ANACOM considera urgente adotar medidas que reforcem a concorrência e a proteção dos consumidores propondo ao Governo reduzir prazo das fidelizações para promover redução de preços


Tendo em conta o contexto de aumento das pressões inflacionistas em Portugal e o consequente aumento do custo de vida, e atendendo aos níveis de pobreza no nosso país, a ANACOM, enquanto autoridade reguladora das comunicações, decidiu adotar em 25 de outubro de 2022 uma recomendaçãohttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1731762 dirigida aos prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, para que considerassem o impacto das suas políticas de preços sobre as famílias, que enfrentam um aumento do custo de vida sem precedentes na história recente. Situação agravada atendendo a que, em Portugal, a proporção da despesa das famílias com serviços de comunicações, que são um serviço público essencial, é superior à média da União Europeia.

Dos quatro maiores prestadores, apenas a NOWO (com uma quota de mercado entre 2 e 3% consoante o tipo de serviço) decidiu acolher a recomendação, tendo decidido não aumentar os seus preços. Em contraste com esta decisão, observa-se que a recomendação formulada pela ANACOM não foi acolhida pelos três principais prestadores, MEO, NOS e Vodafone (que no seu conjunto são responsáveis por quotas de mercado entre 96 e 97% consoante o tipo de serviço), os quais decidiram proceder ao aumento dos preços, sendo as atualizações calculadas com referência à taxa de inflação, baseada no Índice de Preços no Consumidor referente ao ano de 2022, representando aumentos de até 7,8%.

Em Portugal, como em todos os restantes países da União Europeia, os preços retalhistas dos serviços de comunicações eletrónicas, ou seja, os que são apresentados aos consumidores, não são objeto de regulação, dependendo os mesmos do funcionamento do mercado. Neste quadro, a fixação dos preços e as decisões quanto a aumentos dos mesmos são da iniciativa dos prestadores e da sua exclusiva responsabilidade, não decorrendo de qualquer decisão do regulador.

Importa ter presente que também diversos prestadores em França (Free Mobile), Espanha (DIGI) e Alemanha (Deutsche Telekom) decidiram não proceder a aumentos de preços e outros decidiram limitar esse aumento a 2 euros, como são os casos da Orange em França e da TIM e da WindTre em Itália, ou proceder a aumentos entre 50 cêntimos e 1,99 euros, como é o caso da Vodafone Itália. Na Bélgica como em diversos outros países da União Europeia, a maioria dos prestadores que decidiram proceder a aumentos dos preços, optaram por aumentos abaixo da taxa de inflação.

Os aumentos dos preços em Portugal decididos pelos três maiores prestadores de serviços de comunicações eletrónicas, pelo facto de serem substancialmente superiores aos aumentos observado noutros países, alargam ainda mais o fosso entre Portugal e os países da União Europeia, tendo presente que já antes destes aumentos os preços das comunicações em Portugal estavam, em 2021, 19,3% acima da média europeia, ocupando Portugal a 8ª posição entre os países da UE com os preços das comunicações mais elevados.

O agravamento desta disparidade é tanto mais incompreensível quanto se observa, pela análise dos dados financeiros das empresas do sector, a manutenção de uma rentabilidade operacional em níveis elevados.

Em Portugal, os aumentos de preços decididos pelos três maiores prestadores, no que respeita aos contratos celebrados, foram anunciados como correspondendo à aplicação das respetivas disposições contratuais.

Recorda-se que a ANACOM procedeu também, na prossecução das suas atribuições e no âmbito das suas competências, à avaliação da conformidade das cláusulas contratuais de atualização de preços face aos parâmetros legais aplicáveis, tendo determinado, igualmente em outubro de 2022, a respeito de algumas cláusulas contratuais, a correção das mesmas, no sentido de permitir a suficiente previsibilidade, transparência, segurança das atualizações, bem como a pormenorização dos procedimentos exigíveis para a cessação de contratos, nos termos do disposto na Lei das Comunicações Eletrónicas.

Na medida em que tenham sido cumpridas as regras aplicáveis em matéria de transparência da informação contratual e, quando tais cláusulas tenham sido introduzidas durante a execução do contrato, tenham sido respeitados os requisitos de alteração unilateral das condições contratuais pelas empresas, os aumentos realizados ao abrigo das referidas cláusulas não sustentarão, quando estejam em curso períodos de fidelização, o direito dos consumidores de resolver os contratos sem encargos.

Neste contexto importa reforçar a importância de serem seguidas pelos prestadores duas das recomendações formuladas pela ANACOM:

  • Não exigir o pagamento dos encargos contratualmente previstos em caso de denúncia antecipada do contrato durante o período de fidelização por consumidores que adiram a uma oferta de tarifa social de acesso à Internet em banda larga.
  • Prever a redução contratual sem penalização, particularmente para utilizadores finais que revelem estar em situação económica vulnerável, mesmo que não enquadrada nas situações legalmente previstas como fundamento para a suspensão temporária do contrato ou a sua resolução.

A ANACOM esclarece que no caso de contratos originais ou alterados que não prevejam cláusula de atualização de preços, ou em que o aumento realizado não corresponde ao que nela esteja estipulado, os prestadores estão obrigados a comunicar aos consumidores a alteração, incluindo nessa comunicação informação sobre o direito a resolver o contrato sem encargos. Aconselha-se, assim, os consumidores a informarem-se devidamente sobre as condições dos seus contratos em vigor.

De notar que, nos termos da nova Lei das Comunicações Eletrónicashttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1727429, caso os prestadores pretendam aumentar preços em contratos que não prevejam os termos e condições desse aumento, têm de notificar os consumidores de forma clara, compreensível e em suporte duradouro, com pelo menos um mês de antecedência, devendo informá-los, na mesma comunicação, do seu direito de resolver o contrato sem encargos, caso não aceitem as novas condições.

A responsabilidade pela aplicação das cláusulas contratuais é dos operadores. São estes que têm que garantir que os consumidores são devidamente informados sobre essas cláusulas, nomeadamente face ao regime decorrente da lei das cláusulas contratuais gerais, que compreendem o seu alcance, pelo que uma análise do cumprimento destas regras, na aplicação daquelas cláusulas, envolve verificar caso a caso, a sua forma de implementação e respetiva repercussão no consumidor.

Muito embora a aferição da aplicação das referidas cláusulas esteja sujeita a uma análise casuística e, em última análise, seja matéria de decisão judicial, em respeito da separação de poderes, a ANACOM permanecerá atenta aos desenvolvimentos resultantes da aplicação das referidas cláusulas, em colaboração e cooperação com outras entidades competentes sobre a matéria, e prosseguirá as suas atribuições em matéria de proteção dos direitos e interesses dos consumidores e demais utilizadores finais, nomeadamente dotando e esclarecendo estes últimos das informações necessárias para que possam fazer valer os direitos que a lei lhes garante.

Sendo que uma das opções que poderão dar maior capacidade aos clientes de lidar com estas situações é, a nosso ver, a redução do período de fidelização, que lhes permite ter maior número de ofertas e operadores com quem negociar alternativas para a prestação do serviço.

Como é sabido, a nova Lei das Comunicações Eletrónicashttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1727429 – que entrou em vigor em novembro passado - procedeu a alterações ao regime que vigorava anteriormente em matéria de fidelização contratual, com o intuito de reforçar os direitos dos utilizadores finais.

Apesar de a atual Lei das Comunicações Eletrónicashttps://www.anacom.pt/render.jsp?contentId=1727429 impor diversas obrigações às empresas visando limitar as situações em que são admitidas fidelizações, iniciais ou subsequentes, continua o quadro legal a ser insuficiente para, face à reduzida dinâmica concorrencial que vem sendo observada no mercado português com a convergência das estratégias comerciais adotadas pelos maiores players no mercado, dar a necessária resposta para promover o incentivo à mobilidade dos utilizadores e ao fomento da concorrência.

Recorde-se que, já no contexto da proposta de alteração legislativa apresentada pela ANACOM em 2019, bem como do anteprojeto de diploma de transposição do Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, a ANACOM apresentou diversas preocupações relacionadas com o efeito prejudicial das fidelizações no mercado dos serviços de comunicações eletrónicas e, em particular, na mobilidade dos utilizadores finais. Nesse sentido, as propostas então apresentadas procuravam dar resposta a estas preocupações e endereçar os constrangimentos de natureza concorrencial identificados. Concretamente no âmbito da transposição do referido Código, a ANACOM sinalizou a importância de ser ponderada a possibilidade de redução da duração máxima do período de fidelização para 12 ou 6 meses, caso não se atendesse a proposta de redução de encargos por denúncia antecipada por contrato.

Note-se que, em algumas circunstâncias, poderão existir efeitos positivos da existência de fidelizações, já que estas permitirão a diluição dos custos fixos por um determinado número de meses, podendo contribuir para que estes consumidores tenham acesso a ofertas que, de outra forma, não teriam.

Não obstante, em Portugal, atentas as características do mercado nacional de comunicações eletrónicas, as fidelizações têm sido instrumentais no contexto de estratégias comerciais que têm contribuído para um mercado caracterizado por défices concorrenciais. Está em causa um mercado caracterizado pela existência de barreiras à entrada e à expansão significativas, fortemente concentrado em três operadores com rede própria, com uma quota de mercado agregada próxima dos 100%. Os operadores em causa têm incentivado a que os consumidores subscrevam serviços comercializados em pacotes convergentes, com períodos de fidelização associados relativamente longos (até 24 meses). Neste contexto, eventuais prestadores alternativos tendem a ser confrontados com dificuldades em concorrer, para além das que resultam de serem novos entrantes em mercados maduros, já que uma parte significativa dos consumidores estão fidelizados a cada um dos três prestadores de rede própria, o que limitará a sua capacidade de adquirir quota de mercado.

Para além do impacto na concorrência, importa também salientar que o regime de fidelizações em Portugal não tem conduzido a preços baixos. Pelo contrário, Portugal, de acordo com vários benchmarks, é um dos países da União Europeia (UE) em que os preços das comunicações eletrónicas mais têm aumentado (+7,7% desde 2009), contrastando com reduções em média na UE (redução de 10% desde 2009). Acresce que, contrariamente ao que acontece em Portugal, têm-se registado reduções de preços mesmo em países com menores períodos de fidelização e com limites aos encargos no caso de cessação antecipada dos contratos.

Variação do Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) das telecomunicações na União Europeia entre dezembro de 2009 e dezembro de 2022

Decorre do exposto que se revela da maior importância limitar a duração dos períodos de fidelização, como a ANACOM tem vindo a defender.

Aspeto também relevado pela Autoridade da Concorrência que destacou o facto de a refidelização durante ou após o termo do período de fidelização inicial se ter tornado uma prática extremamente comum, ocorrendo em mais de 48% dos contratos com fidelização (dados citados pela AdC). Conforme é sublinhado pela AdC: “Não se afiguram possíveis justificações que motivem a necessidade de uma fidelização adicional pelo mesmo operador que não seja a de retirar do mercado os consumidores mais propensos à mudança” (cf. Relatório “Fidelização nos serviços de telecomunicações”, dezembro de 2019).

A ANACOM tem vindo a observar, desde o final de 2021, uma evolução preocupante das reclamações sobre a contratação ou ativação de serviços sem consentimento, que originam novas fidelizações e refidelizações. Alertamos para as situações mais frequentes descritas nas reclamações:

  • Contratação de serviços sem consentimento válido do titular do contrato por iniciativa do prestador de serviços, designadamente na celebração de contratos através de meios à distância, sem que haja assinatura ou confirmação escrita (e.g. através de SMS) da proposta apresentada;
  • O reclamante, por razões diversas, em contacto com o prestador de serviços é informado de que o contrato foi anteriormente renovado, sendo que o reclamante não se recorda da receção de proposta contratual ou da concessão de consentimento para a renovação do contrato;
  • Refidelização após recusa do reclamante na adesão à proposta contratual apresentada pelo prestador de serviços através de meios à distância;
  • Refidelização sem o consentimento do cliente, não correspondendo a assinatura que consta do contrato à do respetivo titular;
  • Renovação do contrato e do correspondente período de fidelização após contacto telefónico do prestador para apresentação de propostas comerciais, apesar de o reclamante manifestar apenas interesse em receber a proposta por escrito para posterior análise;
  • O reclamante não é cliente do operador, não solicitou qualquer serviço, e foi contactado por aquele para marcação da respetiva instalação;
  • Alteração contratual efetuada através de meios à distância (telefone ou área de cliente), promovida por terceiros face à relação jurídica existente, designadamente por familiares do titular do contrato;
  • Ativação de aditivos (add-ons), conteúdos ou serviços digitais pelo operador sem consentimento do cliente, nomeadamente no que respeita à facilidade de contratação de add-ons, de serviços ou conteúdos digitais através da box, por utilizadores desprovidos de conhecimento tecnológico e intenção de contratação, sobretudo crianças e idosos.

A ANACOM entende, assim, que deve ser reduzida a duração máxima do período de fidelização de 24 para 6 meses, atendendo aos claros benefícios que tal proporcionará aos consumidores, que beneficiarão de maior poder de escolha e de mudança, incentivando os prestadores de serviços de comunicações eletrónicas a reverem e a adaptarem as suas estratégias comerciais em benefício de uma maior concorrência. Com este objetivo a ANACOM apresentou ontem ao Governo a respetiva proposta de alteração legislativa.

Simultaneamente, na proposta apresentada a ANACOM considera de crucial importância que seja limitada a possibilidade de estabelecimento de períodos de fidelização contratual a situações em que haja lugar à subsidiação de equipamentos ou do valor da instalação dos serviços.

Atendendo ao teor do que se propõe, recomenda-se ainda a alteração do modo de cálculo dos encargos que podem ser exigidos aos consumidores por denúncia antecipada do contrato, associando-os apenas ao valor das mensalidades vincendas.

O recente aumento de preços por parte dos três maiores prestadores veio reforçar esta preocupação de mobilidade. Com efeito, o facto de a larga maioria dos consumidores terem celebrado contratos com períodos de fidelização, limita excessivamente a mobilidade por parte dos consumidores, mesmo quando confrontados com atualizações de preços que, ainda que contratualmente previstas, se revelam muito penalizadoras dos seus orçamentos familiares, além de prejudicarem a atividade de outros players que pratiquem condições mais favoráveis.

Note-se, a título de exemplo, que na Dinamarca se encontra estabelecido o que agora se propõe, ou seja, um período máximo de fidelização de 6 meses, tendo-se observado nesse país uma redução significativa dos preços retalhistas (de 32,9% entre o final de 2009 e abril de 2022). Também a Bélgica, apesar de ter fixado um período de duração máximo de 24 meses, não admite a cobrança de encargos caso a denúncia seja solicitada após o sexto mês do período de fidelização, com exceção da recuperação de valores associados à subsidiação de equipamentos. Assinala-se, neste contexto, ainda, os casos da Noruega e da Hungria, com períodos de fidelização de 12 meses, ou seja, inferiores ao máximo admitido no Código Europeu das Comunicações Eletrónicas.

Como a ANACOM já teve várias vezes oportunidade de assinalar, o regime de fidelizações em Portugal não favorece o desenvolvimento do sector numa base concorrencial, verificando-se que são praticados preços mais elevados do que aqueles que um operador praticaria se a ameaça de saída para outro operador fosse credível. A mitigação deste efeito, através de uma maior restrição à capacidade de os operadores fidelizarem os seus clientes, tenderá a gerar preços mais reduzidos.

Neste contexto, a ANACOM teve em conta na proposta apresentada ao Governo a necessidade de se obter um compromisso e um justo equilíbrio entre o ambiente concorrencial, a proteção dos consumidores, a liberdade contratual dos agentes económicos e a estabilidade e remuneração dos investimentos nas infraestruturas e equipamentos por parte das empresas. A ANACOM teve, ainda, em consideração o facto de uma elevada percentagem dos alojamentos estarem já hoje cobertos por redes de fibra óptica, localizados em zonas predominantemente urbanas, de terem existido financiamento avultados com fundos europeus para o desenvolvimento das redes rurais e de estar previsto um novo financiamento público para levar a redes fixas de capacidade muito elevada às zonas mais desfavorecidas em termos de cobertura dos alojamentos, o que faz com que os operadores retalhistas partilhem a rede grossista instalada com muitos menores custos de investimento e reduz significativamente a justificação de que a fidelização visa cobrir os custos de instalação em novos clientes.