Enquadramento regulatório da actividade dos MVNO


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Enquadramento regulatório da actividade dos operadores móveis virtuais (MVNO)

 
A. Enquadramento

1. No âmbito do processo de análise dos mercados relevantes, o ICP-ANACOM procedeu à análise da generalidade dos mercados, não o tendo feito ainda no que respeita ao mercado grossista do acesso e da originação de chamadas em redes públicas móveis (mercado 15).

2. Não estando concluída a análise deste mercado e consequentemente não estando presentemente identificados operadores com poder de mercado significativo nesse mercado relevante, nenhum dos operadores móveis tem, neste momento, a obrigação regulamentar de oferecer acesso grossista à sua rede a terceiras entidades. No entanto, o actual quadro regulatório permite enquadrar devidamente a actividade de operadores móveis virtuais (MVNO1), que surjam na sequência da desejável livre negociação entre entidades que entendam desenvolver esta actividade e os operadores móveis em cuja rede rádio venham a suportar os seus serviços.

3. O ICP-ANACOM tem sido abordado por algumas entidades (quer sejam MNOs2 ou potenciais MVNOs), no sentido de esclarecer a aplicação do quadro regulatório no que respeita aos MVNOs, tendo sido prestadas todas as informações solicitadas, em conformidade com o previsto na Lei das Comunicações Electrónicas3 (LCE).

4. Por forma a tornar o processo completamente transparente, elaborou-se o presente documento, em que se sintetiza o regime aplicável aos MVNOs, em particular em relação ao regime de autorização geral e às questões relativas aos direitos e obrigações em matéria de numeração e de interligação.

5. Apesar deste documento não alterar em nada o enquadramento regulatório – que sempre possibilitou a existência de MVNOs – deseja-se que seja útil em termos de transparência e previsibilidade da regulação, bem como para dotar todos os intervenientes no mercado do mesmo nível de informação. Espera-se que desta forma, a desejável entrada de MVNOs no mercado e o aumento de contestabilidade que lhe está associada sejam mais efectivas.

B. Noção de MVNO

6. Existem diversas operações económicas que se podem incluir na designação de MVNO, as quais no entanto têm como denominador comum não recorrerem a direitos de utilização de frequências e consequentemente a infra-estruturas próprias associadas à rede de acesso rádio, devendo por isso suportarem-se em meios rádio fornecidos por operador(es) de rede detentores dos respectivos direitos de utilização.

7. A noção de MVNO implica que seja assegurada uma relação contratual directa entre o MVNO e o cliente final, associada à prestação do serviço, afastando-se por isso desta noção actividades de mera distribuição de serviços, nas quais a relação contratual se mantém entre o cliente final e o operador de rede móvel.

8. Nesta conformidade, os MVNOs são entidades que:

a. Possuem clientes directos, isto é, são responsáveis exclusivos pela relação com os utilizadores finais, assegurando directamente, perante estes e perante o ICP-ANACOM, o cumprimento das regras de protecção dos utilizadores e assinantes específicas do sector das comunicações electrónicas, tais como a portabilidade, a utilização de contratos de adesão aprovados pelo regulador e a disponibilização de serviços de apoio ao cliente, incluindo a prestação de informações e o tratamento de reclamações, facturação e cobrança, assim como as demais condições constantes do artigo 27º da LCE que se revelem aplicáveis;
b. Concebem e colocam no mercado uma oferta retalhista própria, tendo a liberdade de a diferenciar da do operador em que se suportam, definindo a sua própria estratégia comercial.

9. Partilhando as características acima referidas, podem enquadrar-se como MVNO operações distintas, consoante utilizem mais ou menos sistemas e infra-estruturas próprias.

10. Um MVNO light caracteriza-se por possuir um número reduzido ou nulo de elementos da infra-estrutura de rede de comunicações, assegurando todavia os meios que lhe permitem controlar a sua relação com o cliente. Este tipo de operação pode ir de uma versão mais simples, em que não há emissão própria de cartões SIM, embora possa haver utilização de plataformas próprias de serviços de valor acrescentado, de Billing e ou de CRM4, que permitem controlar a relação com o cliente final, a versões mais complexas, caso em que o grau de autonomia face ao MNO de suporte aumenta, uma vez que adicionalmente poderá haver emissão própria de cartões SIM e operação de alguns elementos da infra-estrutura de rede5.

11. Um full MVNO possui, para além dos elementos que caracterizam um MVNO light, diversos elementos do sistema de transmissão e da infra-estrutura de rede, de entre as quais se incluem geralmente comutador (MSC6), AuC7, EIR8, VLR9, e HLR10. Pode igualmente emitir os seus próprios cartões SIM. O full MVNO apenas não detém o direito de utilização de frequências e, como tal, não possui os elementos de infra-estrutura de acesso de rádio (como as estações de base ou controladores de rede), o que o diferencia de um MNO.

12. Esclarece-se que se apresentam aqui estes modelos genéricos de MVNOs, apenas para ilustrar a diversidade de modelos de negócio que podem surgir sob a designação genérica de MVNO, devendo ficar claro que os operadores de rede e as entidades interessadas têm total liberdade de estabelecer o modelo que melhor se adeqúe aos seus interesses específicos e à sua estratégia comercial.

C. Regime de Autorização Geral

13. Qualquer entidade que pretenda vir a exercer uma actividade que se enquadre na noção de MVNO, tal como referida nos parágrafos anteriores, deverá comunicar ao ICP-ANACOM o início dessa actividade, nos termos fixados na LCE. Para o efeito não é necessário que tenha um acordo firmado com um operador de rede detentor de direitos de utilização de frequências radioeléctricas, que lhe permita a prestação a retalho de serviços telefónicos móveis.

14. A actividade de MVNO (light e full) é enquadrável na oferta de redes e de serviços de comunicações electrónicas. Como tal, nos termos da LCE, está sujeita ao regime de autorização geral, bem como às condições decorrentes da atribuição de direitos de utilização de números.

15. De acordo com a LCE, as entidades que pretendam oferecer redes ou serviços de comunicações electrónicas, estão obrigadas a enviar previamente ao ICP-ANACOM uma descrição sucinta da rede ou serviço cuja oferta pretendam iniciar e a comunicar a data prevista para o início da actividade, sem prejuízo de outros elementos que venham a ser requeridos pelo regulador. Para o efeito, deverá ser utilizado o modelo de comunicação e respectivo formulário definidos pelo ICP-ANACOM11. Após a recepção da comunicação de início da oferta, esta Autoridade emitirá uma declaração que descreve os direitos em matéria de acesso e interligação e, quando aplicável, em matéria de instalação de recursos, tendo em vista a sua apresentação de modo a facilitar o exercício destes direitos12.

16. Qualquer entidade que ofereça uma rede de comunicações electrónicas é considerada um operador de rede. Para esse efeito, entende-se por rede de comunicações electrónicas ''os sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e os demais recursos que permitem o envio de sinais por cabo, meios radioeléctricos, meios ópticos, ou por outros meios electromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a Internet) e móveis, os sistemas de cabos de electricidade, na medida em que sejam utilizados para a transmissão de sinais, as redes utilizadas para a radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida.'' (cfr. alínea x) do artigo 3º da LCE).

17. Por outro lado, por serviço de comunicações electrónicas entende-se ''o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão,...'' (cfr. alínea cc) do artigo 3º da LCE).

18. Quer a actividade a desenvolver pelo MVNO configure a oferta de uma rede e de serviços de comunicações electrónicas (no caso em que este detenha sistemas de transmissão e alguns elementos de rede, tais como MSC, AuC, EIR, VLR, HLR, ou apenas a oferta de um serviço de comunicações electrónicas (caso utilize todos os elementos de rede do operador de rede em que se suporta), estará sujeita a este regime de autorização geral13.

D. Numeração

19. A oferta de redes e serviços de comunicações electrónicas pode envolver a atribuição de direitos de utilização de números, caso em que se deverá, em conformidade, requerer a respectiva atribuição14.

20. O ICP-ANACOM analisa a necessidade de recursos de numeração em função do requerimento que lhe é dirigido, dos equipamentos que a entidade requerente pretenda instalar e dos serviços que pretenda disponibilizar, sendo que os pedidos de recursos solicitados deverão ser consistentes com a comunicação de início de actividade e respectivo preenchimento do formulário.

21. A decisão sobre a atribuição de recursos de numeração para fins específicos no âmbito do Plano Nacional de Numeração deve ser proferida pelo ICP-ANACOM, divulgada e tornada pública no prazo máximo de 15 dias, procurando no entanto o ICP-ANACOM tomar uma decisão no mais breve período de tempo possível.

22. Os direitos de utilização de números são atribuídos unitariamente ou em blocos, em função do tipo de serviços a prestar e em alguns casos em função da procura previsível de números, sempre na observância dos princípios e critérios para gestão e atribuição de recursos de numeração definidos e das demais condições associadas aos direitos que venham a ser fixadas pelo ICP-ANACOM.

23. São susceptíveis de atribuição aos MVNOs (light e full), em função da necessidade comprovada, os direitos de utilização dos seguintes números:

a. Números de identificação da rede móvel (MNC)15. A atribuição do MNC é unitária por empresa e sujeita aos seguintes critérios:

i. Existência de rede com necessidade de identificação de terminais móveis próprios ou outros (em roamingg);
ii. Existência de rede ou equipamentos que utilizem protocolos estabelecidos no âmbito de normas GSM/UMTS como forma de compatibilizar e assegurar a interoperabilidade de serviços ao utilizador final.

b. Números destinados à prestação do serviço telefónico móvel acessível ao público16. Neste caso poderão ser atribuídos ao requerente blocos de nx10.000 números dentro do nível de numeração “9” (iniciando-se em “92”), com “n” função da procura previsível e fundamentada de números, à escolha do prestador de entre os blocos disponíveis;

c. Números curtos nas gamas 16 e 1817, destinados respectivamente à prestação do serviço de apoio a clientes e do serviço informativo – outras listas e atribuídos com base na preferência do MVNO e na disponibilidade de números, em cada uma das gamas;

d. Números destinados à prestação de serviços não geográficos18, em que poderão ser atribuídos blocos de 10.000 números com base na preferência do prestador e na disponibilidade de números e em função do serviço a prestar19;

e. Números de endereçamento em sinalização n.º 7 destinados a identificar pontos de sinalização necessários ao estabelecimento de uma rede de comunicações electrónicas20. Pressupõem a existência física, no território nacional, de um ou mais elementos de comutação de tráfego, utilizando esta sinalização;

f. Números de identificação de emissores de cartões, sendo atribuído um código por empresa que emita cartões internacionais de telecomunicações21.

24. Associada à atribuição de direitos de utilização de números “9” para a prestação do serviço telefónico móvel, são implicitamente atribuídos direitos de utilização dos números nas gamas “609” e “669” (iniciando-se em “6092” e “6692”) para consulta e depósito de mensagem e nas gamas “639” e “659” (iniciando-se em “6392” e “6592”) para o serviço de fax e de dados, correspondentes aos direitos de utilização de números móveis atribuídos.

25. Os recursos nacionais de numeração referidos anteriormente, poderão ser reservados durante 6 meses, em conformidade com os princípios e critérios de gestão e atribuição de recursos de numeração, até que o acordo de acesso seja concluído22. No entanto a sua atribuição só terá lugar quando a entidade tiver reunido as condições exigíveis para a respectiva atribuição, nomeadamente a prestação do serviço.

26. Decorrendo do Regulamento de Portabilidade23 aplicam-se a estas empresas, em função do tipo de recursos atribuídos, as obrigações aí definidas. A atribuição de código de empresa correspondente ao formato de NRN24 definido no referido regulamento, é unitário e único por empresa com obrigações de portabilidade.

27. As empresas às quais forem atribuídos direitos de utilização de números, ficam sujeitas às condições definidas no âmbito do art.º 34º da LCE, que se mostrem aplicáveis.

E. Pagamento das taxas de espectro

28. Os MVNOs, independentemente da forma que assumam, não possuem direitos de utilização de frequências para a prestação do serviço telefónico móvel, pelo que não estão sujeitos ao pagamento deste tipo de taxas de utilização do espectro.

29. Estas taxas deverão ser pagas pelo operador de rede móvel tendo em consideração, no actual modelo, a componente relativa às estações de base e a componente relativa à totalidade das estações móveis (equipamentos terminais) que a sua rede suporta. Caso o MNO seja o hospedeiro de um ou vários MVNOs, e ainda que estes últimos sejam operadores de rede, deverá contabilizar não apenas os equipamentos terminais afectos à sua própria rede, mas também os restantes equipamentos terminais envolvidos na operação do MVNOs e que se suportam na sua rede.

F. Interligação

30. Constitui direito das empresas que oferecem redes ou serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público25  negociar a interligação e obter o acesso ou a interligação de outras empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas, nas condições e nos termos previstos na LCE.

31. Por outro lado, determina ainda a mesma lei26 que os termos e condições de oferta de interligação devem respeitar as obrigações impostas pelo ICP-ANACOM nesta matéria, e que os operadores de rede têm o direito e, quando solicitados por outros, a obrigação de negociar a interligação entre si com vista à prestação dos serviços de comunicações electrónicas acessíveis ao público27.

32. Neste contexto, os MVNOs (light e full) podem invocar a obrigação de negociar a interligação, devendo os restantes operadores, móveis e fixos, garantir a interoperabilidade de serviços nos termos da lei.

Notas
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1 Mobile Virtual Network Operators na terminologia anglo-saxónica.
2 Mobile Network Operator
3 Lei n.º 5/2004 de 10 de Fevereiro.
4 Customer Relationship Management.
5 Este tipo de prestadores é por vezes designado por Enhanced Service Provider (ESP).
6 Mobile Switching Center.
7 Authentication Center
8 Equipment Identity Register
9 Visitor Location Register
10 Home Location Register.
11 Disponível em: Procedimentos para início da oferta de redes e serviços de comunicações electrónicashttps://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=113059.
12 Declaração prevista no n.º 5 do artigo 21º da LCE.
13 As obrigações e direitos a que estarão sujeitos são as que constam da LCE, nomeadamente as constantes dos seus artigos 22º e 24º a 27º.
14 Determina o artigo 33º da LCE, que a utilização de números está dependente da atribuição de direitos individuais de utilização, que podem ser atribuídos quer às empresas que oferecem redes ou serviços, quer às empresas que utilizam essas redes ou serviços.
15 No âmbito da Recomendação E.212 da UIT-T.
16 No âmbito da Recomendação E.164 da UIT-T.
17 Critério de atribuição em: Critérios para a atribuição e condições para a utilização de recursos de numeração no Nível "1"https://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=2435.
18 No âmbito da Recomendação E.164 da UIT-T – níveis ''6'', ''7'' e ''8''.
19 Critério de atribuição em: Critérios específicos para recursos no âmbito da Recomendação E.164 da UIT-Thttps://www.anacom.pt/render.jsp?categoryId=2432.
20 No âmbito das Recomendações da série Q.7XX da UIT-T.
21 No âmbito da Recomendação E.118 da UIT-T – IIN.
22 Após comunicação relativa à prestação do serviço telefónico móvel, o ICP-ANACOM já reservou recursos de numeração à entidade que o solicitou.
23 Regulamento n.º 58/2005 de 18 de Agosto.
24 Network Routing Number.
25 Nos termos da alínea a) do artigo 22º da LCE.
26 Artigo 64º, 1 e 2.
27 Note-se que ''interligação'' é definida na lei como a ligação física e lógica de redes de comunicações públicas utilizadas por uma mesma empresa ou por empresas diferentes, de modo a permitir a utilizadores de uma empresa comunicarem com utilizadores desta ou de outras empresas ou acederem a serviços oferecidos por outra empresa. Os serviços podem ser oferecidos pelas partes envolvidas ou por terceiros que tenham acesso à rede. A interligação é um tipo específico de acesso implementado entre operadores de redes públicas.