Esclarecimentos relativos ao artigo 35.º do Regulamento do Leilão


Vem a TMN alegar que apenas com a análise do Projeto de Relatório e seus anexos constatou que o ICP-ANACOM adotou uma posição inicial sobre o tema dos esclarecimentos prestados relativamente ao artigo 35.º do Regulamento do Leilão e que depois alterou para uma posição diametralmente oposta o que, em seu entender, padece de ilegalidade.

Com efeito, entende a TMN que:

a) O artigo 137º do CPA não configura norma habilitante para a atuação do ICP-ANACOM na "substituição parcial" dos esclarecimentos prestados sobre o artigo 35.º do Regulamento do Leilão à OPTIMUS, à ZON Multimédia, S.A. e ao Grupo ZAPP.pt;

b) Não sendo os "novos" esclarecimentos validamente prestados, não podem prevalecer sobre os esclarecimentos "originais".

A TMN fundamenta a sua posição no facto de, em sua opinião, este caso não configurar ratificação, reforma ou conversão de um ato administrativo, pois não se encontram preenchidos os dois pressupostos necessários para o efeito: (i) o esclarecimento em causa ser um ato administrativo e (ii) o esclarecimento original ser um ato inválido.

Quanto ao primeiro pressuposto, refere a TMN que os regulamentos só podem ser alterados ou interpretados por outros regulamentos e não por atos administrativos, pelo que ou os esclarecimentos são atos administrativos e, como tal, ilegais por violação de regulamento ou os esclarecimentos não são atos administrativos mas antes regulamentos e o artigo 137.º do CPA não se aplica e não pode fundamentar a substituição dos esclarecimentos prestados pelo ICP-ANACOM.

No que se refere ao segundo pressuposto, este também se não verificaria, de acordo com a TMN, uma vez que os esclarecimentos originais não seriam inválidos, o que afastaria a aplicabilidade do artigo 137.º do CPA.

Entendimento do ICP-ANACOM

Sem afastar a distinção entre regulamento e ato administrativo, tão dissecada pela TMN, entende o ICP-ANACOM que é sobretudo importante verificar se, nesta matéria, esta Autoridade atuou no âmbito das suas competências e em cumprimento do disposto no Regulamento do Leilão.

O ICP-ANACOM, ao abrigo do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento do Leilão, prestou esclarecimentos à OPTIMUS e à ZON Multimédia, S.A. (no dia 27 de outubro) e ao Grupo ZAPP.pt (no dia 31 de outubro) sobre diversas matérias do referido regulamento e designadamente sobre a obrigação de acesso à rede prevista na alínea b) do n.º 4 do artigo 35.º, nas condições estabelecidas no n.º 5 do mesmo artigo, a saber:

  • Aceitar a negociação de acordos de itinerância nacional com terceiros que possuam direitos de utilização de frequências nas faixas acima de 1 GHz e que não possuam direitos de utilização de frequências sobre mais do que um total de 2x5 MHz cumulativamente nas faixas dos 800 MHz e 900 MHz;

  • A obrigação de acesso referida vigora perante terceiros que se comprometam, no prazo de 3 anos, a utilizar as suas frequências nas faixas de frequências dos 800 MHz ou dos 900 MHz, de forma a que alcancem coberturas correspondentes à disponibilização do serviço a pelo menos 50% da população nacional.

Estes esclarecimentos foram prestados em resposta às questões concretas formuladas por aquelas empresas, que tiveram dúvidas na interpretação das referidas normas.

Em primeiro lugar, importa sublinhar, na sequência do entendimento do ICP-ANACOM constante do Ponto I do presente relatório, que os esclarecimentos no âmbito do procedimento do leilão, e nos termos do respetivo regulamento, têm um regime particularíssimo. Com efeito, foi opção do Regulamento do Leilão que os esclarecimentos prestados, em resposta a solicitações dirigidas ao ICP-ANACOM, não se destinavam em princípio a divulgação geral. Trata-se de solução diversa da seguida correntemente no âmbito de procedimentos concursais, em que os esclarecimentos prestados pela entidade adjudicante são disponibilizados a todos os interessados (cfr. n.º 4 do artigo 50.º do Código dos Contratos Públicos, doravante «CCP»). Esta opção, conforme referido, teve em conta salvaguardar o carácter sigiloso do procedimento, sem prejuízo da necessária transparência e imparcialidade, a qual se traduz na solução de habilitar o ICP-ANACOM à divulgação de esclarecimentos de carácter geral.

Decorrência direta deste particular regime de prestação de esclarecimentos - em situações individuais e concretas - é a natureza do ato de prestação de esclarecimentos individualizados a cada um dos interessados que os solicitou, ato esse que, com estas especiais características, não tem certamente natureza regulamentar, não sendo também contaminado pela natureza regulamentar do Regulamento do Leilão. Na verdade, cada um dos esclarecimentos prestados pelo ICP-ANACOM ao abrigo do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento do Leilão tinha conteúdos orientados a cada situação concreta e dirigia-se individualmente a cada um dos respetivos destinatários, sendo apenas a estes notificados. Foram, pois, resoluções individuais e concretas.

Há assim que concluir que, partindo da noção legal de ato administrativo - decisão dos órgãos da administração que ao abrigo de normas de direito público visa produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (artigo 120.º do CPA) - os esclarecimentos prestados individualmente a cada um dos interessados ao abrigo do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento do Leilão configuram uma determinação sobre ou uma resolução de um assunto que é colocado por um particular 1.

Nestes termos, forçoso é concluir pela aplicabilidade ao caso concreto do regime constante do artigo 137.º do CPA relativo à ratificação, reforma e conversão de atos administrativos.

Em segundo lugar, o ICP-ANACOM rejeita que, através da substituição da primeira interpretação pela veiculada em segundo lugar, que se lhe afigurou a correta, tenha procedido a uma alteração do Regulamento do Leilão.

Afirma a TMN, remetendo para a pág. 173 do "Curso de Direito Administrativo" de Diogo Freitas do Amaral, que "os regulamentos só podem ser alterados ou interpretados por outros regulamentos e não por atos administrativos". Ora, na referida página da obra citada, o que pode ler-se é, não o que refere a TMN, mas que "o regulamento é interpretado, e as suas lacunas são integradas, de harmonia com as regras próprias da interpretação e integração das normas jurídicas; para o acto administrativo há outras regras específicas aplicáveis em matéria de interpretação e integração - as regras próprias da interpretação e integração do acto administrativo".

Nestes termos, o que importa reter - e que não se crê que a TMN ponha em causa - é que o Regulamento do Leilão estabeleceu uma regra clara e inequívoca no sentido de atribuir ao ICP-ANACOM uma competência: a de prestar aos interessados os esclarecimentos sobre quaisquer dúvidas surgidas na interpretação de quaisquer documentos conformadores do processo de leilão. E, como tal, também o poder-dever de interpretar o Regulamento do Leilão, enquanto documento conformador do leilão. Assim, atendendo à natureza dos esclarecimentos prestados nos termos do n.º 1 do artigo 11.º do Regulamento do Leilão, de forma individual e concreta a cada um dos interessados, compete naturalmente ao ICP-ANACOM, quando confrontado com a necessidade de corrigir essa interpretação, corrigi-la. Foi o que fez porque a tal estava vinculado, atentos também os princípios da atividade administrativa, nomeadamente o da boa-fé e o da colaboração com os particulares.

Nestes termos, o que importa afastar em absoluto é que o ICP-ANACOM, ao substituir determinado esclarecimento prestado por outro que se lhe afigurou mais correto, por ter entendido que o primeiro enfermava de contradição quanto à conjugação de duas normas do Regulamento do Leilão e quanto ao seu próprio entendimento expresso no relatório da consulta pública do Regulamento, não dispusesse de competência para o fazer. Com efeito, qualquer que seja a natureza jurídica do ato em causa, sempre o ICP-ANACOM seria competente para o substituir ou alterar. 

Com a prática destes atos, o ICP-ANACOM não efetuou qualquer modificação do Regulamento do Leilão, pelo que tão somente notificou as decisões adotadas aos respetivos destinatários. Não pode assim pretender-se, como faz a TMN, que estes atos do ICP-ANACOM possam padecer do vício de invalidade por violação de regulamento 2.

Porém, em paralelo, e dada a pertinência do esclarecimento em questão, a matéria na parte relevante foi incluída nos esclarecimentos de ordem geral emitidos e divulgados no sítio do ICP-ANACOM na internet no mesmo dia 2 de novembro, que, ao abrigo do n.º 5 do artigo 11.º do Regulamento do Leilão, clarificaram um conjunto alargado de matérias relativamente às quais o ICP-ANACOM, tendo em conta os diversos pedidos de esclarecimento recebidos, entendeu justificado pronunciar-se.

Estes esclarecimentos de ordem geral incluem entendimentos gerais e abstratos, tal como o próprio regulamento, ou seja, não definem destinatários concretos nem situações específicas.

Em todos os casos referidos, os esclarecimentos constituem, pois, uma interpretação dos documentos conformadores do processo de leilão, efetuada pela entidade que detém o poder regulamentar originário, ao abrigo dos seus Estatutos e da Lei das Comunicações Eletrónicas 3.

Em conclusão, o ICP-ANACOM, ao proceder como procedeu durante todo o período de prestação de esclarecimentos ao abrigo do Regulamento do Leilão, respeitou integralmente as regras aplicáveis.

Notas
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1 Mário Esteves de Oliveira e outros - Código do Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição, Almedina, em anotação ao artigo 120.º.
2 Estes casos de invalidade são aqueles em que, como a própria TMN indica, citando Freitas do Amaral, a Administração derroga os regulamentos sem mais em casos isolados, mantendo-os em vigor para todos os restantes casos.
3 Cfr alínea a) do artigo 9.º dos Estatutos do ICP-ANACOM anexos ao Decreto-Lei n.º 309/2001, de 7 de dezembro e 8.º do artigo 30.º da Lei n.º 5/2004 de 10 de fevereiro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 51/2011, de 13 de setembro.