Litígio transfronteiriço entre a EDA e a Cabovisão em matéria de listas telefónicas


/

Projecto de decisão - Resolução de um litígio transfronteiriço entre a EDA e a Cabovisão em matéria de listas telefónicas

I
Factos

 
O pedido da EDA

Em 07.12.2010, deu entrada no ICP-ANACOM um pedido de resolução de litígio transfronteiriço apresentado pela European Directory Assistance, S.A. (EDA) contra a Cabovisão - Televisão por Cabo, S.A. (Cabovisão) 1, ao abrigo do artigo 12.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro (Lei das Comunicações Electrónicas - LCE).

Este pedido encontrava-se redigido em inglês, tendo o ICP-ANACOM solicitado a sua apresentação em língua portuguesa por considerar, atentos os princípios que regem o procedimento administrativo, que os requerimentos dos interessados devem ser redigidos nesta língua. 

O pedido de resolução de litígio redigido em português foi entregue em 04.02.2011 2, data em que se considera que o mesmo foi devidamente apresentado e a intervenção do ICP-ANACOM solicitada ao abrigo do artigo 12.º da LCE.

A EDA começa por fazer uma exposição das actividades económicas a que se dedica, estando a sua área de actividade relacionada com os serviços de informações de listas e listas telefónicas no território do Reino da Bélgica.

No que releva para o presente litígio, a EDA oferece serviços de informações de listas internacionais através dos quais os residentes na Bélgica podem aceder a informação relativa a números de telefone de assinantes que residam noutros países.

Para o efeito, a requerente criou a sua própria base de dados integrada, tendo chegado a acordo com os operadores de telecomunicações de vários países que atribuem números nacionais aos seus assinantes.

No caso de Portugal, refere a EDA que, apesar dos numerosos pedidos dirigidos a todos os operadores de telecomunicações quanto à disponibilização da respectiva base de dados para a elaboração de uma lista telefónica, não obteve qualquer resposta sendo-lhe impossível elaborar uma base de dados integrada portuguesa e prestar aos seus utilizadores belgas serviços de pesquisa sobre os assinantes portugueses.

Para o exercício das suas actividades, a EDA declara que se encontra registada junto do regulador belga de telecomunicações (Belgian Institute for Postal services and Telecommunications - BIPT) como fornecedor de serviços de informações de listas e editor de listas telefónicas, bem como junto da Comissão belga de protecção de dados pessoais (CPVP) como administrador especial de dados pessoais.

A EDA expõe o quadro regulamentar, no seu entender, aplicável à prestação de serviços de informações de listas e publicação de listas telefónicas, do qual destaca as seguintes disposições:

  • Artigo 25.º, 1.º § da Directiva 2002/22/CE 3 e artigo 50.º da LCE que consagram o direito de os assinantes dos serviços telefónicos acessíveis ao público figurarem na lista telefónica completa à disposição do público, prevista, respectivamente, na alínea a) do n.º 1 do artigo 5.º da Directiva e na alínea a) do n.º 1 do artigo 89.º da LCE. Sublinha a EDA que este direito não se refere apenas à inclusão dos dados numa lista telefónica universal, mas à sua inclusão em qualquer lista, portuguesa ou de qualquer outro Estado-Membro;
     
  • Artigo 5.º da Directiva 2002/77/CE que impõe aos Estados-Membros a obrigação de assegurarem que todos os direitos especiais e/ou exclusivos em matéria de criação e prestação de serviços de listas de assinantes no seu território serão suprimidos;
     
  • Artigo 12.º da Directiva 2002/58/CE e alínea i) do n.º 1 do artigo 48.º e n.º 1 do artigo 50.º ambos da LCE que obrigam as empresas que atribuem números de telefone a solicitar aos assinantes o seu consentimento prévio e expresso sobre a inclusão dos seus dados em listas telefónicas e/ou serviços de informações de listas;
     
  • Artigo 25.º, 2.º § da Directiva 2002/22/CE e n.º 4 do artigo 50.º da LCE que obrigam as empresas que atribuem números de telefone a assinantes a disponibilizar os dados dos assinantes que tenham dado o seu consentimento para a inclusão em listas telefónicas e/ou serviços de informações de listas a prestadores destes serviços que apresentem pedidos devidamente fundamentados. A este propósito, a EDA explica os vários modelos europeus para a transmissão de bases de dados de assinantes para publicação de listas telefónicas.

A EDA descreve também os processos de elaboração de uma base de dados integrada, salientando que os mesmos não podem ser realizados sem a disponibilização, por parte dos operadores, de todas as bases de dados de assinantes que tenham dado o seu consentimento expresso para que os seus dados sejam publicados em listas telefónicas ou serviços de informações de listas.

Passando aos factos do litígio, informa a EDA que, para fazer face ao crescente número de pesquisas sobre o número de telefone de empresas e particulares portugueses, feitas através do seu serviço internacional de informações de listas, contactou todos os prestadores de serviços telefónicos publicamente acessíveis em Portugal que atribuem números de telefone aos seus assinantes, incluindo a Cabovisão.

Este contacto foi efectuado por carta remetida em 29 de Janeiro de 2010 e por correio electrónico, através dos quais a requerente, invocando o disposto no 2.º parágrafo do artigo 25.º da Directiva 2002/22/CE, solicitou a obtenção da base de dados para elaboração da lista telefónica do respectivo operador para efeitos da sua inclusão na base de dados integrada portuguesa da EDA.

De acordo com a requerente, até 30 de Novembro de 2010 não recebeu qualquer resposta ao seu pedido, o que considera estar em desacordo com a legislação comunitária e portuguesa aplicáveis.

Assim, com base no disposto no artigo 21.º da Directiva 2002/21/CE 4 e no artigo 12.º da LCE, bem como no 2.º parágrafo do artigo 25.º da Directiva 2002/22/CE e no n.º 4 do artigo 50.º da LCE, a EDA solicita ao ICP-ANACOM que:

  • Admita o seu pedido como um pedido válido de resolução de litígio transfronteiriço e que declare o âmbito da sua competência relativamente ao presente litígio;
     
  • Coordene o seu parecer com o Regulador belga (BIPT) para tomar a sua decisão em conformidade com o disposto no artigo 8.º da Directiva 2002/21/CE e no n.º 2 do artigo 12.º da LCE;
  • Solicite, se possível, ao Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Electrónicas (ORECE) um parecer relativamente ao presente pedido;
     
  • Obrigue a Cabovisão a celebrar imediatamente com a EDA um contrato de transmissão da sua base de dados para elaboração de listas telefónicas;
     
  • Decida inequivocamente do conteúdo e do número de atributos que devem ser fornecidos à EDA, contidos nas bases de dados para elaboração de listas telefónicas;
     
  • Obrigue a Cabovisão a disponibilizar acesso às bases de dados referidas em conformidade com o constante do Acórdão C-109/03 do Tribunal de Justiça da União Europeia, ou seja, a EDA terá que pagar apenas as despesas efectivas relativas à disponibilização da informação necessária à elaboração de listas telefónicas, e que indique expressamente a respectiva quantia caso decida que há lugar a pagamento;
     
  • Em complemento ao pedido enunciado no ponto anterior e tendo em conta a jurisprudência comunitária, na resolução do litígio seja tido em consideração o espírito da legislação comunitária e posta de lado qualquer disposição de direito nacional que possa impedir a aplicação das directivas.

A resposta da Cabovisão

Por ofício de 16 de Março de 2011 5, o ICP-ANACOM notificou a Cabovisão do pedido de resolução de litígio apresentado pela EDA para que se pudesse pronunciar sobre o mesmo, tendo, na mesma data, dado conhecimento deste ofício à requerente 6.

A Cabovisão apresentou a sua resposta em 1 de Abril de 2011 7.

Entende este operador que o ICP-ANACOM não tem competência para apreciar o pedido apresentado pela EDA, pois este não respeita a um litígio surgido no âmbito das obrigações decorrentes do quadro regulamentar relativo às comunicações electrónicas.

Defende a Cabovisão que, como resulta expressamente da LCE, a “obrigação” contida no n.º 4 do artigo 50.º, invocada pela requerente, está sujeita às normas aplicáveis à protecção de dados pessoais e da privacidade, pelo que, em caso de conflito entre estas e a pretensa obrigação de satisfazer pedidos razoáveis, imperam as primeiras.

No mesmo sentido, a Cabovisão invoca também o n.º 5 do artigo 25.º da Directiva Serviço Universal e o artigo 12.º da Directiva 2002/58/CE, concluindo que a matéria objecto do litígio deve ser esclarecida e resolvida perante as autoridades de protecção de dados pessoais, às quais cabe decidir sobre a legitimidade da transmissão dos dados, e sujeita a uma eventual e posterior negociação entre as partes.

Adita a respondente que a EDA pretende obter do ICP-ANACOM determinadas acções que este não pode exercer, ou seja, este não pode obrigar a Cabovisão a celebrar um contrato de transmissão de dados pessoais, definir o âmbito e extensão dos dados a transmitir ou fixar o preço exigível por esta transmissão.

Quanto à ilação que a EDA retira da base legal invocada para sustentar o seu pedido (n.º 4 do artigo 50.º da LCE), afirma a Cabovisão que da mesma não decorre para si uma obrigação de facultar à requerente o acesso às suas bases de dados, questionando se o objectivo do legislador não foi o de enquadrar tal obrigação na problemática do serviço universal.

Neste contexto, refere a Cabovisão que a LCE é clara quando prevê nos n.ºs 1 e 2 do artigo 50.º que o direito dos assinantes de figurar nas listas telefónicas e de aceder aos serviços de informações de listas se refere aos serviços abrangidos no âmbito do serviço universal, previstos no n.º 4 do artigo 89.º.

Diz a respondente que poderia argumentar-se que o dever previsto no n.º 4 do artigo 50.º surge apenas e na medida em que o pedido for feito para a prestação dos referidos serviços no âmbito do serviço universal, não sendo líquido que, fora desse âmbito, um operador seja obrigado a dar a outro, seu potencial concorrente, o acesso integral à sua base de dados de assinantes.

Para a Cabovisão, uma tal obrigação constituiria uma interferência injustificada na esfera económica privada de cada operador, não admitida pela legislação da defesa da concorrência por não se estar perante um operador com posição dominante.

A título de mera curiosidade, refere ainda que nada impede que os utilizadores belgas se socorram dos serviços de informações de listas portuguesas, não sendo posto em causa o disposto no n.º 3 do artigo 50.º da LCE.

Conclui, então, que está aqui em causa uma faculdade, e não uma obrigação, dos operadores a exercer com respeito pela legislação de protecção de dados pessoais e de privacidade.

Sem prejuízo do referido, a Cabovisão salienta que o pedido da EDA não é razoável e não garante qualquer segurança no tratamento dos dados, pelo que, ainda que existisse uma obrigação da sua parte, não teria que o satisfazer.

Tal deve-se ao facto de o pedido não estar minimamente concretizado, não ser transparente e desconsiderar o problema da segurança dos dados e da potencial acessibilidade universal aos mesmos.

Acresce que, pelo acesso às bases de dados, a EDA exige que lhe sejam cobrados apenas os custos relativos à colocação efectiva desses dados ao dispor de terceiros, o que no entender da Cabovisão contribui para a sua falta de razoabilidade, uma vez que este operador teria custos não despiciendos com a necessária informação que teria que prestar a todos os seus clientes e a autorização que teria que solicitar-lhes para a inclusão dos seus dados nas listas da EDA.

A este propósito, refere a Cabovisão que o Acórdão C-109/03 do Tribunal de Justiça invocado pela EDA não é aplicável à presente situação, pois foi proferido num caso que opunha um prestador de serviço universal e editor de listas nesse âmbito a duas empresas que pretendiam aceder à sua base de assinantes para prestarem serviços de edição de listas concorrentes, quando recaía sobre o prestador uma inequívoca obrigação de fornecer essas informações.

Por fim, a respondente alega que não está sequer autorizada a transmitir os dados dos seus assinantes, por carecer do necessário consentimento inequívoco e expresso da sua parte, imposto pelos contratos de prestação de serviços de comunicações electrónicas celebrados em cumprimento do disposto no artigo 48.º da LCE.

Esclarece a Cabovisão que a autorização dada por alguns assinantes respeita apenas à inclusão dos seus dados em listas nacionais.

Com base em todo o acima exposto, a Cabovisão solicita ao ICP-ANACOM que não aceite o pedido de resolução de litígio apresentado pela EDA.

II
Análise

Descritos os factos relevantes, procede-se de seguida à análise das questões e matérias suscitadas no presente processo, começando necessariamente pela verificação dos requisitos de intervenção do Regulador ao abrigo do artigo 12.º da LCE.

Questão prévia: verificação da competência material do ICP-ANACOM ao abrigo do artigo 12.º da LCE

Como supra se descreve nos pontos I – 2.3 a 2.12, a Cabovisão considera que o ICP-ANACOM não é materialmente competente para apreciar este litígio pelo facto de o seu objecto não respeitar a obrigações decorrentes do quadro regulamentar relativo às comunicações electrónicas, mas antes a uma faculdade dos operadores a exercer com respeito pela legislação de protecção de dados pessoais e de privacidade.

O n.º 1 do artigo 12.º da LCE prevê a aplicabilidade do mecanismo de resolução de litígios transfronteiriços quando esteja em causa um litígio surgido no âmbito das obrigações decorrentes do quadro regulamentar relativo às comunicações electrónicas, entre empresas a elas sujeitas e estabelecidas em Estados-Membros diferentes.

Esta disposição transpõe o n.º 1 do artigo 21.º da Directiva-Quadro que prevê a aplicabilidade deste procedimento “em caso de litígio transfronteiriço sobre matéria do âmbito da presente directiva ou das directivas específicas, surgido entre partes estabelecidas em Estados-Membros diferentes”.

É igualmente clarificador o constante do considerando (32) da Directiva Quadro, de acordo com o qual “Em caso de litígio entre empresas do mesmo Estado-Membro, num domínio abrangido pela presente directiva ou pelas directivas específicas, relacionado, por exemplo, com obrigações de acesso e interligação ou com os meios de transferir listas de assinantes, a parte lesada que tiver negociado de boa fé sem ter conseguido chegar a acordo, deve poder recorrer à autoridade reguladora nacional para a resolução do litígio”. O que aqui se explicita é também aplicável aos litígios transfronteiriços, cujo âmbito de aplicação material coincide com o definido para os litígios surgidos entre empresas do mesmo Estado.

Tal significa que o que releva para a aplicação do procedimento de resolução de litígios transfronteiriços é o facto de o diferendo respeitar a matéria regulamentada pelo quadro relativo às comunicações electrónicas, em particular ao cumprimento de obrigações sectorialmente previstas, pelas empresas a elas sujeitas, e à satisfação dos correspondentes direitos que a lei pode estabelecer a favor de empresas que não oferecem redes ou serviços de comunicações electrónicas. Ora, o presente litígio respeita ao cumprimento pela Cabovisão da obrigação fixada no n.º 4 do artigo 50.º da LCE, a qual decorre do n.º 2 do artigo 25.º da Directiva Serviço Universal que é uma das directivas específicas a que se refere o citado artigo 21.º da Directiva-Quadro. Esta obrigação recai sobre as empresas que atribuem números de telefone a assinantes e tem como beneficiárias as empresas que oferecem serviços de informações de listas e de listas acessíveis ao público, categoria em que a EDA se insere 8.

Recorde-se que a oferta de listas e serviços de informações de listas se encontra aberta à concorrência 9, pelo que o regime da Directiva Serviço Universal veio, por um lado, dar aos assinantes o direito de os seus dados pessoais serem incluídos numa lista impressa ou electrónica e, por outro, garantir que todos os prestadores de serviços que atribuem números de telefone aos seus assinantes sejam obrigados a disponibilizar as informações pertinentes em condições justas, baseadas nos custos e não discriminatórias, conforme explicita o considerando (35) da referida Directiva.

Não há, pois, qualquer dúvida que o disposto no n.º 4 do artigo 50.º da LCE não está enquadrado no âmbito da prestação do serviço universal. Basta, aliás, atentar no facto de o artigo 89.º da LCE, respeitante à lista e serviço de informações de listas do serviço universal, fixar às empresas que oferecem serviços telefónicos acessíveis ao público obrigações específicas de transmissão das informações sobre os seus assinantes ao prestador de serviço universal (cfr. n.ºs 2 e 3 do referido artigo).

Pelo exposto, não procede igualmente o argumento de que este litígio respeita às normas aplicáveis à protecção de dados pessoais e da privacidade e não ao quadro regulamentar das comunicações electrónicas, sem prejuízo, naturalmente, de ser garantido pela própria LCE o respeito destas (cfr. n.º 5 do artigo 50.º).

Conclui-se, assim, que o ICP-ANACOM é competente para a resolução do presente litígio.

O pedido da EDA de acesso à base de dados da Cabovisão

Na presente análise o ICP-ANACOM considera relevante avaliar os termos do pedido inicial da EDA junto da Cabovisão.

Com efeito, o contacto estabelecido pela EDA com a Cabovisão, no qual a empresa expressamente invocou as regras comunitárias constantes do artigo 25.º da Directiva Serviço Universal, tinha como objectivo a celebração de um contrato para a utilização da sua base de dados de assinantes (números fixos e móveis), incluindo, pelo menos, os seguintes dados: nome próprio e apelido ou denominação social, morada e número de telefone, código postal, localidade, etc. 

Segundo a EDA, estes dados seriam utilizados apenas em ligação com os serviços de informações de listas e, possivelmente, de listas universais online, de acordo com as regras sobre privacidade aplicáveis, e nunca para efeitos de marketing ou para transmissão a terceiros, incluindo concorrentes da Cabovisão.

Para o efeito, a EDA solicitou que a Cabovisão, durante o mês de Fevereiro de 2010, lhe enviasse uma proposta semelhante àquela com base na qual já transmite a sua base de dados a outros editores de listas em Portugal e em condições justas, objectivas, orientadas para os custos e não discriminatórias 10.

Importa reter este aspecto: a EDA enquadrou o seu pedido no regime da Directiva Serviço Universal, estabelecendo um primeiro contacto no qual solicita que a Cabovisão lhe apresente uma proposta para disponibilização dos dados dos seus assinantes, repita-se, em condições justas, objectivas, orientadas para os custos e não discriminatórias.  

Este pedido assenta, assim, legitimamente no disposto no n.º 4 do artigo 50.º da LCE que procede de forma adequada à transposição do n.º 2 do artigo 25.º da Directiva Serviço Universal num contexto de abertura à concorrência da oferta de listas e serviços de informações de listas.

Retomando, de acordo com o referido n.º 4 do artigo 50.º da LCE, “as empresas que atribuem números de telefone a assinantes devem satisfazer todos os pedidos razoáveis de fornecimento de informações pertinentes sobre os respectivos assinantes, solicitadas para efeitos de oferta de serviços de informações de listas e de listas acessíveis ao público, mediante um formato acordado e em condições justas, objectivas, orientadas para os custos e não discriminatórias”.

Esta matéria está, ainda, sujeita às normas aplicáveis à protecção de dados pessoais e da privacidade (cfr. n.º 5 do artigo 50.º da LCE), em particular ao artigo 13.º da Lei n.º 41/2004, de 18 de Agosto 11, bem como ao disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 48.º da LCE, de acordo com os quais os assinantes devem manifestar expressamente a sua vontade de terem ou não os seus dados pessoais incluídos em listas telefónicas e de os mesmos serem divulgados através de serviços informativos, envolvendo ou não a sua transmissão a terceiros. Em caso afirmativo, devem tais assinantes decidir quais os dados a incluir, na medida em que sejam pertinentes para os fins a que se destinam as listas.

Aplicando este enquadramento legal ao caso presente, conclui-se o seguinte:

a) A Cabovisão, enquanto empresa que oferece um serviço telefónico acessível ao público no âmbito do qual atribui números aos seus assinantes, está sujeita à obrigação de fornecer à EDA informações pertinentes sobre os respectivos assinantes para que esta ofereça serviços de informações de listas e de listas acessíveis ao público;

b) O cumprimento desta obrigação está dependente da apresentação, pela EDA, de um pedido razoável;

c) Os dados dos assinantes devem ser transmitidos num formato acordado entre as empresas, em condições justas, objectivas, orientadas para os custos e não discriminatórias;

d) A Cabovisão só pode fornecer os dados pertinentes dos assinantes que tenham manifestado ou venham previamente a manifestar a sua vontade de figurar em listas telefónicas e serviços informativos como os oferecidos pela EDA;

e) Sobre a EDA, por seu turno, impende um conjunto de obrigações relativas à segurança e confidencialidade do tratamento dos dados recolhidos, bem como quanto à sua qualidade, entre as quais a recolha de dados adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às respectivas finalidades e a sua utilização apenas para a finalidade definida (cfr. artigos 5.º e 14.º e seguintes da Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro - Lei da Protecção de Dados Pessoais).

Ora, das regras referidas, em particular do disposto no n.º 4 do artigo 50.º da LCE, resulta que predomina neste domínio a celebração de acordos de natureza marcadamente comercial através dos quais possa ser satisfeita a vontade dos assinantes terem os seus dados publicados em listas para além da elaborada pelo prestador de serviço universal.

Neste contexto, o ICP-ANACOM entende que nesta fase deve ser privilegiada a negociação entre as partes, em detrimento de uma fixação unilateral por parte do Regulador do formato e condições de transmissão dos dados em questão.

Assim e uma vez que a carta dirigida pela EDA à Cabovisão constituiu apenas um primeiro contacto com esta empresa que não teve seguimento, deve a Cabovisão promover o estabelecimento de negociações entre as partes.

Para o efeito, deve a Cabovisão apresentar à EDA uma proposta em que indique concretamente que informação considera poder transmitir-lhe dentro da razoabilidade e pertinência a que se refere o n.º 4 do artigo 50.º da LCE, propondo as demais condições contratuais, incluindo remuneratórias, de acordo com as regras impostas por esta disposição.

III
Deliberação

Assim, tendo em conta o vindo de expor, o Conselho de Administração do ICP-ANACOM, no exercício da atribuição que lhe é conferida pela alínea q) do n.º 1 do artigo 6.º dos seus Estatutos, publicados em anexo ao Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de Dezembro, na prossecução dos objectivos de regulação previstos no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro, e ao abrigo do artigo 12.º desta Lei, delibera:

Determinar à Cabovisão que, em resposta ao pedido que a EDA lhe dirigiu em Janeiro de 2010 e em cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 50.º da LCE, apresente à EDA as condições em que fornece as informações pertinentes sobre os seus assinantes para efeitos de oferta de serviços de informações de listas e de listas acessíveis ao público; 

Para efeitos do disposto no número anterior, a proposta a apresentar deve ser razoável, visar a transmissão das informações pertinentes sobre os assinantes da Cabovisão, conter o formato e as condições a que deve obedecer o fornecimento dos dados, as quais devem ser justas, objectivas, orientadas para os custos e não discriminatórias;

Submeter à audiência prévia dos interessados, nos termos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código de Procedimento Administrativo, os pontos 1 e 2 da presente deliberação, fixando o prazo de 10 dias úteis para que a EDA e a Cabovisão, querendo, se pronunciem por escrito;

Remeter, para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da LCE, a presente decisão ao BIPT, fixando o prazo de 10 dias úteis para que, querendo, se pronuncie por escrito

Remeter, no âmbito do dever de cooperação previsto no artigo 7.º da LCE e no artigo 8.º dos Estatutos do ICP-ANACOM, a presente decisão à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) fixando o prazo de 10 dias úteis para que, querendo, se pronuncie por escrito.

Notas
nt_title
 
1 Documento registado com o n.º 2010112238.
2 Documento registado com o n.º 2011020244.
3 Directiva 2002/22/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa ao serviço universal e aos direitos dos utilizadores em matéria de redes e serviços de comunicações electrónicas (Directiva Serviço Universal).
4 Directiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de Março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas (Directiva-Quadro).
5 ANACOM-S026210/2011.
6 ANACOM-S026213/2011.
7 Documento registado com o n.º 2011047040.
8 Embora não altere a conclusão exposta, refira-se que, na carta remetida pela EDA à Cabovisão em Janeiro de 2011, aquela empresa refere estar também registada como prestador de serviços de comunicações electrónicas, actividade que não é mencionada no pedido de resolução de litígios apresentado ao ICP-ANACOM.
9 Cfr. artigo 5.º da Directiva 2002/77/CE, da Comissão de 16 de Setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e de serviços de comunicações electrónicas.
10 Em alternativa, avançou a hipótese de remeter o seu contrato-tipo.
11 Transpõe para a ordem jurídica nacional a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Julho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das comunicações electrónicas.