6. Caracterização dos problemas de concorrência identificados nos mercados relevantes


Após uma intervenção inicial em 2005 ao abrigo do atual quadro regulamentar, a ANACOM concluiu em 2008 que os dados disponíveis apontavam para a existência da falha de mercado associada à discriminação de preços como estratégia de foreclosure, nomeadamente tendo em conta a verificação dos seguintes fatores: i) o peso do tráfego proveniente de tarifários com discriminação on-net/off-net; ii) os diferenciais de preços médios on-net face a off-net eram particularmente significativos nos operadores de maior dimensão; iii) a redução da quota de mercado da então Sonaecom, entre 2005 e 2008; iv) a “rede de contactos” constituía a principal razão apontada pelos clientes para a escolha do operador móvel; v) o desbalanceamento do tráfego continuava a ser muito desfavorável ao operador de menor dimensão.

Entendeu-se assim relevante continuar a intervir no sentido de estabelecer condições de concorrência no mercado, garantindo o level playing field para todas as empresas presentes no mercado, com benefício para os consumidores em geral, sendo que para o efeito a ANACOM fixou um glide-path para a redução dos preços de terminação.

Em 2010, a ANACOM interveio novamente, tendo concluído que o mercado continuava a caracterizar-se por distorções competitivas, tendo destacado as existentes entre operadores fixos e móveis e a nível do mercado móvel, a prática de diferenciação dos preços de retalho on-net e off-net potenciando os efeitos de rede.

Em 2012, tendo-se entendido que o comportamento dos operadores móveis no mercado grossista não se alterara, no sentido em que os operadores não efetuaram reduções adicionais dos preços de terminação, para além das determinadas pela ANACOM, e tendo-se mantido o problema estrutural identificado relativo a práticas de discriminação de preços on-net e off-net que intensificam os efeitos de rede distorcendo a concorrência, a ANACOM considerou necessário continuar a regular as terminações, designadamente impondo uma importante redução nos preços em causa, que à data já foram fixados com base nos resultados do modelo de custeio LRIC “puro”.

As análises de mercado anteriores identificaram um conjunto de potenciais problemas de concorrência que poderiam surgir quando se considera um cenário de ausência de regulação.

As distorções concorrenciais que se encontram presentes no mercado móvel em Portugal, identificadas pela primeira vez em 2005 no âmbito da análise de mercado então efetuada, decorrem da prática de uma elevada diferenciação nos preços de retalho on-net/off-net, que associada a preços de terminação acima dos custos, contribuem para reforçar os efeitos de rede (designados como efeitos de rede mediados pelo preço), tornando menos atrativas as redes de menor dimensão e afetando a sua capacidade competitiva. Os preços de terminação acima dos custos por si só são também responsáveis por distorções concorrenciais, já que também afetam as relações entre prestadores nos mercados fixos e móveis, distorcendo padrões de consumo de tráfego, prejudicando os prestadores fixos.

O facto de existirem prestadores com poder de mercado significativo nestes mercados e de persistirem os problemas concorrenciais referidos justificou, desde 2005 e até ao presente, a regulação dos preços de terminação.

No quadro da presente análise, importa avaliar em que medida se mantêm os problemas referidos e, nesse quadro, em que medida se justifica manter essa regulação e determinar uma revisão dos valores de preços máximos que foram fixados em 2012, com base nos resultados do modelo de custeio LRIC “puro” devidamente atualizado, de forma a que estes se mantenham em níveis suficientemente baixos para que não potenciem distorções concorrenciais e possam contribuir para um quadro de eficiência estática e dinâmica.

Neste contexto, importa relevar um aspecto relativo à especificidade do serviço de terminação móvel. Este serviço pode ser enquadrado no que se considera ser um mercado two-sided, ou seja, um mercado em que as partes se juntam numa plataforma única, neste caso compradores e vendedores do serviço de terminação de chamadas, e onde existem importantes externalidades de rede.

Assim, o serviço de terminação de chamadas constitui a plataforma comum onde um prestador reúne os clientes de outros prestadores quando estes estabelecem chamadas e os clientes próprios enquanto recetores dessas chamadas. Ambas as partes têm uma externalidade positiva. Existe um benefício para o chamador (o cliente da outra rede) que se traduz na possibilidade de contactar o recetor e, simultaneamente, há uma utilidade para o recetor da chamada (o cliente da rede que presta o serviço de terminação), já que lhe é permitido receber comunicações. Dada a natureza do serviço, que gera benefícios para ambas as partes, os custos associados à terminação de chamadas não têm necessariamente de ser recuperados apenas com base no respetivo preço grossista.

Os problemas subjacentes a estes mercados envolvem, nomeadamente, recusas de acesso e ou de negociação com vista à obtenção de serviços de terminação de chamadas de voz e a implementação de estratégias tarifárias de elevada diferenciação on-net/off-net que suportadas em preços de terminação que não estejam alinhados com os custos criam importantes desequilíbrios financeiros associados a desbalanceamentos de tráfego, com impacto no desenvolvimento da concorrência nos mercados a jusante, com claros prejuízos para os diversos players e para os consumidores em geral. Observam-se igualmente distorções existentes entre mercados móveis e fixos, com prejuízos para os últimos, e que urge corrigir.

Sem prejuízo da referência explícita neste capítulo aos problemas de concorrência que justifiquem uma intervenção regulamentar ex-ante nestes mercados, ao longo da análise efetuada na secção seguinte, serão feitas referências sempre que necessário aos problemas concorrenciais específicos que se entendem como relevantes no âmbito da ponderação das eventuais obrigações a aplicar.