Intervenção do Presidente do Conselho de Administração do ICP


/ Atualizado em 19.02.2002

Sessão de Abertura (27 de Abril / 9H30 - 11H00)

Exma Senhora Secretária de Estado da Habitação e Comunicações,

Senhor Presidente da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações,

Senhores Presidentes das Comissões Organizadora e Executiva da Conferência,

Senhoras e senhores conferencistas,

Muito bom dia,

Permitam-me iniciar esta intervenção com a minha manifestação de apreço endereçada aos órgãos da APDC, e em especial à sua Direcção, bem como aos seus Associados, pelo modo como têm sabido, com as suas iniciativas, estimular o debate sobre os aspectos mais actuais e relevantes para o desenvolvimento das comunicações no nosso País.

E esta conferência é um dos bons exemplos do sentido de oportunidade que a Associação revela, ao promover reflexões alargadas sobre temáticas oportunas e relevantes como é o caso do multimédia.

Quando falamos em multimédia falamos em produtos com maior ou menor integração de texto, voz, dados e imagem, endereçados ou não e com origem em áreas de negócio distintas: telecomunicações; audiovisuais; tecnologias de informação.

As tendências de integração, em menor ou maior grau, desta áreas de negócio são inevitáveis, mais que não seja por questões de eficiência económica, donde a questão da convergência, seja tecnológica, de serviços ou de mercados ou, não menos importante, de regulamentação.

O quadro regulamentar necessário à implementação de um ambiente propício para uma convergência destes diferentes sectores - não só no que respeita às tecnologias, mas também aos serviços e às novas formas de fazer negócios e de interagir com a sociedade - suscita portanto questões importantes que importa resolver de modo integrado e previsivelmente coordenado a nível da União Europeia para que, garantindo-se a protecção dos legítimos interesses das partes interessadas, se evite a criação de barreiras excessivas ou desnecessárias ao desenvolvimento de novos serviços.

E alguns dos aspectos que importa considerar neste processo são bastante sensíveis, destacando-se desde logo os seguintes:

  • A segurança, confidencialidade e autenticidade da informação
  • A protecção de dados pessoais
  • O controlo de conteúdos ilegais e prejudiciais / protecção da dignidade humana
  • A protecção dos consumidores
  • O regime fiscal aplicável
  • Os direitos de propriedade intelectual, etc

Assim, a ausência de regulamentação adequada destes aspectos pode constituir - da mesma maneira que a sua excessiva regulamentação - uma barreira ao crescimento dos novos serviços devido à falta de segurança sentida pelos actuais e potenciais utilizadores, sejam eles cidadãos, empresas ou organismos da Administração Pública.

Como consequência dessa barreira podem vir a resultar, inclusivamente, situações de ausência de conteúdos em quantidade e qualidade e ainda fracos níveis de adesão e de utilização das tecnologias e serviços disponíveis.

Estas, entre outras, são as principais questões que a Comissão das Comunidades Europeias apresentou a debae em finais de 1997, através do Livro Verde Relativo à Convergência dos Sectores das Telecomunicações, dos Meios de Comunicação Social e das Tecnologias da Informação e às suas Implicações na Regulamentação.

O Livro, que, recordo, aborda os seguintes aspectos fundamentais:

  • "Convergência - definições e evolução";
  • "O impacto da convergência nos sectores";
  • "Obstáculos ao processo de convergência";
  • "Implicações regulamentares";
  • e "Princípios e opções para o futuro"

analisa diferentes pontos e conceitos, identifica opções e coloca questões para estimular comentários públicos, estando ainda em aberto, por mais uns dias - até ao fim do corrente mês - um processo de debate e de consulta pública sobre o assunto.

O ICP associou-se a este processo e promoveu, com vista à consolidação de uma posição nacional sobre as questões levantadas pela Comissão, desde Março passado, a divulgação e disponibilização - da versão portuguesa do Livro Verde - por carta dirigida a empresas, associações sectoriais e de consumidores, através da Comunicação Social, no "site" do ICP na Internet e no Atendimento ao Público do Instituto.

Com esta divulgação pretendeu-se dar a conhecer a matéria à sociedade em geral e ao sector empresarial em particular, tendo em vista o interesse em recolher opiniões para apoiar a preparação de uma posição sectorial sobre o assunto, tendo o Instituto já compilado todos os contributos recebidos e remetido as suas conclusões ao Governo.

Relativamente a este "fenómeno" da convergência, considero que Portugal tem assistido a uma evolução acelerada e clara no sentido da convergência dos três sectores em causa, quer do ponto de vista tecnológico quer do ponto de vista de estrutura do mercado.

Exemplos claros das perspectivas técnica e tecnológica são as demonstrações de "webcasting", o desenvolvimento de aplicações multimedia via INTERNET, novas ofertas de serviços de telecomunicações, incluindo o acesso à INTERNET através das redes de cabo, a expectável oferta de radiodifusão digital com a possibilidade de transmissão de dados a débito significativo, entre outros exemplos conhecidos, podendo, no entanto, em termos meramente técnicos, discutir-se ainda se se está perante uma concorrência entre tecnologias ou uma verdadeira convergência de redes e serviços. Em qualquer caso só a total digitalização da cadeia de transmissão desde a produção à recepção pelo utilizador viabilizará uma convergência mais aprofundada.

Na óptica do mercado, no sentido de uma maior integração vertical, por exemplo, é já do conhecimento de todos que o principal operador de telecomunicações nacional - a Portugal Telecom - tem uma subsidiária para a oferta de redes de TV por cabo e, recentemente, anunciou também parcerias com a indústria de conteúdos para o desenvolvimento de novos serviços.

No entanto, para os utilizadores a convergência não é assim tão evidente já que continua a haver, de um modo geral, uma visão diferenciada, decorrente da utilização de terminais distintos e em particular do receptor de TV e do computador pessoal.

Em termos de posições portuguesas nesta matéria, acho que em todo este processo se deve insistir na liberalização em toda a União Europeia das redes de TV por cabo, como condição essencial para promover o alargamento das opções de acesso a serviços de telecomunicações e difusão em condições competitivas de preço e qualidade e evitar assimetrias nos mercados das telecomunicações e da televisão por cabo e garantir reciprocidade nas oportunidades de negócio nos diversos Estados-membros.

Simultaneamente é necessário garantir uma convergência de regimes regulamentares na oferta de redes dos dois tipos e assegurar a gestão integrada dos recursos que ambas utilizam como é o caso do espectro radioeléctrico.

Torna-se necessário sublinhar que Portugal se apresenta numa situação peculiar no que respeita a este aspecto concreto:

Apesar de contar com um período de derrogação - estamos a um ano e meio da liberalização plena das infra-estruturas de telecomunicações - de há muito que liberalizámos a oferta de redes de TV por cabo e já temos um avanço significativo no que respeita à gestão integrada de aspectos técnicos-regulamentares (nomeadamente, relacionados com a gestão do espectro radioeléctrico e ao regime de licenciamento das redes) quer no caso de redes de transmissão no sentido tradicional do termo quer no das redes de TV por cabo, situação que é distinta da existente noutros Estados Membros da União Europeia.

Pelo menos a nível das redes, deve haver portanto regimes de licenciamento unificados, admitindo-se, no entanto, que a nível dos serviços não endereçados possa haver condições adicionais específicas.

Deverá também evitar-se a criação de zonas cinzentas ou lacunas legislativas que se traduzam no atraso da concessão de autorizações a novos operadores ou no bloqueio da operação de novos serviços.

Reforçando o que afirmei anteriormente, a convergência vai impôr a necessidade de uma atenção especial e de uma visão integrada em particular em duas áreas: concorrência e acessibilidade.

No 1º caso a análise da aplicação das leis da concorrência e a determinação e prevenção de abusos de posição dominante tornar-se-á certamente mais complexa como resultado inevitável do envolvimento dos diversos operadores em actividades "convergentes" e de uma tendência para uma certa integração vertical decorrente do interesse crescente dos operadores de telecomunicações pelas actividades de difusão e mesmo pelas de produção de conteúdos, a que já aludi no caso Português.

Neste campo há que realçar outro aspecto importante que é o do controle de eventuais abusos de posição dominante onde se deverão prever preferencialmente mecanismos específicos contendo obrigações especiais em termos de contabilidade e/ou de separação estrutural e não avançar simplesmente com o barramento do acesso aos mercados das redes de TV por cabo a certos operadores dominantes do sector das telecomunicações.

Quanto aos aspectos ligados à acessibilidade e ao combate à info-exclusão será concerteza necessária uma avaliação conjunta dos conceitos de serviço universal (próprio das telecomunicações) e de missão de serviço público (do âmbito da radiodifusão) com vista a eventual abordagem integrada que possa ser tida em conta na procura das soluções mais adequadas.

Finalmente, a questão mais concreta do futuro modelo regulamentar, que a Comissão também desenvolve no Livro Verde, merece naturalmente um amplo debate multisectorial, pelo que nesta fase se justificam apenas reflexões preliminares.

Importa recordar desde logo que a nova Lei de Bases de Telecomunicações - publicada em 1997 - se inscreve já inequivocamente numa visão de convergência ao não distinguir do ponto de vista de enquadramento legal entre redes de difusão e redes de telecomunicações endereçadas.

A política de liberalização que a Lei consagra ao nível das redes é portanto uma política global afectando ambos os sectores - telecomunicações endereçadas e de difusão - constituindo um passo importante no sentido de uma "convergência regulamentar", embora, como é do conhecimento geral, os serviços não endereçados não sejam por ela abrangidos, mantendo-se ainda a tradicional separação entre as telecomunicações e a teledifusão, ao nível das Tutelas, das entidades reguladoras.

Qualquer mudança nesta separação tradicional implicará seguramente alterações profundas associadas a opções políticas de fundo, mas como sublinha a Comissão, impõe-se em qualquer caso reflectir sobre o futuro.

Considerando a actual situação portuguesa parece-nos, no entanto, que nenhum dos modelos descritos no Livro Verde se constituirá exactamente na melhor solução para o País.

Provavelmente e pelo menos de um ponto de vista sectorial, a solução mais adequada poderia ser o que se poderia definir como uma evolução da opção 1 - a manutenção dos actuais modelos regulamentares verticais - ou uma solução mais próxima da opção 3 - introdução gradual de um novo modelo regulamentar que abranja os existentes e os novos serviços - mas não coincidente com ela.

Seria antes uma solução que, do ponto de vista das redes, consagraria um tratamento integrado a nível de quadro regulamentar e de orgão regulador, mas que reconheceria a especificidade de certos aspectos dos serviços de difusão como os ligados a questões de conteúdos/programação e às obrigações de serviço público nesta área a ser tratadas num quadro regulamentar autónomo e supervisionados por um organismo particularmente vocacionado para o efeito

Do nosso ponto de vista é nítida, ao nível do multimédia, a separação entre duas áreas no domínio da regulamentação - a tecnológica, associada a redes e serviços, e a de conteúdos.

Se na primeira já vimos que temos uma regulamentação praticamente única, que se acentuará inclusive ao nível da rádio e televisão com a aproximação destas áreas ao regime de acessibilidade plena que as novas tecnologias de difusão digital permitirão, quer por via hertziana, quer por cabo, já no domínio dos conteúdos cremos que não se justifica uma integração.

Os conteúdos apresentam questões de regulamentação substancialmente distintas, excedendo inclusive a área dos multimédias electrónicos a que nos estamos a referir.

Aspectos de natureza mais política e horizontal como os ligados à protecção de dados pessoais e direitos de propriedade intelectual deveriam continuar a ser objecto de regulamentação autónoma e tão horizontal quanto possível sob o controle de estruturas mais vocacionadas para esses aspectos no seio da Administração Pública.

Este modelo permitiria uma aproximação integrada às redes e a muitos aspectos dos serviços abrangidos pela convergência, assegurando um quadro de licenciamento e operação bastante uniforme e garantindo também uma regulação coordenada de certos aspectos mais técnicos mas essenciais para a sua oferta (planificação e gestão de frequências, condições de interligação e oferta de rede aberta, co-locação e partilha de infra-estruturas).

Simultaneamente seria facilitada a supervisão dos operadores globais actuando nos diversos mercados e a prevenção de quaisquer abusos de posição dominante.

Finalmente evitar-se-ia com o modelo proposto a intervenção do orgão regulador das telecomunicações em áreas para as quais não tem vocação e o seu envolvimento em matérias de natureza política e horizontal, em que inclusivamente a sua actuação como regulador independente suscitaria maiores reservas.

Os aspectos que foram abordados são, no nosso entendimento, os fundamentais para o debate em curso e que será concerteza retomado com novo vigor após serem conhecidos os resultados da consulta promovida pela Comissão.

O calendário previsto para o processo é que em Junho deste ano seja publicado um Relatório sobre a consulta, podendo vir a ser adoptadas algumas resoluções sobre a matéria pelo Conselho e Parlamento Europeu, seguindo-se-lhe a preparação pela Comissão de um Plano de Acção para a Convergência até final de 1998.

Durante 1999, e de acordo com o que está previsto e foi já anunciado pela Comissão, será realizada uma análise mais detalhada ao sector das Telecomunicações, tendo em conta os desenvolvimentos que se venham a registar durante as fases em curso do processo e com vista a uma revisão do seu quadro regulamentar.

Certo é que se trata de um processo irreversível no caminho para a Sociedade Global da Informação como está, aliás, bem patente no amplo e interessante programa desta Conferência, reforçado pela presença de um painél tão ilustre de oradores, moderadores e conferencistas.

O ICP dará, como tem feito até agora no âmbito da sua missão, o seu melhor contributo para que o resultado seja o melhor para as telecomunicações e para o País.

Muito Obrigado

O Presidente do Conselho de Administração do ICP

Fernando Mendes