estado Português -, referem-se especificamente às «golden shares» detidas na Portugal Telecom, SGPS, S.A. e na EDP – Energias de Portugal.

Da mesma forma:

  • O Acórdão C-436/2000, de 21.10.2002, que opôs a Comissão ao Governo Sueco, relaciona-se com uma disposição nacional que determinava que em caso de cessão de acções de sociedades por preço abaixo do valor, o cedente estava impedido de beneficiar de um diferimento do imposto sobre as mais-valias realizadas com essas acções quando a cessão fosse efectuada a favor de uma pessoa colectiva estrangeira;
  • O Acórdão C-98/01, de 13.05.2003, que opôs a Comissão ao Reino Unido e à Irlanda no Norte, prende-se com a existência de limites à possibilidade de adquirir acções com direito de voto da sociedade BAA plc quanto ao processo de autorização relativo à cessão de activos desta sociedade;
  • O Acórdão de 28.09.2006, proferido nos processos apensos C-282/04 e C-283/04, que opôs a Comissão ao Reino dos Países Baixos, tem por objecto a existência de determinadas disposições nos estatutos das empresas Koninklike NV e da TPG NV que prevêem que o capital destas sociedades comporta uma acção privilegiada do Estado Holandês, que lhe confere direitos especiais de aprovação de determinadas decisões dos órgãos competentes das referidas sociedades.


Aproveitando-se de “passagens” dos diversos Acordãos – os quais repetidamente identifica -, que se revelam manifestamente descontextualizadas do âmbito em que se inserem, o GRUPO PT sustenta, de forma insuficiente, que o artigo 25.º, n.º 3 do projecto de Regulamento «(…) infringe, sem grande margem para dúvidas, o artigo 63.º do TFUE» – itálico nosso.

Não é esse, porém, o entendimento desta Autoridade.


Com efeito, o desconto a conceder aos novos operadores que ganhem lotes na faixa dos 900 MHz, não é susceptível de:

a) Desencorajar os investimentos directos, quer de cidadãos e empresas residentes, quer não residentes, na medida em que se visa com o referido desconto é precisamente criar melhores condições para aumentar a concorrência no mercado, através de investimento em redes construídas para explorar as frequências em causa;

b) Prejudicar ou condicionar o interesse dos accionistas dos operadores móveis “incumbentes”, na medida em que possa ter um efeito dissuasor nos investimentos “de carteira”, passível de pesar sobre o valor das acções das referidas sociedades e, por conseguinte, sobre a atractividade de um investimento nessas acções.

Especial ponderação merece o facto de o TJ ter mencionado no já referido processo C-171/08 (“golden share” detida pelo Estado Português na Portugal Telecom, SGPS, S.A.), de resto em linha com o que já havia sido prolatado nos Acordãos C-274/06 11 e C-174/04 12 - que «(…) o interesse de salvaguardar condições de concorrência num determinado mercado não constitui uma justificação válida de restrições à livre circulação de capitais» -, deve ser entendido à luz do que estava em causa nesses mesmos processos e, como tal, não pode, com rigor e propriedade, ser invocado para contestar a atribuição do desconto previsto no n.º 3 do artigo 25.º do projecto de Regulamento.

Com efeito, a jurisprudência citada pelo GRUPO PT insere-se num contexto muito específico e diferente daquele de que cuidamos, como, de resto, facilmente se extrairá do desenvolvimento constante dos pontos seguintes.

Conclusões

Atento tudo quanto antecede, pode concluir-se quanto ao desconto previsto no projecto de regulamento para novos entrantes que ganhem lotes na faixa dos 900 MHz:

- A medida projectada pelo ICP-ANACOM tem pleno enquadramento no regime sectorial aplicável às comunicações electrónicas enquanto “sistema” específico face ao regime comum dos auxílios de Estado;

- Nestes termos, o desconto não constitui uma vantagem injustificada concedida a uma empresa, configurando antes uma medida tendente à promoção da concorrência e que salvaguarda o princípio da não discriminação;

- A própria Comissão Europeia, enquanto guardiã do Tratado, a quem compete zelar pela boa aplicação das disposições comunitárias em causa e opor-se a eventuais medidas que com este conflituem, manifestou-se, no âmbito das suas competências de acompanhamento da implementação das medidas previstas no MoU celebrado entre o Governo português e a CE, o BCE e o FMI, a favor da atribuição e do aprofundamento de um desconto aos novos entrantes na faixa dos 900 MHz;

- Assim, no caso do presente leilão, o referido desconto, a par de outras medidas preconizadas, justifica-se com a necessidade de ser criado um level playing field, concretizando-se, por essa via, um dos objectivos de regulação que ao ICP-ANACOM cabe prosseguir (cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 da LCE) e vai ao encontro dos princípios subjacentes à gestão do espectro radioeléctrico, entre os quais se inscreve o da promoção da concorrência nos mercados;

- A referida medida é igualmente compatível com o regime comunitário previsto em matéria de fixação do “preço” do espectro dado que o seu valor final deve reflectir não só o seu valor económico mas atender, também, aos objectivos de regulação a prosseguir pelo Regulador, incluindo os especificamente associados à gestão do espectro, acautelando que os utilizadores obtenham o máximo benefício em termos de escolha, preço e qualidade dos serviços de comunicações electrónicas;

- A natureza desta medida não é diferente das preconizadas ao nível das obrigações de acesso à rede (a previsão de MVNO, a disponibilização de itinerância nacional e a partilha de infra-estruturas);

- A existência de tal desconto, para além de não ditar qualquer restrição relativamente a operações de investimento que, como ressalta da jurisprudência do TJUE, pode aplicar-se tanto aos residentes como a não residentes, não afecta a situação de um adquirente de uma participação no capital social dos operadores móveis “incumbentes” e não é, assim, susceptível de dissuadir os investidores nacionais ou de outros Estados-Membros de efectuar esses investimentos e, portanto, de condicionar o acesso ao mercado;

- O desconto em causa está em total conformidade com o direito comunitário porquanto não limita a aquisição de participações no capital social dos operadores móveis ou restringe, de qualquer outra forma, a possibilidade de participar efectivamente na sua gestão ou controlo, bem como de condicionar ou inviabilizar os investimentos designados “de carteira”;

- A jurisprudência do TJUE relativa aos movimentos de capitais não tem aplicação no caso concreto atento o enquadramento específico e a natureza particular das medidas com base nas quais os acórdãos foram proferidos.

2. Fundamentação das medidas adoptadas no projecto de Regulamento

O ICP-ANACOM considera que os mercados móveis, considerados de forma genérica, estão sujeitos a significativas barreiras à entrada.
Nestes mercados, relevando-se em particular a prestação do serviço móvel terrestre, o número de entidades a prestar o serviço referido tem-se mantido estável ao longo de mais de uma década. Entre 1992 e 1998 existiam apenas dois operadores em actividade, a TMN e a VODAFONE, e mais tarde, a partir de 1998, com a entrada em actividade da OPTIMUS, passaram a ser três operadores.

O surgimento de novas entidades com redes próprias está condicionado à disponibilização de espectro nas faixas de frequência em que as redes GSM/UMTS, e mais recentemente LTE, podem funcionar, e em algumas situações à sua reserva antecipada. A existência de espectro constitui assim uma importante barreira à entrada no mercado, o que justifica em parte a estabilidade no número de entidades em actividade.

Adicionalmente, os elevados custos de construção de uma rede móvel também constituem, por si só, uma importante barreira à entrada. Esses custos tornam-se muito mais significativos quando se considera que o mercado móvel nacional alcançou um elevado nível de maturidade, dado a existência de três operadores de rede móvel instalados há vários anos, com coberturas de âmbito nacional, quer ao nível da população, quer em termos de território, com uma alargada base de clientes, e com um nível de penetração dos respectivos serviços que ultrapassou os 100 cartões SIM por 100 habitantes há mais de 6 anos, ascendendo presentemente (final do 1º trimestre de 2011) a 154,7 por 100 habitantes, valor que se situa acima da média do conjunto de países da UE para os quais existe informação disponível (128,6 por 100 habitantes).

Novas entidades que pretendam entrar neste mercado através da construção de redes móveis com alargada cobertura e bases de clientes compatíveis com o nível de investimento efectuado, terão de levar em consideração os aspectos referidos, estando nessas condições obrigado a elevados investimentos e a políticas agressivas de captação de clientes, necessariamente com impacto na sua rendibilidade. Atendendo adicionalmente à posição relativa do novo operador em relação à escala mínima eficiente, bem como aos importantes efeitos de rede verificados neste mercado, este impacto na rentabilidade coloca estes operadores em posição claramente desfavorável. Para diversas entidades, a entrada no mercado por esta via poderá desta forma ser desencorajadora.

Não obstante, poderão existir entidades, entre as que não detêm direitos de utilização de frequências ou que detêm direitos sobre reduzidas quantidades de espectro, que poderão estar interessadas em adquirir ou reforçar o espectro detido para suportar as respectivas áreas de negócio.

Neste âmbito, salienta-se que a entrada no mercado com recurso a soluções diversas, nomeadamente a operações móveis virtuais, apesar do menor nível de investimento envolvido, não tem tido sucesso significativo. Aliás, em Portugal, só existem duas operações móveis virtuais, tendo a primeira surgido no final de 2007 e a segunda no final de 2008, globalmente, e sem prejuízo da aposta em produtos tarifários em alguns casos muito competitivos e com algum carácter de diferenciação em relação aos tarifários dos operadores de rede própria, com um nível de quotas de mercado que não evidencia que a sua entrada no mercado, por si só, tenha alterado de modo significativo a dinâmica concorrencial entre os actuais operadores móveis.

Atendendo ao exposto, o ICP-ANACOM considera que o presente procedimento de selecção constitui uma oportunidade para criar condições que permitam o aumento da contestabilidade do mercado móvel, bem como do seu nível de concorrencialidade.

Neste contexto, importa referir que o ICP-ANACOM está a disponibilizar frequências que totalizam o espectro disponível a curto/médio prazo nas respectivas faixas, pelo que, para as entidades interessadas, este leilão pode assim ser encarado como uma oportunidade relevante de aquisição de direitos de utilização de frequências. Tendo presente que nem todas poderão conseguir obter direitos na quantidade e nas faixas de frequências pretendidas, nomeadamente dado o interesse que o espectro também assume para as entidades que já detêm esses direitos, o ICP-ANACOM considera essencial acautelar as situações referidas, nomeadamente através de um desenho adequado dos limites à aquisição do espectro (spectrum caps) e da fixação de um conjunto de obrigações de acesso à rede.

Relativamente às entidades interessadas na obtenção de direitos de utilização de espectro, é fundamental garantir um equilíbrio na abordagem regulatória daquelas que já têm redes móveis instaladas com base em espectro nas faixas dos 900 MHz, 1800 MHz e 2,1 GHz e das que não dispõem de direitos nas faixas em causa, mas que os pretendem vir a adquirir.

Em conformidade, deve ser assegurado um equilíbrio na abordagem regulatória de promoção de maiores níveis de concorrencialidade nos mercados dos serviços e de infra-estruturas de comunicações, ressalvando-se a importância da criação de melhores condições de concorrência nos primeiros mercados, em particular nas situações em que o investimento e o acesso a infra-estruturas se poderá revelar mais demorado, oneroso e de maior dificuldade, bem como a criação dos incentivos adequados à promoção da concorrência nos mercados das infra-estruturas.

Neste contexto, o ICP-ANACOM tem em consideração a necessidade de garantir que os eventuais interessados em entrar nos mercados das redes e serviços de comunicações electrónicas possam ir subindo nos diversos degraus de acesso (“escada de investimento”) às infra-estruturas existentes dos operadores instalados – assumindo-se a sua difícil replicabilidade em termos de custos, conforme já referido –, partindo de níveis (ou degraus) que não envolvem custos de investimento elevados em infra-estruturas, até ao topo da escada, onde são necessários investimentos significativos ao mais alto nível da infra-estrutura de acesso – sem prejuízo de se reconhecer que, num mercado maduro, a presença de operadores cujos modelos de negócio se baseiam na utilização de reduzidos níveis de infra-estrutura própria pode ser positiva a nível de segmentação de mercado e de eficiência estática.

Com a abordagem referida, no caso do presente leilão o ICP-ANACOM procura garantir que entidades que não possuam as infra-estruturas de acesso adequadas ou suficientes para o desenvolvimento sustentável de um negócio, em particular no mercado de banda larga móvel, possam evoluir na “escada de investimento”, beneficiando do acesso à rede dos operadores com maior quantidade de espectro enquanto tal se revele uma condição essencial às suas actividades. Em simultâneo, e não menos importante, procura também garantir que entidades em vários níveis de implementação das respectivas redes possam posicionar-se em diferentes degraus da “escada de investimento”, designadamente no último degrau que lhes permite concorrer ao nível das infra-estruturas.

Face ao exposto, e atendendo igualmente aos contributos recebidos no âmbito da presente consulta pública, o ICP-ANACOM considera indispensável que seja determinado um conjunto de medidas que assegurem a possibilidade de entrada no mercado de entidades com negócios suportados em modelos diversificados, assentes em maior ou menor grau em infra-estruturas de acesso próprias, e que garantam que todas possam beneficiar de um adequado level playing field na prestação de serviços ao público em geral.

Em concreto, considera-se fundamental fixar limites à aquisição do espectro (spectrum caps) que previnam a possibilidade de açambarcamento, nomeadamente por entidades que já detêm direitos de utilização de frequências abaixo de 1 GHz, e que inviabilizem a adopção de estratégias de fecho do mercado a novos entrantes. Adicionalmente, e para além das preocupações anteriores, é essencial que sejam determinados limites à aquisição de espectro com vista a contribuir para que os novos entrantes possam ter acesso a faixas de frequências que sejam de importância estratégica para a sua actividade, nomeadamente permitindo-lhes uma adequada combinação de espectro com vista a assegurar soluções de capacidade/cobertura.

Neste contexto, entende o ICP-ANACOM que se justifica criar um limite adicional de 2 x 20 MHz para aplicação em conjunto na faixa dos 800 MHz e dos 900 MHz, incluindo o espectro já detido nesta última faixa. Nota-se, contudo, que o limite em causa terá aplicação diferida, implicando por isso que entidades que detenham, na sequência do leilão, quantidades de espectro radioeléctrico que excedam aquele limite, terão de, após 30 de Junho de 2015, proceder num prazo de 6 meses à sua venda a terceiros ou, caso esta não seja efectuada, à devolução de tal espectro ao ICP-ANACOM.

Com este limite à titularidade de espectro, o ICP ANACOM pretende alcançar vários objectivos: a) evitar que operadores que já detêm direitos de utilização de frequências nas faixas dos 900 MHz possam, em conjunto, passar a deter a totalidade dos direitos de utilização nas faixas dos 800 MHz e dos 900 MHz; b) contribuir para aumentar a liquidez do mercado secundário de espectro radioeléctrico, garantindo que, caso os operadores actuais obtenham espectro radioeléctrico em quantidades muito significativas nas faixas dos 800 e 900 MHz, em momento subsequente ao leilão haja nova oportunidade de entrada de outros operadores no mercado através deste tipo de espectro radioeléctrico; c) permitir que os operadores actuais possam obter espectro radioeléctrico adicional na faixa dos 900 MHz para fazerem face aos desafios no domínio da banda larga sem fios, em particular durante o período de tempo em que a faixa dos 800 MHz não esteja em condições de plena utilização, nomeadamente por via das restrições definidas no Anexo 1 ao Regulamento do leilão e das limitações tecnológicas inerentes à fase inicial da sua exploração.

Neste âmbito, e com vista a facilitar a aquisição do espectro por parte de novos entrantes durante o presente leilão, é também essencial a atribuição de um desconto na obtenção de direitos de utilização de espectro na faixa dos 900 MHz, procurando-se assim nivelar as condições de concorrência entre novos e actuais operadores, atendendo a que estes últimos pelo facto de já deterem espectro nesta faixa possivelmente valorizam o espectro marginal acima do valor que os restantes operadores lhe atribuem. O desconto é também atribuído dado que se considera que a faixa dos 900 MHz se apresenta como aquela com maiores potencialidades para a implementação, no curto prazo, de ofertas de de voz e dados com cobertura alargada, concorrentes das ofertas dos actuais operadores móveis. Neste contexto, entende-se que devem ser aceites as propostas apresentadas no decurso da Consulta Pública no sentido de aumentar o valor do desconto como forma de contribuir para o nivelamento das condições entre operadores actuais e novos operadores. Face aos valores propostos e ao valor considerado na versão colocada em Consulta Pública, entende esta Autoridade que deve fixar em 25% o referido desconto, eliminando-se a restrição de que da sua aplicação não possa resultar um preço final de montante inferior ao preço de reserva.

Face ao exposto, considera-se também fundamental impor um conjunto de obrigações de acesso às entidades que vierem a adquirir espectro radioeléctrico nas faixas dos 800 MHz e/ou dos 900 MHz, de que serão beneficiários os novos entrantes no mercado, permitindo-lhes desenvolver rede própria de modo rápido e efectivo.

Neste caso a obrigação de permitir o acesso para acordos de itinerância nacional é particularmente importante, já que permite a todas as entidades que não consigam adquirir a quantidade de espectro sub - 1 GHz que consideram essencial à sua actividade o acesso a redes móveis naquelas faixas (eventualmente a redes já instaladas e operacionais) por forma a assegurar a prestação do serviço ao público em geral. Trata-se de um direito concedido em benefício da promoção da concorrência que naturalmente será sujeito a reconsideração caso as circunstâncias supervenientes à conclusão do leilão se alterem, nomeadamente pelo acesso da entidade beneficiária a espectro adicional, ou pelo incumprimento da obrigação de cobertura que lhe está associada. Nota-se a este respeito que a implementação da presente obrigação de acesso procura traduzir um equilíbrio entre o objectivo de aumentar a concorrência nos serviços retalhistas, e o de promover a concorrência nas infra-estruturas. A fixação de limites temporais para beneficiar desta medida e a sua reconsideração nas condições referidas vai ao encontro da necessidade de estabelecer esse equilíbrio.

Importa ainda sublinhar que o ICP-ANACOM reconhece que, dadas as características do mercado móvel nacional, conforme já descritas, um novo entrante, mesmo que adquira direitos de utilização de frequências em diversas faixas, ou em quantidade equiparável à dos operadores móveis já instalados, terá uma importante desvantagem competitiva no desenvolvimento da sua rede, sendo que lhe será muito difícil concorrer em igualdade de condições com os operadores incumbentes.

Nestas circunstâncias, o ICP-ANACOM entende que este novo entrante deve poder, de igual forma, beneficiar da obrigação de acesso à rede para itinerância nacional, ainda que durante um período mais limitado. Garante-se dessa forma um justo equilíbrio entre a promoção de um maior nível de concorrência no retalho, através do início da sua oferta comercial assente na rede do operador hospedeiro e a promoção da concorrência nas infra-estruturas, incentivando o investimento na rede própria e a consequente utilização eficiente do espectro.

No caso das operações móveis virtuais, considera-se que é importante garantir que as entidades que na sua operação móvel não recorram a direitos de utilização de frequências, tenham acesso a redes móveis já instaladas de operadores com quantidades de espectro significativas, permitindo dessa forma aumentar o nível de concorrência nos mercados retalhistas.

Importa referir que o entendimento perfilhado pelo ICP-ANACOM nesta matéria vai planamente ao encontro do preconizado nas medidas constantes dos parágrafos 5.17 e 5.18 do MoU.

Face ao exposto, o ICP-ANACOM considera que as medidas adoptadas com vista a promover o aumento da concorrência e da contestabilidade do mercado móvel, com impactos benéficos para os consumidores em geral, a nível da diversidade das ofertas e preços praticados, devem manter-se, justificando-se em alguns casos o seu reforço, conforme já referido no âmbito dos acordos de itinerância nacional, e noutros casos, apenas com ligeiras adaptações face ao constante no projecto de Regulamento.
Estas alterações são explicitadas detalhadamente nos artigos 8.º, 25.º e 34.º.

Nota-se que alguns dos respondentes preconizam neste contexto uma intervenção regulatória mais intrusiva, pretendendo que o ICP-ANACOM fixe desde logo um conjunto de condições, incluindo preços, para integrar as disposições dos acordos de acesso, e em paralelo também sugerem outras medidas de promoção de concorrência, para além das impostas ao nível do acesso à rede, do desconto nos 900 MHz e dos spectrum caps.

A este respeito, e face ao referido anteriormente sobre a necessidade de, por um lado, equilibrar os objectivos de promoção da concorrência e aumento da contestabilidade do mercado, com o objectivo de incentivar o investimento em infra-estruturas, e por outro lado, equilibrar os interesses dos operadores que já detêm direitos de utilização de frequências nos 900 MHz com os interesses das entidades que não têm esses direitos, o ICP-ANACOM não considera necessária a imposição de medidas adicionais de promoção da concorrência, sem prejuízo do já referido quanto aos spectrum caps e aos descontos.

Entende também o ICP-ANACOM que medidas como a criação de ofertas de referência para o acesso à rede, com a consequente determinação dos preços, não são proporcionais devendo a fixação das condições dos acordos ser deixada à livre negociação entre as partes, cabendo ao regulador o papel fundamental, porém subsidiário, de resolução de litígios. Cabe aqui referir que o ICP-ANACOM usará todos os meios ao seu dispor para que as obrigações que vierem a recair sobre as entidades que venham a adquirir espectro radioeléctrico nas faixas dos 800 e 900 MHz sejam efectivamente cumpridas, na medida em que foram condição fundamental para o desenho do leilão e para a configuração das opções de todas as entidades que nele venham a participar.

No que se refere às medidas propostas relativamente às taxas de espectro, o ICP-ANACOM releva tratar-se de matéria da competência do Governo. Em todo o caso, acrescenta-se que o Governo português já assumiu o compromisso, em sede de MoU de que revirá tais taxas: The Government will review the current value of the fees on the use of frequencies to ensure that they are objectively justified, transparent, non-discriminatory and proportionate in relation to their intended purpose. Such review will be announced in the auction tender. O ICP-ANACOM, na sua condição de assessor do Governo, dará naturalmente a sua colaboração no sentido de que tal compromisso venha a ser cumprido.

Notas
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1 Cfr. Art.º 9º da Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (Directiva Quadro) e § 6 do art.º 5 da Directiva 2002/20/CE (Directiva Acesso) nas versões alteradas pela Directiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25/11.
2 Disponível em 'Proposal for a Decision of the European Parliament and of the Council establishing the first radio spectrum policy programmehttp://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CELEX:52010PC0471:EN:NOT'.
3 Directiva 87/372/CE, de 25 de Junho, do Parlamento Europeu e do Conselho, alterada pela Directiva 2009/114/CE, de 16 de Setembro, do Parlamento Europeu e do Conselho.
4 Transposto pelo artigo 20.º da LCE.
5 AGCOM, Delibera n. 282/11/CONS.
6 Cfr. Decreto-Lei n.º 381-A/97, de 30/12.
7 Refarming e unificação dos títulos GSM/UMTShttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1036521.
8 Processo T-475/04.
9 Acórdão de 22 de Maio de 2003 – processo C-462/99.
10 «O disposto no artigo 63.º não prejudica o direito de os Estados-Membros:
a) Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido;
b) Tomarem todas as medidas indispensáveis para impedir infracções às suas leis e regulamentos, nomeadamente em matéria fiscal e de supervisão prudencial das instituições financeiras, preverem processos de declaração dos movimentos de capitais para efeitos de informação administrativa ou estatística, ou tomarem medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública.
2. O disposto no presente capítulo não prejudica a possibilidade de aplicação de restrições ao direito de estabelecimento que sejam compatíveis com os Tratados.
3. As medidas e procedimentos a que se referem os n.ºs 1 e 2 não devem constituir um meio de discriminação arbitrária, nem uma restrição dissimulada à livre circulação de capitais e pagamentos, tal como definida no artigo 63.º».

11 Acórdão Comissão/Espanha, de 14.02.2008, no qual o TJ considerou como restrição à liberdade de circulação de capitais o previsto na legislação espanhola que limitava o direito de voto relativo a acções detidas por entidades públicas nas empresas espanholas que operam no sector energético.
12 Acórdão Comissão/Itália, de 02.06.2005, em que oTJ considerou incompatível com o princípio do livre movimento de capitais a legislação Italiana que previa a suspensão automática dos direitos de voto inerentes às participações superiores a 2% do capital social de empresas que operam nos sectores da electricidade e do gás, quando estas participações fossem adquiridas por empresas públicas não cotadas nos mercados financeiros regulamentados e que gozassem no respectivo mercado nacional de uma posição dominante.