Análise do regime de acesso à actividade aplicável ao sistema MSS e às CGCs


A primeira questão que se coloca, no âmbito da definição de um regime de acesso à actividade para o sistema MSS e para as respectivas estações terrenas complementares (CGCs), é a de saber se as duas realidades devem ser integradas no âmbito de uma mesma autorização geral/direito de utilização ou se, pelo contrário, devem ser objecto de uma análise autónoma.

Nos termos da Decisão n.º 2007/98/CE, os sistemas MSS são sistemas capazes de fornecer serviços de radiocomunicações entre uma ou várias estações terrenas móveis por meio de uma ou mais estações espaciais, ou entre uma estação terrena móvel e uma ou mais estações terrestres complementares utilizadas em locais fixos.

Nos termos da al. b) do n.º 2 do artigo 2º da Decisão n.º 626/2008/CE, designam-se por CGCs as estações terrestres utilizadas em locais fixos para melhorar a disponibilidade dos MSS em áreas geográficas situadas na zona de cobertura (footprint) do ou dos respectivos satélites e onde não seja possível assegurar as comunicações com uma ou várias estações espaciais com a qualidade requerida.

A esta definição deve acrescentar-se o disposto no n.º 2 do artigo 3.º da Decisão 2007/98/CE, corroborado pela alínea b) do n.º 3 do artigo 8º da Decisão n.º 626/2008/CE: as estações terrestres complementares serão parte integrante do sistema de comunicações móveis por satélite, sendo controladas pelo sistema de gestão dos recursos e da rede de comunicações via satélite. Essas estações utilizarão o mesmo sentido de transmissão e as mesmas partes das bandas de frequências que os componentes de satélite a elas associados e não implicarão requisitos suplementares de espectro por parte do sistema de comunicações móveis por satélite a elas associado.

Embora as CGCs se destinem a melhorar a oferta deste tipo de serviços, em áreas onde não é possível manter uma linha de vista contínua com o satélite, devido às obstruções causadas por edifícios e pelo terreno na linha do horizonte, podem, hipoteticamente, configurar uma "rede" móvel terrestre, em tudo semelhante às redes móveis terrestres existentes, mas utilizando espectro que está atribuído ao MSS.

Neste contexto assume particular relevância a definição, ao nível nacional, do regime de autorização dos sistemas MSS, que deve ter em conta a caracterização das CGCs, bem como o leque de serviços cuja prestação se pretende admitir a estas estações no âmbito destes sistemas, ou seja, se são admitidas como meras estações repetidoras do sinal de satélite ou se, pelo contrário, esse limite não lhes é imposto.

As abordagens não têm sido unívocas por parte dos diferentes Estados-Membros.

Se, por um lado, países como o Reino Unido entendem autorizar separadamente os operadores do sistema MSS na componente de satélite e os operadores de CGCs, considerando-as como "redes móveis terrestres" complementares aos sistemas MSS 2GHz e esclarecendo não estarem obrigadas a transmitir o mesmo serviço ou aplicações da componente de satélite, outros há, como a Alemanha, que emitiu um único direito de utilização abarcando a componente satélite e CGCs em modo de repetição.

Já a França, cuja opção foi também a de permitir o funcionamento das CGCs apenas em modo de repetição, decidiu pela concessão a estas estações de uma autorização separada do MSS.

A título de exemplo podem também referir-se outros países europeus que, apesar de não terem ainda emitido autorizações, têm já algumas opções definidas sobre estas matérias.

É o caso de Espanha que pretende emitir uma autorização única para as duas componentes e limitar, pelo menos numa fase inicial, a utilização das CGCs às funções de estações repetidoras.

O mesmo acontece com Itália, embora nesse caso a autorização única estará condicionada precisamente pelo facto de as CGCs poderem ser consideradas meros repetidores.

Já na Irlanda o sistema MSS com CGC será oferecido ao abrigo de uma autorização geral, com um direito de utilização para a CGC não fixando o limite de "repetidoras" a estas estações.

No âmbito do regime de autorização a estabelecer, dispõem o n.º 1 do artigo 7º e o nº 1 do artigo 8º da Decisão n.º 626/2008/CE, respectivamente, que os Estados-Membros devem assegurar aos operadores de sistemas móveis por satélites seleccionados:

  • O direito de utilizar as radiofrequências específicas para os sistemas MSS e o direito de explorar o sistema móvel por satélite;

  • As autorizações necessárias para a oferta de CGCs de sistemas móveis por satélite no seu território.

O n.º 3 do artigo 8.º da supra referida Decisão n.º 626/2008/CE define as condições comuns a que ficam sujeitas as autorizações nacionais emitidas para a exploração de CGCs, tais como:

a) Os operadores devem utilizar o espectro radioeléctrico atribuído para o fornecimento de componentes terrestres complementares de sistemas móveis por satélite;

b) Os componentes terrestres complementares devem ser parte integrante de um sistema de comunicações móveis por satélite e ser controlados pelo mecanismo de gestão dos recursos e da rede de comunicações por satélite, utilizar o mesmo sentido de transmissão e as mesmas partes das bandas de frequências que os correspondentes componentes de satélite e não implicar um aumento das necessidades de espectro do respectivo sistema de comunicações móveis por satélite;

c) A exploração independente dos componentes terrestres complementares em caso de falha do componente satélite do respectivo sistema de comunicações móveis por satélite não deve exceder 18 meses;

d)  Os direitos de utilização e as autorizações são concedidos por um período que não pode exceder a data de caducidade da autorização do sistema móvel por satélite que lhes está associado.

Estas condições, b) a d) especificamente, evidenciam a natureza da ligação entre a componente satélite e a componente terrestre (CGC), sendo de facto partes de um só sistema. Por esta razão, a definição de condições nunca envolve apenas uma das componentes.

Embora não sendo a opção por uma ou duas autorizações/direitos de utilização distintos para os operadores do sistema MSS na componente de satélite e os operadores de CGCs que impede estas estações de serem parte integrante do sistema MSS, é entendimento do ICP-ANACOM que a concessão de duas autorizações distintas para exactamente as mesmas frequências radioeléctricas pode levantar problemas de compatibilização, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista técnico.

Do ponto de vista jurídico, esses problemas podem suscitar-se, nomeadamente, quer ao nível dos reflexos que os incumprimentos de obrigações numa das componentes do sistema podem ter na outra, quer ao nível da responsabilidade pela qualidade da oferta de serviço ao utilizador final.

Na perspectiva técnica, a existência de uma só autorização permite a gestão das frequências de um modo integrado através de uma única entidade responsável por todo o sistema, com benefícios evidentes no âmbito da monitorização e controlo de espectro, designadamente no despiste de situações de interferências.

Tratando-se de sistemas de satélites pan-europeus, estas questões assumem particular importância.

Neste contexto, é entendimento do ICP-ANACOM que ambas as componentes dos sistemas MSS - satélite e CGCs – devem ser objecto de uma autorização única, no âmbito da qual às CGCs não seja imposta a limitação de funcionarem como meras estações repetidoras do sinal do satélite, sem prejuízo de os operadores de MSS poderem, eles próprios, optar por uma utilização mais restritiva das suas CGCs.

Com efeito, entende o ICP-ANACOM que esta é a opção que melhor se adequa à neutralidade de serviços que, sempre que possível, deve ser garantida no âmbito da gestão de espectro.

Acresce que, num prazo de vigência tão alargado como o da autorização destes sistemas não deve, à partida, restringir-se o leque de serviços e aplicações que as CGCs permitem disponibilizar aos utilizadores, devendo nesta como noutras utilizações procurar-se a utilização mais eficiente do espectro e o maior benefício económico e social do mesmo.  

Matéria diferente é a da instalação das CGCs, nada obstando a que outra entidade que não o operador MSS, proceda à respectiva instalação.