Conferência sobre televisão digital terrestre - Segunda sessão de trabalhos: A experiência digital na Europa


/ Atualizado em 21.01.2002

O contexto nacional é propício à introdução da Televisão Digital Terrestre. Isto apesar da especificidade das condições demográficas observadas em Portugal. Em outros países, por exemplo, a penetração das redes de cabo, por ser muito elevada, dificulta a introdução de uma rede de transporte alternativa. É o caso da Suíça. De qualquer modo, a introdução da Televisão Digital Terrestre (DVB-T - Digital Video Broadcasting - Terrestrial) terá de contribuir para reduzir a info-exclusão.

Estes foram pontos desenvolvidos durante a Conferência Internacional sobre Televisão Digital Terrestre, que ontem se iniciou em Lisboa, resultado de uma organização conjunta do Instituto da Comunicação Social (ICS) e do Instituto das Comunicações de Portugal (ICP).

De acordo com Nuno Cintra Torres, que participou no primeiro grupo de trabalho, subordinado ao tema "Aspectos Tecnológicos e de Mercado da Televisão Digital Terrestre, Portugal tem características muito próprias no sector das comunicações. O consultor da TV Cabo para a área dos conteúdos e do multimedia lembrou que Portugal é o País da Europa com maior proporção de casas unifamiliares, a menor de blocos de apartamentos e a maior proporção de segundas casas, apesar de a maioria não ser sequer habitada. "Estas características têm de ser tomadas em conta no planeamento nacional da televisão digital terrestre", frisou.

Cintra Torres defendeu que o DVB-T mantém "todas as vantagens" do sistema analógico terrestre, ao mesmo tempo que melhora bastante a imagem, permite o uso do ecrã 16:9 e o acesso a serviços de valor acrescentado. Este responsável afirmou ainda que, "num país pequeno como Portugal, onde a Portugal Telecom tem apenas cem emissores, será mais fácil a transição para um sistema digital terrestre".

Independentemente do país, a possibilidade de introdução de novos serviços surge sempre como uma vantagem associada à Televisão Digital Terrestre. Para Manuel Cubero, responsável do grupo alemão Kirch, é necessário que o lançamento do DVB-T seja acompanhado da introdução de serviços com valor acrescentado. É o caso, a título de exemplo, da recepção móvel nos serviços de transportes públicos. "Só assim" - acrescentou - o serviço "se tornará atractivo para o consumidor".

Mais semelhante a Portugal é o exemplo finlandês. Segundo Esa Blomberg, responsável da da Digital TV Forum Finland, o país tem "cinco milhões de habitantes e 2,2 milhões de lares equipados com televisões, 49 por cento dos quais com recepção terrestre, 41 por cento por cabo e o restante por satélite. E, tal como em Portugal, tem mais de meio milhão de cidadãos a viver fora do país". Esa Blomberg defendeu a importância da introdução da televisão digital na Finlândia como forma de garantir o acesso de todos "às auto-estradas da informação". Na Finlândia, anunciou, os primeiros ensaios da DVB-T serão iniciados em Setembro.

O caso suíço é diferente. Segundo Frederic Riehl, director da entidade reguladora das comunicações daquele país, a televisão pública deverá ter um "papel motor" no lançamento da DVB-T. Na Suíça, acrescentou, a taxa de penetração das redes de cabo é muito elevada, atingindo 95 por cento dos telespectadores. A televisão pública é transmitida apenas via satélite. Ainda assim, Frederic Riehl prevê que o DVB-T venha a ser desenvolvido na Suíça para os utilizadores de satélite e defendeu que a recepção do DVB-T deverá ser portátil, para ser mais atractiva.

"Resistência à mudança"

Na Suécia, o segundo país da União Europeia onde o processo de introdução da Televisão Digital Terrestre (DVB-T) se encontra mais avançado, a seguir ao Reino Unido, o quadro de regulamentação para o DVB-T começou a ser delineado em 1997, terminando no ano passado, com a atribuição de quatro licenças para multiplexers.

Ainda assim, o DVB-T teve um arranque lento na Suécia. Isso mesmo foi diagnosticado por Jan Johansson, Director-Geral da sueca Teracom. As vendas foram baixas, as primeiras notícias negativas. Ao fim de um ano, no entanto, a tendência inverteu-se, havendo hoje cerca de seis mil assinantes no País. Espera-se que, em Outubro deste ano, esse número suba para cem mil assinantes. No entanto, referiu Jan Johansson, nota-se ainda "resistência à mudança", até devido ao facto de o consumidor se encontrar "bastante confuso".

Se o representante sueco considerou razoável a transição total para o digital dentro de dez anos, já o interveniente alemão alargou esse prazo para mais cinco anos. Wolfgang Becker, presidente do Grupo de Trabalho sobre televisão digital coordenado pelo governo alemão, considerou que a digitalização, "necessária por razões políticas, económicas e técnicas", só poderá obter sucesso se resultar de "um calendário e de métodos consensuais entre todas as partes envolvidas".

Já em Espanha, 50 por cento do País tem neste momento cobertura digital, embora a comercialização da DVB-T esteja prevista somente para a próxima Primavera. O "switch off" do sistema analógico, porém, e nas palavras de Javier Riesgo, director-geral das Comunicações, não ocorrerá antes de 2012.

Em Itália, de acordo com Paola Manacorda, da entidade reguladora italiana, a transição digital tem sido "lenta e sofrida", devido sobretudo à "saturação caótica do espectro". O assunto está em estudo desde o fim de 1998, prevendo-se a atribuição de quatro licenças com cobertura nacional, que corresponderão ao lançamento de 16 programas de DVB-T.

Em França, o debate político sobre a introdução desta tecnologia apenas começou. Segundo Raphael Hadas-Lebel, presidente do Grupo de Trabalho francês sobre DVB-T, a lei base do sector deverá ser votada no parlamento nacional no próximo Verão e só em 2001 será lançado o primeiro concurso para atribuição de licenças.

"Manter o acesso aberto"

Presente no terceiro grupo de trabalho, subordinado ao tema "Iniciativas e Políticas Comunitárias", Jacques Lovergne, da Direcção Geral da Concorrência da Comissão Europeia, é necessário "manter aberto o acesso ao mercado", afirmou Jacques Lovergne. Só assim se defende o interesse do consumidor, uma vez que a concorrência baixa os preços e diversifica os serviços oferecidos, a convergência tecnológica e o pluralismo.

A Direcção Geral entende os mercados "de forma dinâmica", e analisa positivamente as alianças estratégicas entre operadores, desde que se mantenham os princípios básicos da concorrência.

Para os conteúdos, Jacques Lovergne salientou a importância de sub-alianças entre operadores associados, para evitar direitos de exclusividade muito restritos, que prejudicam o acesso a programas de especial apetência para os espectadores, como filmes em estreia televisiva e programas desportivos em directo.

O especialista do Observatório da Comunicação (OBERCOM) Rui Cádima destacou o "papel estratégico" do serviço público de televisão na implantação do modelo digital, uma vez que este permite prestar serviços de importância especial em termos de educação, com destaque para as possibilidades de interactividade.

"Falta muito à Internet para ser universal", constatou, afirmando que a DBV-T pode ajudar a alcançar novos níveis de interacção social e partilha de solidariedades, universalizando a comunicação e os conteúdos entre os públicos "mais vulneráveis", como as minorias étnicas. Contudo, acrescentou, não existe ainda "uma cultura digital" nos meios de decisão, porque as políticas públicas ainda não definiram como prioridade a acessibilidade e a digitalização dos conteúdos.

A experiência actual da televisão analógica revela que os públicos preferem conteúdos mais reconhecíveis, pelo que o DBV-T é uma oportunidade de reencontro com a produção nacional. A oferta tem que ser "atractiva", seguindo uma complementaridade com o cabo e o satélite, defendeu Rui Cádima.

A representar o DigiTAG, um grupo europeu de implementação do DVB-T esteve Martin Van Wijk, que apontou a os progressos dos países europeus: dois têm já TV digital, cinco (entre os quais Portugal) pensam tê-la em 2002, e nove estão já a estudar as perspectivas.

Adam Watson Brown, da Comissão Europeia para a Sociedade da Informação, salientou a importância de não estruturar demasiado o mercado com legislação muito pormenorizada. Deve deixar-se espaço para os operadores agirem, com uma regulação mínima e respeito pelas leis da concorrência.

A postura dos Estados deve ser "tecnologicamente neutra", uma vez que apoiar financeiramente os operadores de DBV-T pode motivar queixas dos operadores de cabo e satélite, que sentirão estar a ser prejudicados. O acesso ao espectro digital deve ser igual para todos, públicos ou privados, já que o sucesso do mercado depende disso, afirmou. A regulação dos conteúdos e as redes deve ser feita separadamente a nível europeu, respeitando as especificidades de cada Estado. Mas a orientação geral terá que ser comum, apontando para a convergência.