C. Conclusão


1. Tempestividade do pedido e legitimidade da ANACOM para intervir

Como decorre da fundamentação oferecida no SPD notificado, bem como se conclui na análise e apreciação constante do relatório de audiência prévia, documentos que integram a presente deliberação, o pedido de resolução administrativa de litígios que esteve na origem do presente processo foi apresentado pela Radiomóvel antes de decorrido um ano sobre o início do diferendo cuja resolução foi requerida.

Quando em 2006 a ANACOM recusou pronunciar-se no processo iniciado pela Radiomóvel após recusa de interligação por parte da Vodafone, foi por entender que o pedido de intervenção apresentado era extemporâneo.

Os pedidos recusados baseavam-se no título habilitante da actividade da Radiomóvel – licença – a qual devia ser interpretada de acordo com o enquadramento conferido pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro - Lei das Comunicações Electrónicas (LCE), cuja vigência se iniciou em 2004.

A recusa sobre o pedido, feito com aquele fundamento, ocorreu a 20 de Julho de 2004, data que foi considerada como a do início do litígio e só em Julho de 2006, decorridos quase dois anos após o início daquele diferendo, é que a Radiomóvel veio solicitar a intervenção da ANACOM ao abrigo do artigo 10.º da LCE. Perante o tempo entretanto decorrido não podia aquele pedido de intervenção deixar de ser considerado extemporâneo.

No processo agora em análise a interligação recusada corresponde a pedidos feitos ao abrigo do Direito de Utilização de Frequências ANACOM-05/2008.

O fundamento agora apresentado pela Radiomóvel justifica, por parte dos demais operadores e prestadores de serviços de comunicações electrónicas, uma reanálise dos pedidos de interligação deduzidos, mais do que não fosse, pelo facto de que a diferente redacção daquele título poder solucionar dúvidas e reservas que os destinatários do pedido de interligação pudessem ter.

Considerando as datas em que ocorreram as recusas aos pedidos de interligação apresentados pela Radiomóvel na sequência da adaptação da licença e renovação do seu direito de utilização de frequências – entre 16 e 28 de Janeiro de 2009 – e a data em que foi requerida a intervenção da ANACOM - 30 de Março de 2009 -, impõe-se a conclusão de que tal pedido foi feito antes de decorrido o prazo exigido no n.º 2 do artigo 10.º da LCE e como tal, não pode deixar de ser considerado tempestivo.

Ainda que assim não seja entendido, a intervenção da ANACOM será sempre legítima e justificada no exercício das suas competências previstas no artigo 63.º da LCE, para garantir o acesso e interligação adequados em conformidade com os objectivos de regulação previstos no artigo 5.º da mesma Lei, fundamento que, de resto, é invocado no SPD notificado.

2. Relativamente à existência de um direito da Radiomóvel à interligação e à obrigação das requeridas darem resposta aos pedidos razoáveis de acesso que lhe sejam deduzidos para a terminação de chamadas originadas na rede móvel da Radiomóvel.

Nos termos do artigo 22.º da LCE, «[c]onstituem direitos das empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público: a) Negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nas condições e nos termos previstos na presente lei».

O artigo 62.º da LCE reconhece às empresas liberdade de negociação permitindo que as empresas negoceiem e acordem entre si modalidades técnicas e comerciais de acesso e interligação e o artigo 64.º, n.º 2 da LCE, estabelece que os «…operadores têm o direito e, quando solicitados por outros, a obrigação de negociar a interligação entre si com vista à prestação de serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, por forma a garantir a oferta e a interoperabilidade de serviços» 1.

De entre as condições associadas ao Direito de Utilização de Frequências ICP-ANACOM n.º 5/2008 conta-se a de «[n]egociar e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público, nas condições e nos termos previstos na Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, sem prejuízo das competências da Autoridade Reguladora Nacional previstas na lei, nomeadamente no âmbito da análise de mercados».

Das disposições acima indicadas resulta, inequivocamente, que a Radiomóvel tem o direito e as demais empresas chamadas a intervir no presente processo, a obrigação de negociarem interligação entre si, de forma a garantir a oferta e interoperabilidade dos serviços.
Por outro lado, no termo das análises de mercado realizadas, a PTC, a Sonaecom, a TMN e a Vodafone foram declaradas com poder de mercado significativo (PMS). A Sonaecom, a TMN e a Vodafone no mercado grossista de terminação de chamadas vocais em redes móveis individuais e o Grupo PT bem como as três empresas já acima referidas, no mercado grossista de terminação de chamadas em redes telefónicas públicas num local fixo.

Da declaração de PMS decorre para as referidas empresas, nos termos do que foi fixado pelo ICP-ANACOM, a obrigação de dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso que lhe sejam apresentados para a terminação de chamadas originadas na rede móvel da Radiomóvel.

Fica assim claro que a Radiomóvel tem o direito de obter o acesso à rede da PTC, da Sonaecom, da TMN e da Vodafone e estas empresas a obrigação de facultar aquele acesso nos termos em que a interligação é disponibilizada a outras entidades e no respeito das obrigações impostas no âmbito dos procedimentos de análise de mercado, observando, em particular, as obrigações de dar resposta aos pedidos razoáveis de acesso e de não discriminação.

De resto não se pode ignorar que o Regulamento de Exploração anexo à Portaria nº 797/92, de 17 de Agosto, já reconhecia aos prestadores do SMRP um direito de interligação com o serviço fixo de telefone. Com a alteração do regime jurídico aplicável às telecomunicações, decorrente da Lei de Bases das Telecomunicações – Lei nº 91/97, de 1 de Agosto – e demais diplomas aprovados em seu desenvolvimento, tal direito veio a ser reforçado 2.

Assim, a interligação reconhecida no âmbito do direito de utilização de frequências concedido à Radiomóvel não desvirtua a natureza inicial e actual do serviço. Essa natureza é-lhe conferida pelas condições em que a empresa prestadora pode fazer uso das frequências e não pelos termos em que lhe é oferecida interligação.

A determinação de que as requeridas concedam interligação das suas redes com a rede daquele operador não confere a este último quaisquer direitos de utilizar as frequências que lhe foram consignadas para outro fim que não o previsto.

O facto de obter interligação das empresas demandadas no âmbito do presente processo não legitima que a Radiomóvel passe a prestar um serviço análogo ao que é disponibilizado pelos demais prestadores do serviço telefónico móvel/SMT/GSM-UMTS.

Qualquer utilização dos direitos de interligação conferidos à Radiomóvel que ultrapasse a limitação fixada no direito de utilização de frequências que, como refere os nºs 1 e 2 do Direito de Utilização n.º 5/2008 se destinam a ser exclusivamente utilizadas para a prestação do SMRP será ilícita e, como tal, deve ser sancionada pela ANACOM no quadro dos poderes de supervisão e fiscalização que a lei lhe confere.

Com efeito, a ANACOM possui meios que lhe permitem fiscalizar o cumprimento das condições associadas ao direito de utilização conferidos à Radiomóvel e, em particular, se o tráfego entre membros de diferentes grupos fechados de utilizadores e entre os membros de cada grupo e utilizadores de outros serviços não excede os limites máximos fixados. Assim, não só da interligação não resulta habilitação para a prestação de outros serviços, como a violação das regras fixadas legitima uma intervenção sancionatória por parte da ANACOM que, sem prejuízo da aplicação das coimas que à infracção couberem, pode intervir no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 110.º da LCE.

Como referem as requeridas no caso em apreço, só depois de ter ocorrido o incumprimento do direito de utilização é que este é passível de ser conhecido. Neste aspecto a situação em análise não difere de qualquer outra situação de incumprimento, e, de facto, nem sempre será possível corrigir o impacto ou as suas consequências negativas.

Porém, não é o risco de incumprimento das condições estabelecidas por parte da Radiomóvel que legitima que os demais agentes de mercado violem as obrigações decorrentes da lei e das medidas de carácter regulatório.

Feita uma ponderação dos interesses em presença, facilmente se conclui que os danos causados pela recusa de satisfazer um legítimo direito da Radiomóvel, que são certos e seguramente superiores aos que resultarão de um eventual incidente de incumprimento das condições associadas ao direito de utilização daquela empresa que determinaria uma intervenção correctiva e sancionatória.

Sem prejuízo do que se conclui, salienta-se que a ANACOM não obstaculizará que no âmbito dos contratos a celebrar sejam incluídos mecanismos que prevejam que a obrigação de interligação cessa quando esta não tenha por objecto a prestação de serviços de comunicações electrónicas por empresa habilitada para os prestar. No caso do SMRP, esta salvaguarda não pode legitimar a suspensão ou a interrupção da interligação sem que esteja previamente demonstrado, em processo próprio, promovido pela ANACOM, que, violando as condições associadas à utilização de frequências afectas ao SMRP a Radiomóvel está a assegurar a prestação de outros serviços.

Muito embora a lei não fixe um prazo para que as empresas cheguem a um acordo de interligação, a boa fé que, nas negociações e na celebração dos contratos, é exigida às partes (artigo 227.º do Código Civil), não é compatível com a eternização do processo negocial que antecede a celebração dos acordos de interligação.

Assim, no âmbito do presente processo, justifica-se fixar um prazo para comunicação à ANACOM dos acordos de interligação celebrados.

Tomando por referência os procedimentos previstos na Oferta de Referência de Interligação (ORI) a que a PTC está sujeita, considera-se razoável determinar às empresas envolvidas, a obrigação de comunicar à ANACOM a celebração dos acordos de interligação, no prazo máximo de 90 dias (seguidos) a contar da data da decisão final que vier a ser proferida (vd. ponto 12 da ORI e anexo 4 da mesma Oferta de Referência).

Notas
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1 De acordo com a definição da alínea s) do artigo 13.º da LCE «operador» é «uma empresa que oferece ou está autorizada a oferecer uma rede de comunicações pública ou um recurso conexo», o que inquestionavelmente abrange a Radiomóvel.
2 Aquela Lei de Bases estabelecia como princípio genérico a garantia de interligação através da rede básica, bem como através das redes de operadores com poder de mercado significativo.